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Padres e bispos por todo o país têm celebrado missas em igrejas vazias, transmitindo-as pela internet
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Padres e bispos por todo o país têm celebrado missas em igrejas vazias, transmitindo-as pela internet

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Padres e bispos por todo o país têm celebrado missas em igrejas vazias, transmitindo-as pela internet

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Mais missas, mas com fiéis de máscara e à distância e nada de procissões. Como vai a Igreja Católica voltar à normalidade

Cúpula da Igreja Católica portuguesa reúne-se esta semana, depois de encontro entre o cardeal-patriarca e primeiro-ministro. Alguns bispos já preparam o regresso das igrejas às celebrações de domingo.

A Igreja Católica antecipou-se ao Estado quando decidiu suspender todas as missas em território português vários dias antes de o Governo decretar a proibição dos cultos religiosos no âmbito do estado de emergência. Agora, também no longo caminho de regresso à vida normal a Igreja quer mostrar que está na linha da frente do combate contra a pandemia da Covid-19. Por isso, nos próximos tempos, quando as portas das igrejas portuguesas se voltarem a abrir, não será estranho encontrar padres e fiéis de máscaras em templos com uma lotação reduzida e celebrações adaptadas à nova realidade: sem contacto físico, sem multidões em procissão, sem proximidade.

“A Igreja tem sido capaz de se adaptar. Fomos os primeiros a mandar fechar as igrejas, sem qualquer tipo de declaração do estado de emergência. Também agora saberemos adaptarmo-nos”, diz ao Observador o arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, no mesmo dia em que o primeiro-ministro, António Costa, foi recebido na casa patriarcal, em Lisboa, pelo cardeal-patriarca e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. Manuel Clemente, para discutir de que forma poderá ser feito o regresso dos fiéis católicos portugueses às igrejas de todo o país — cerca de 3 milhões de portugueses frequentam as igrejas todas as semanas.

"A Igreja continuará a ser um exemplo e uma referência na forma de celebração da fé, mantendo naturalmente as regras que podem contribuir positivamente para a saúde pública"
António Costa, primeiro-ministro

Na reunião desta segunda-feira, o primeiro-ministro e o cardeal-patriarca de Lisboa concordaram que o regresso à normalidade será feito “gradualmente e com todos os cuidados sanitários”, devendo as restrições começar a ser levantadas a partir de maio. “No dia 30 de abril iremos tomar orientações”, disse António Costa à saída do encontro, numa intervenção em que elogiou a forma como a Igreja Católica tem lidado com a pandemia: “A Igreja continuará a ser um exemplo e uma referência na forma de celebração da fé, mantendo naturalmente as regras que podem contribuir positivamente para a saúde pública.

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Após o encontro, apenas António Costa falou aos jornalistas. D. Manuel Clemente manteve-se ao lado do primeiro-ministro, em silêncio, remetendo qualquer declaração para o final da semana. É que, até lá, a cúpula da Igreja Católica ainda se vai reunir para que o cardeal-patriarca possa comunicar o que ouviu do primeiro-ministro. Segundo confirmou ao Observador o porta-voz da CEP, padre Manuel Barbosa, está agendada uma reunião por videoconferência do Conselho Permanente da CEP para os próximos dias. Depois desse encontro, a Igreja Católica em Portugal deverá comunicar publicamente que plano tem para o futuro. E para o lento regresso à normalidade possível.

Se a pandemia continuar a evoluir nos moldes atuais, o Governo espera conseguir, durante o mês de maio, retomar alguma normalidade na vida quotidiana — e não esquece a relevância do mês para os fiéis católicos. “Se mantivermos o esforço, a disciplina e a contenção, poderemos consolidar a trajetória que conseguimos desde março e podemos começar a encarar o mês de maio de forma diferente”, disse António Costa, assinalando que este “não é o momento para baixar a guarda, é o momento para manter com grande rigor e disciplina” as medidas destinadas a conter a disseminação do vírus.

Um tripé, uma câmara de filmar e ligação à internet têm garantido a muitos fiéis portugueses o acesso às missas católicas

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

“Sabendo que maio é um mês particularmente importante para a Igreja Católica, em diálogo com a Igreja queremos prever e ver como podemos viver todos em conjunto esse período”, acrescentou o primeiro-ministro. Uma coisa é certa: as celebrações de 13 de maio, em Fátima, já serão inéditas. No início de abril, o cardeal D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima, anunciou que a peregrinação será realizada “sem peregrinos fisicamente presentes”. “Em virtude da epidemia e da necessidade de evitar a propagação do vírus, esta é a única decisão sensata e responsável que poderíamos tomar”, disse o cardeal, numa mensagem emocionada.

Procissões canceladas, missas com restrições

Embora ainda não haja uma posição oficial da Igreja Católica sobre as medidas concretas que serão adotadas, a partir do momento em que as celebrações religiosas puderem voltar a ser realizadas, alguns bispos ouvidos pelo Observador admitem que as missas poderão passar a ter de ser mais frequentes (para permitir a presença de menos fiéis), os participantes poderão ter de utilizar máscaras e as paróquias poderão definir distâncias mínimas entre fiéis.

Devemos ter uma atitude mais ou menos unânime”, afirma o arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga, que prefere esperar pelas orientações da Conferência Episcopal antes de avançar com os planos para a diocese minhota, para não falar de “coisas que possam vir a não acontecer”. Mas garante: “Depois haverá, certamente, adaptações próprias de cada diocese”.

O bispo de Angra, D. João Lavrador, diz já ter “apalavradas” um conjunto de recomendações específicas para os padres da diocese que abrange as nove ilhas dos Açores, que divulgará oficialmente quando a Conferência Episcopal se pronunciar. Ao Observador, o bispo explica as linhas gerais do que deverá ser posto em prática: “Não haverá ajuntamentos de grande massa, e as celebrações eucarísticas e provavelmente outras têm de ter sempre em conta o distanciamento necessário. À medida que se forem abrindo as igrejas, vão ter de se ir encontrando as medidas necessárias”.

"A Igreja nunca irá pôr em causa a saúde pública por qualquer celebração"
D. João Lavrador, bispo de Angra

“A Igreja nunca irá pôr em causa a saúde pública por qualquer celebração”, assegura o bispo. “E eu estou a fazer conta de dar indicações muito concretas nesse sentido.

Um dos grandes desafios será o de garantir as distâncias mínimas de segurança dentro das igrejas. “Há paróquias que, neste momento, não têm problema nenhum em distanciar as pessoas. São poucas pessoas e as igrejas são grandes, por isso não há problema. Noutras paróquias, em que há mais pessoas, provavelmente vai ser preciso fazer mais alguma missa, para não irem todas as pessoas ao mesmo tempo. Vai depender das pessoas. Mas direi, nas indicações, que o distanciamento necessário terá de ser garantido.”

D. João Lavrador acrescenta ainda que outra das medidas que poderão ser implementadas, se tal for considerado necessário pelas autoridades de saúde, é a utilização generalizada de máscaras dentro das igrejas durante as celebrações. Se assim for, garante, “também serão acauteladas as máscaras”.

O que vai ficar sem efeito são as procissões e outras celebrações com grandes conjuntos de pessoas, que abundam durante o verão e que protagonizam muitas festas populares. “À partida não vamos ter procissões. Têm gente a vir de todo o lado”, explica o bispo de Angra.

A implementação das medidas poderá vir a revelar-se o maior desafio. “Não é fácil dizer quem entra e quem não entra na igreja”, disse o arcebispo de Évora, D. Francisco Senra Coelho, esta segunda-feira na emissão da Rádio Observador. “Os párocos vão precisar de orientações muito objetivas, e ao mesmo tempo de apoio, porque haverá situações em que não será fácil decidir. Nomeadamente, quando digo que são muitas pessoas que querem participar, não se vai dizer que ‘o senhor não pode entrar, a senhora não vai entrar’.”

De uma maneira geral, a missa dominical, podemos por exemplo estabelecer com clareza que quem vai ao sábado não vai ao domingo, dá a vez ao irmão. Temos de manter a distância entre as pessoas, teremos porventura de usar máscara. São possibilidades que vamos percebendo que podem ser realidade”, exemplificou o arcebispo de Évora.

"De uma maneira geral, a missa dominical, podemos por exemplo estabelecer com clareza que quem vai ao sábado não vai ao domingo, dá a vez ao irmão"
D. Francisco Senra Coelho, arcebispo de Évora

Para D. Francisco Senra Coelho, é fundamental que as orientações da Igreja sejam sustentadas no aconselhamento técnico. “Temos de referenciar, antes de tudo, a opinião daqueles que tem especialidade sanitária e que possam dizer a situação concreta que vivemos, lê-la, para que seja possível fazermos uma ação concertada, mas ao mesmo tempo uma ação com toda a qualidade. A qualidade aqui é, objetivamente, a prudência, para que não criemos qualquer situação de risco”, explica.

Salientando que a decisão cabe, em última análise, aos bispos católicos, o arcebispo de Évora destaca que é “importante” que exista um “acompanhamento técnico muito cauteloso”. Essa “não é a nossa especialidade concreta, não é a saúde pública, não é os cuidados sanitários, tem de haver um acompanhamento muito cuidadoso da situação, porque as coisas também mudam de região para região”.

Na zona do Alentejo, é muito marcante a celebração dos defuntos. As missas do 7.º dia, do 30.º dia, onde se juntam sempre muitas e muitas pessoas, os amigos além da família”, exemplifica. “Todos desejamos regressar à vida normal. Não há ninguém que não deseje retomar todas as suas atividades, os seus direitos de cidadania, a sua liberdade de movimentação. Também os católicos praticantes desejam, nomeadamente, participar nas celebrações dominicais.”

Ainda assim, apesar da retoma gradual das celebrações presenciais, a Igreja Católica deverá sair deste período excecional com novas ferramentas de evangelização, acredita o cardeal-patriarca de Lisboa. Numa entrevista à Agência Ecclesia, D. Manuel Clemente sublinhou que os católicos estão a atravessar uma experiência “monástica”, mas em ambiente digital, que deverá ficar para o futuro.

O primeiro-ministro, António Costa (D), acompanhado pelo cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente (E), após uma reunião para preparar o levantamento das limitações às celebrações religiosas, no seminário dos Olivais, em Lisboa, 20 de abril de 2020. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

O cardeal-patriarca de Lisboa, que preside à Conferência Episcopal Portuguesa, encontrou-se esta segunda-feira com o primeiro-ministro, António Costa

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

“‘Monástico’ é uma atitude que existe desde sempre no cristianismo, e não só no cristianismo, que nos retém a nós próprios, no mais fundo de nós próprios para encontrar aí outra profundidade e outro lastro para viver. É isso que a palavra monástico significa, em  sentido de isolamento do exterior para o aprofundamento do interior”, disse o cardeal.

Para D. Manuel Clemente, houve uma mudança fundamental no último mês: os católicos passaram a participar na missa pela televisão e pela internet, e não apenas a assistir. “São meios que estão ao nosso dispor e que vamos utilizar. Como já tivemos desenvolvimentos nesse sentido com as visitas habituais dos ministros extraordinários da comunhão às casas das pessoas. Tudo isso terá o seu futuro porque desenvolve aquilo que é a vida da Igreja: uma profunda convivência, nos seus diversos níveis e possibilidades.”

“Estão a desenvolver-se realidades que julgo que ficarão! Mesmo quando pudermos voltar à nossa pastoral normal, não deixaremos de utilizar muito disto que agora está a vir ao de cima”, acrescentou.

A fé em Portugal resiste sem o 13 de maio?

O cardeal D. António Marto não conseguiu disfarçar as lágrimas quando anunciou a realização das celebrações do 13 de maio sem peregrinos este ano. “É com muita dor e tristeza, de alma e coração, mas com o grande sentido de responsabilidade, que neste momento comunico que o Santuário de Fátima irá celebrar a grande peregrinação internacional aniversária de maio sem peregrinos fisicamente presentes. Sem aquela presença física de peregrinos, sem aquela multidão como era habitual”, disse o cardeal, numa mensagem em vídeo divulgada pelo Santuário de Fátima.

“Suspender esta peregrinação de maio nos moldes habituais é um ato de responsabilidade pastoral e também um profundo ato de fé, que comunico com o coração em lágrimas, porque sei da importância deste momento em particular para tantos milhares de peregrinos que aqui vêm em busca de alimento, de um conforto espiritual, de paz para o ano inteiro”, continuou D. António Marto, interrompido várias vezes pela emoção.

Na altura em que o vídeo foi gravado, já 180 grupos de peregrinos, oriundos de todos os continentes, tinham cancelado as viagens a Fátima. “Para o Santuário é um momento muito difícil, porque não pode acolher peregrinos, que são a sua razão de ser, a razão de ser deste grande hospital de campanha que ajuda a sarar tantas feridas. Feridas da alma, do coração, feridas pessoais e sociais”, lamentou D. António Marto.

Na cultura religiosa portuguesa, as peregrinações a Fátima, mas também as procissões em honra dos santos e as festas populares católicas assumem um papel central. Este ano, tudo isso ficará para segundo plano. Mas como contrapõe o cardeal: “Não se peregrina só a pé, com os pés, ou com a deslocação física. Também se peregrina com a mente e com o coração”.

Os bispos ouvidos pelo Observador não temem que a fé dos portugueses seja abalada por um ano sem manifestações de piedade popular. “Não tenho dúvida absolutamente nenhuma de que os portugueses se saberão adaptar”, confirma D. Jorge Ortiga. “A Semana Santa em Braga, por exemplo, foi vivida com outra profundidade. Agora em relação às festas populares… Eu estou numa região em que as festas aos santos se multiplicam todos os domingos. Se tivermos de pedir aos cristãos que, este ano, haja um constrangimento, pois assim será. De certeza que nos saberemos adaptar”, diz o arcebispo de Braga.

"Não tenho dúvida absolutamente nenhuma de que os portugueses se saberão adaptar"
D. Jorge Ortiga, arcebispo de Braga

Já o bispo de Angra está convencido de que a fé e a piedade popular dos portugueses sairão “ainda mais fortalecidas” depois deste período. “O povo português tem tido uma manifestação exemplar nesse sentido, tem acatado com toda a normalidade as restrições que são impostas, tem de alguma maneira quase exigido que isso se faça. O que temos estado a fazer pela internet e pela televisão tem sido muito acatado, as pessoas têm acolhido muito bem. Penso que os nossos sacerdotes têm tido um comportamento de bons pastores ao estarem a proporcionar os meios sem pôr em causa a saúde pública.”

“A fé é sempre algo que envolve transpor todas as dificuldades e fica ainda mais fortalecida depois disto”, explica D. João Lavrador. “A piedade popular está muito enraizada. Não é ligada à institucionalidade da prática religiosa, e por isso sinto que vai sair ainda mais fortalecida.”

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