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Esta quarta-feira realizou-se a 10ª e última reunião da elite política com especialistas no Infarmed. "Precisava de ser descontinuada", disse Marcelo
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Esta quarta-feira realizou-se a 10ª e última reunião da elite política com especialistas no Infarmed. "Precisava de ser descontinuada", disse Marcelo

MÁRIO CRUZ/LUSA

Esta quarta-feira realizou-se a 10ª e última reunião da elite política com especialistas no Infarmed. "Precisava de ser descontinuada", disse Marcelo

MÁRIO CRUZ/LUSA

Marcelo e Costa ficaram em silêncio, mas decidiram entre si durante a reunião que aquela seria a última

Participantes da reunião não foram informados que seria a última. Marcelo e Costa, articulados, não intervieram. À saída, Marcelo deu números mais positivos que os que foram apresentados na reunião.

Para grandes males, grandes remédios. Depois da irritação do primeiro-ministro com a ministra da Saúde na última reunião do Infarmed, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa ficaram em silêncio no encontro da elite política com especialistas. Foi mesmo a primeira vez que o Presidente da República não fez qualquer pergunta ou intervenção nesta reunião. Cá fora, Marcelo Rebelo de Sousa voltou a dar números mais favoráveis do que os apresentados lá dentro e falou de rankings que dependem de vários fatores, sem concretizar. Mas as notícias, dentro de portas, não foram boas. Depois de oito oradores e duas horas de maratona de powerpoints, aos quais o Observador teve acesso, o panorama não é famoso. Nos últimos 15 dias, numa lista de 11 países apresentados, Portugal é o segundo país com mais casos de Covid-19 por milhão de habitantes (495.87), só batido pela Suécia (1145.93).

Nessa mesma lista — retirada de um estudo da The London School of Hygiene & Tropical Medicine — foi feito pelos especialistas um ajuste tendo em conta a mortalidade, mas mesmo assim Portugal fica num preocupante quarto lugar (apenas atrás de Suécia, Reino Unido e França). Nas conclusões dos epidemiologistas, relatadas por várias fontes ouvidas pelo Observador e nos powerpoints da sessão, é verdade que há “uma estabilização de incidência desde o final de junho”, mas quase tudo o resto são más notícias, embora não dramáticas. Desde logo  há “um aumento de relevância de transmissão social em todo o país”. Os epidemiologistas registam também um “ligeiro aumento do número de óbitos” e uma “ligeira tendência de crescimento das hospitalizações”. São “ligeiros”, mas são aumentos.

O Presidente da República deu dados sobre o R  (o índice de contágio), que não correspondem ao que foi dito na reunião. Marcelo Rebelo de Sousa disse que o R nacional era de 0,8 e o de Lisboa e Vale do Tejo era de 0,7. A Presidência da República esclareceu posteriormente que se tinha tratado de um lapso. Segundo os especialistas, o R nacional está desde 22 de maio “acima de 1”, embora nos últimos dias se tenha ficado pelos 0,99.

O mesmo acontece na região de Lisboa e Vale do Tejo em que o R, em termos médios, “está acima de 1 desde 29 de abril”, embora nos últimos dias esteja ligeiramente abaixo de 1 (o,98). Olhando apenas para os últimos cinco dias de que há dados (de 1 a 5 de julho) é ainda mais baixo (0,97). Quanto a outras regiões — que não foram referidas pelo Presidente da República — nos últimos cinco dias de que há dados (de 1 a 5 de julho) o R na região do Alentejo é de 0,86 e no Algarve 0,77.

Participantes não foram informados que era a última reunião

À saída da reunião, Marcelo Rebelo de Sousa — que esteve uns segundos a conferenciar com António Costa antes de falar aos jornalistas — comunicou publicamente que aquela seria a última reunião. De acordo com um dos parceiros sociais presentes na reunião, não houve nenhum anúncio formal de que não haveria um próximo encontro: “No fim da pergunta do Chega, a ministra da Saúde agradeceu a presença de todos e deu a reunião por terminada”.

Mas a ideia de que esta seria a última reunião, apurou o Observador, já estava na cabeça de Marcelo Rebelo de Sousa há vários dias. Aliás, o Presidente da República já tinha admitido essa como a hipótese mais provável em conversas que manteve no Palácio de Belém. A porta ficou aberta quando Rui Rio veio criticar publicamente a eficácia destas reuniões, ganhou força quando foi notícia o episódio de irritação de Costa com a ministra das Saúde, e a frustração do primeiro-ministro com a falta de respostas dos especialistas para ajudar na tomada de decisões políticas. Marcelo e Costa estavam articulados, mas a decisão só ficou fechada no decorrer do encontro, porque era preciso ver se os epidemiologistas sugeriam fazer nova atualização da informação numa futura reunião.

Nesse caso, seria difícil ao poder político terminar com as reuniões, quando a pandemia ainda revela números preocupantes em Portugal. Mas essa sugestão nunca chegou, e Marcelo apareceu junto dos jornalistas com a notícia: “Parece sensato encerrar esta fase, de um modelo, que cumpriu a sua função, mas que agora tem de ser reajustado”.

A preocupação de “contenção” e os especialistas que são um “flop”

Um dirigente partidário ouvido pelo Observador disse que “houve preocupação de contenção” por parte dos especialistas que, no entender desta fonte presente na reunião, pareciam não estar a “contrariar os políticos”.  A mesma fonte disse que houve “mais oradores do que na última reunião”, mas que estes nunca se comprometeram. No lugar de Rita Sá Machado — que antes geria os trabalhos, mas que abandonou o cargo — estava agora Inês Fronteira, em representação da DGS.

Uma outra fonte presente na reunião disse, no entanto, ao Observador que “quem assistisse à reunião ia ter uma ótima ideia dos políticos portugueses e uma péssima ideia dos epidemiologistas”. Para esta fonte, que até é de uma cor política diferente da do governo, “é percetível a irritação do primeiro-ministro porque aqueles especialistas até podem ser uns génios, mas não dão uma única ideia, uma única sugestão. São um flop.

Para a mesma fonte “toda a gente já percebeu que as reuniões não têm grande utilidade”, justificando desta forma a ausência de perguntas por parte de Marcelo e Costa aos especialistas. “Quando perguntam, a resposta que vem de lá não acrescenta nada, percebo que não perguntem”, conclui.

Não foi só António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa que não falaram. Aliás, o único participante a fazer uma pergunta aos especialistas foi o deputado único do Chega, André Ventura.

Estrangeiros estão três vezes mais expostos à infeção em Lisboa

Na reunião entre especialistas e responsáveis políticos foi feita uma caracterização demográfica das populações infetadas nas duas grandes áreas metropolitanas (Lisboa e Porto), que permite tirar pelo menos uma conclusão principal: nestas áreas, sobretudo em Lisboa, a Covid-19 está a disseminar-se com mais intensidade entre os estrangeiros (maioritariamente entre os africanos) do que entre os portugueses.

No caso da região da capital, e segundo um dos slides mostrados aos responsáveis políticos e parceiros sociais a que o Observador teve acesso, apesar de os estrangeiros representarem apenas 6,9% da população do distrito de Lisboa, estes representam 23,4% dos infetados com a Covid-19, uma percentagem mais de três vezes superior. Em termos absolutos, entre 6.927 pessoas infetadas, 1.618 tinham nacionalidade estrangeira.

Na distribuição por continentes, percebe-se que 13,9% dos infetados no distrito de Lisboa tem nacionalidade de um país africano, 6,2% de um país americano, 2,2% de um país asiático e 1,1% de um país europeu.

No distrito do Porto, o cenário é parecido — embora no último mês o número absoluto de casos de Covid-19 seja muito menor do que em Lisboa, o que pode dificultar a análise. Naquele distrito, os estrangeiros representam apenas 1,3% da população total, mas correspondem a 15,7% dos infetados.

No caso do Porto, porém, é o continente americano que lidera percentualmente a porção de infetados, com 9,4% dos doentes a terem origem naquele continente. Segue-se o continente africano (5,4% dos infetados), a Ásia (0,8%) e a Europa (0,2%).

Estes dados correspondem aos casos de Covid-19 detetados entre 1 de junho e 5 de julho, período em análise no estudo apresentado na reunião desta quarta-feira.

Transportes ferroviário não tem sido responsável por aumento das infeções

Tem sido muito criticada a aglomeração de pessoas devido aos transportes públicos estarem lotados, como são exemplo os comboios cheios na linha de Sintra. A equipa do epidemiologista Henrique de Barros apresentou, no entanto, um estudo que mostra que não existe uma relação entre os transportes ferroviários mais frequentados e os surtos ou infeções.

Este detalhe foi destacado pelo Presidente da República à saída da reunião:  “Não existe ligação entre transporte ferroviário e o surto pandémico”. Um dos participantes na reunião não ficou convencido com as explicações de Henrique de Barros: “Dá a sensação que é tudo um palpite, feito pela rama”. O próprio Henrique de Barros admitiu que será preciso um “estudo mais detalhado” para que esta conclusão possa ser tirada de forma absoluta.

Portugueses estão a infetar-se mais em contexto social do que no trabalho

Outra das conclusões retiradas das apresentações feitas esta quarta-feira pelos especialistas é a de que os portugueses se estão a contagiar mais em contexto social e menos em contexto laboral, invertendo-se a tendência registada há duas semanas.

Num dos gráficos apresentados aos responsáveis políticos esta manhã, é possível ver que 39% dos contágios aconteceram em casa — a coabitação continua a ser o maior fator de risco para o contágio com a Covid-19.

Contudo, em segundo lugar surge agora o contexto social, responsável por 23% dos contágios no país nas duas últimas semanas. Em terceiro lugar fica o contexto laboral, responsável por 18% das transmissões. Os lares de idosos (13%) e as unidades de saúde (2%) completam a lista.

Há duas semanas, a realidade era outra. O contexto laboral era o segundo maior fator de risco de contágio, um dado que foi inclusivamente apontado para contradizer a tese de que os grandes aglomerados de jovens nas ruas estavam a ser responsáveis pelo aumento do número de casos em Portugal.

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