Marcelo Rebelo de Sousa está desconfortável com a falta de um plano concreto para preparar o desconfinamento pós-Páscoa. Na última renovação do estado de emergência, o Presidente da República tinha exigido ao Governo que começasse a estudar, com critérios palpáveis e um calendário claro, a próxima fase de combate à pandemia. No entanto, o pedido parece ter caído em saco roto e os sinais de desagrado de Belém relativamente a São Bento parecem cada vez mais evidentes.
Como vem sendo habitual, Marcelo Rebelo de Sousa começou esta terça-feira a ouvir os vários partidos antes de decretar o novo estado de emergência. Nessas audiências, sabe o Observador, o Presidente da República demonstrou algum agastamento com a aparente falta de um rumo para o regresso à normalidade possível. Marcelo não quer acelerar nada, mas quer saber para onde vai o país e dar previsibilidade aos portugueses. Se António Costa tem um plano, não o partilhou com o Chefe de Estado. E Marcelo acusou o toque.
A 11 de fevereiro, no dia em que falou ao país sobre o estado de emergência que agora vigora, Marcelo Rebelo de Sousa tinha sido claro: “Temos de, durante essas semanas, ir estudando como, depois da Páscoa, evitar que qualquer abertura seja um novo intervalo entre duas vagas.”
No dia anterior, no decreto que define os termos do estado de emergência, o Presidente tinha feito uma exigência clara ao executivo: “Deverá ser definido um plano faseado de reabertura [do ensino] com base em critérios objetivos e respeitando os desígnios de saúde pública.”
Os avisos não deixavam margem para segundas interpretações. O confinamento geral não podia servir ‘apenas’ para salvar vidas e ganhar tempo; era preciso que servisse para preparar também o futuro.
Na declaração ao país, o Presidente da República deixava ainda outra ideia complementar: “Quero dar-vos esperança, porque sem esperança o dia a dia de sacrifício perde todo o sentido“. A questão é que o Governo tem resistido em mostrar quando e em que termos o país vai começar a desconfinar.
A não existência desse plano — pelo menos, não é público — já tinha ficado evidente na reunião de segunda-feira, no Infarmed. António Costa tinha pedido aos especialistas que consensualizassem um conjunto de critérios que permitissem avançar com segurança para um desconfinamento gradual a partir da Páscoa e linhas vermelhas que obrigassem o país a voltar a confinar assim a situação pandémica voltasse a tornar-se insustentável.
Testagem preocupa
Nada disto aconteceu e Marcelo terá lamentado junto dos partidos que ouviu esta terça-feira a ausência de sinais nesse sentido. Não só não há critérios consensuais, como um calendário, como também não parecem existir instrumentos fundamentais para preparar esse mesmo desconfinamento: uma estratégia de testagem e rastreio em massa.
Essa tinha sido, aliás, outra exigência de Marcelo a 11 de fevereiro. “Temos de melhorar o rastreio de contaminados, com mais testes, mas, sobretudo, com mais operacionais, e ter presente o desafio constante da vacinação possível. Sem essas peças-chave não haverá um desconfinamento bem-sucedido”, sublinhou o Presidente da República.
Ora, se a vacinação está atrasada por motivos a que o Governo português pode ser alheio, os outros dois critérios dependem única e exclusivamente do Executivo socialista. E nessas duas frentes os sinais são pouco animadores: o número de testes realizados baixou e a falta de estratégia para o rastreio em massa continua a preocupar Marcelo.
O Presidente da República terá mesmo manifestado aos seus interlocutores que nenhum desconfinamento, mais ou menos gradual, será possível sem que nestas três frentes — vacinação, rastreio e testagem — existam os instrumentos certos.
Apoios não estão a chegar
Outra das preocupações manifestadas por Marcelo teve que ver com a dificuldade em fazer chegar os apoios às empresas, instituições e pessoas em dificuldades. O Presidente da República terá sinalizado que sem um esforço para agilizar estes será difícil aguentar muito mais tempo com a economia parada.
Mais uma vez, esta preocupação não é uma novidade no discurso de Marcelo: “Temos de continuar a apoiar e apoiar depressa os que, na economia e na sociedade, sofrem com estas semanas de sacrifício”, pediu o Presidente da República a 11 de fevereiro.
É neste contexto que Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa se preparam para fixar um novo estado de emergência. O Presidente da República estranhou o facto de António Costa não ter falado na sessão do Infarmed e não ter dado qualquer sinal do que se preparava para fazer.
Quanto à substância do decreto de emergência — no último Marcelo tinha pedido para que o Governo avançasse com medidas anti-ruído e Costa nada fez — vai ser rigorosamente o mesmo.
Partidos também exigem mais
Depois das audiências com o Presidente da República, os vários partidos foram repetindo as críticas que se vêm fazendo à estratégia do Governo: é preciso planear mais e planear melhor; se Marcelo não muda o decreto, se o Governo não aponta o caminho, o sentido de votação será o mesmo.
Jerónimo de Sousa deixou isso mesmo claro: “O confinamento, sendo um exceção, não pode ser uma solução com abrangência maior”. É preciso mais e são precisas “medidas atempadas” e com caráter de urgência que tenham em conta o plano social.
Na reunião com Marcelo, o secretário-geral comunista exigiu o alargamento dos testes, dos rastreios e da vacinação, instrumentos “indissociáveis para dar combate à epidemia, dar resposta à abertura das escolas, responder às questões dramáticas de empresas”. Sobre o regresso do ensino presencial, Jerónimo de Sousa espera uma “abertura estendida e faseada que tenha uma resposta urgente para que não se perca mais um período”.
Francisco Rodrigues dos Santos, do CDS, também aproveitou para exigir do “Governo a definição de indicadores objetivos que permitam o desconfinamento”. O líder democrata-cristão acredita que o Governo “deve começar a planear um confinamento à semelhança do que fez o Governo inglês” e propôs a existência de um “calendário transparente sobre a evolução das regras de saúde pública nos próximos três meses”.
“Não é aceitável que o Governo cometa constantemente os mesmos erros, que ande a correr atrás do prejuízo e a reboque dos acontecimentos, não é aceitável que o país ande de confinamento em confinamento porque o Governo é incapaz de planear o desconfinamento com rigor e clareza”, acusou Francisco Rodrigues dos Santos.
Para o CDS, o desconfinamento deve começar pelas escolas e pelos alunos mais novos, mas para os estudantes que terão de manter o ensino à distância é preciso cumprir a “promessa do Governo” de haver um computador para todos os alunos.
Mais cauteloso, André Silva, do PAN, defendeu que não é ainda “o momento de falar em saída do confinamento”, porque, alegou o deputado, os indicadores de hospitalizações ainda não permitem esse aliviar de medidas.
O porta-voz do partido pediu ainda que os “cerca de 10 mil alunos das mais variadas áreas de saúde sejam equiparados aos profissionais de saúde” para que sejam vacinados, uma vez que estão a exercer funções na primeira linha.
Os Verdes, pela voz de Mariana Silva, insistiram na ideia de que “o estado de emergência não tem qualquer utilidade” porque não serve o essencial: “Planear para o futuro”, disse. A deputada lamentou “nada saber” sobre o planeamento para o desconfinamento e repetiu o apelo de outras bancadas: “Já devia estar a ser feito. Aguardamos as próximas informações que possam vir do Governo.”
João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, apontou duras críticas ao Governo e aso especialistas que o assessoram. “Ontem, as intervenções [no Infarmed] eram no sentido de não dar dados suficientes para mudar seja o que for e para não dar perspetivas do que poderá ser um desconfinamento. Anda tudo a tentar a adormecer porque já tomaram a decisão política de só desconfinar no final de março. Parece que o país adormeceu, parece que não há urgência”, disse.
André Ventura foi mais longe e exigiu ao Governo que apresente “perante o Presidente da República ou da Assembleia da República a dizer qual o seu plano”. “O Governo tem de ter um plano”, exigiu o líder do Chega.
O deputado entende que o Governo comete um “erro monumental” ao não permitir uma ligeira “flexibilização” das regras e que o prolongamento do confinamento vai deixar um país numa situação irreversível. “Vai chegar o momento em que vamos começar a ter falta de comida na mesa, dinheiro na carteiro, as economias e as empresas vão fechar por falta de tesouraria e aí vamos dizer ‘vamos abrir’. Vamos abrir para quê, para quem? Acho que este discurso não é responsável”, atirou.
Ventura entende que as escolas devem abrir e apelou ao Governo que dê “alguma coisa” aos portugueses porque “os pais não podem estar em casa sem saber o que vai acontecer”.