António Costa demitiu-se, o chefe de Estado aceitou e os “próximos passos”, concordam todos, será Belém a definir. Marcelo Rebelo de Sousa ainda vai ouvir os partidos e o Conselho de Estado, mas o Presidente da República está inclinado a marcar eleições, o que, mesmo tendo em conta com os prazos constitucionais e o período festivo, não deverão acontecer antes da segunda metade de janeiro. As declarações do Presidente e os primeiros sinais — como convocar os conselheiros ao abrigo da dissolução da Assembleia da República — apontam para que o país vá a votos no início de 2024.

A Constituição (e a Lei Eleitoral) permite outras soluções, como esperar que o Orçamento do Estado seja aprovado (o que nem faria muito sentido politicamente) ou mesmo permitir ao PS indicar outro nome para primeiro-ministro e concluir a legislatura. Estes cenários são, no entanto, menos prováveis.

Convocação de eleições a breve prazo (mas nunca antes de janeiro)

O cenário mais provável — tendo em conta o histórico de declarações do Presidente da República — é que o chefe de Estado dissolva a Assembleia da República e convoque eleições na sequência da demissão do primeiro-ministro. Logo no discurso da tomada de posse, Marcelo Rebelo de Sousa avisou que a maioria que o PS alcançou era atribuída a um “partido, mas também a um homem“. Um homem que, dizia Marcelo a 30 de março de 2022, “fez questão de personalizar o voto”. E deixava o aviso: “Não será politicamente fácil que esse rosto, essa cara que venceu, de forma incontestável e notável, as eleições possa ser substituída por outra a meio do caminho.” Em coerência, terá de haver eleições em breve.

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Para esse processo, o chefe de Estado precisa de formalizar a demissão do primeiro-ministro. Numa nota oficial publicada no site oficial da Presidência República, Marcelo já diz que “aceitou” o pedido de demissão do primeiro-ministro. Mas a formalização desta demissão — através da publicação de decreto em Diário da República (como aconteceu com Sampaio e Guterres) — é essencial para o próximo passo: a dissolução da Assembleia da República.

O Presidente até já iniciou alguns dos procedimentos necessários para dissolver a Assembleia da República. Nessa mesma nota, Marcelo Rebelo de Sousa diz que, além dos partidos, convocou o Conselho de Estado ao abrigo do artigo da alínea a) do artigo 145º (que inclui “pronunciar-se sobre dissolução da Assembleia da República”) e a segunda metade da alínea e), que incide sobre “aconselhar o Presidente da República no exercício das suas funções, quando este lho solicitar.”

Após ouvir os partidos e o Conselho de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa pode então avançar para a dissolução da Assembleia da República. A partir do momento em que publicar o decreto de dissolução, o chefe de Estado tem, de acordo com a lei eleitoral, de marcar a data das eleições “com a antecedência mínima de 55 dias.

Como o Presidente da República só falará no dia 9 de novembro, isso significa que não poderiam existir eleições antes de dia 8 de janeiro (o domingo seguinte ao prazo de 55 dias, que se esgotaria a 2 de janeiro). Por se seguir imediatamente a um período festivo (Natal e Ano Novo), provavelmente as eleições seriam atiradas para os últimos fins-de-semana de janeiro. Há, porém, um outro prazo a cumprir: após a oficialização da dissolução, as eleições teriam de ocorrer 60 dias seguinte (a contar a partir de quinta-feira, o que levaria a 7 de janeiro).

O chefe de Estado pode, no entanto, mexer com os prazos adiando a publicação em Diário da República da aceitação da demissão do primeiro-ministro e/ou da dissolução da Assembleia da República. Dessa forma, sem beliscar os poderes constitucionais e a Lei Eleitoral, pode controlar a data das eleições.

Convocação de eleições, mas só após orçamento aprovado

O cenário de marcar eleições só depois de salvaguardar que há Orçamento do Estado para 2024 é pouco provável, mas ainda assim possível. Quando o Presidente publicar em Diário da República o decreto em que aceita a demissão, as propostas de lei caducam, o que significa que todo o OE para 2024 — que ainda está em fase de discussão na especialidade — cairia. A partir daí, o país começaria o ano de 2024 em duodécimos.

Para evitar este cenário, Marcelo Rebelo de Sousa teria de esperar que a proposta tivesse força de lei, o que adiaria em mais dois meses a demissão do primeiro-ministro, a dissolução da AR e, por consequência, as eleições.

Caso o decreto seja publicado em Diário da República, a única opção — também ela esdrúxula — seria o Presidente chamar o PS (“tendo em conta os resultados eleitorais”, como diz a Constituição) para indicar um outro primeiro-ministro. Esse novo primeiro-ministro (que podia ser qualquer figura indicada pelo PS) teria de aprovar um programa de Governo e iniciar um novo processo orçamental. Dessa forma, seria possível salvar o documento e só convocar as eleições depois de aprovado o Orçamento.

Teria um outro problema: assim que existisse outro Governo, esse Executivo iria aprovar um novo Orçamento. A opção é, assim, muito improvável.

Não convocação de eleições com PS a indicar novo líder

A solução foi testada uma vez e não correu bem: quando Durão Barroso se demitiu, o então Presidente da República Jorge Sampaio convidou o PSD a apresentar outro primeiro-ministro e os sociais-democratas indicaram Santana Lopes. Que durou pouco no cargo. Desta vez, Marcelo teria que ir contra as próprias palavras.

Ainda assim, como o PS tem uma maioria absoluta, numa leitura estrita da Constituição, o Presidente tem poder para convidar os socialistas a indicarem um outro primeiro-ministro e levar uma legislatura (que teria o apoio maioritário do Parlamento) até ao fim.

Haveria, desde logo, grandes problemas relativamente à forma como o PS ia chegar a esse nome, que não teria legitimidade democrática junto dos portugueses. Mesmo Santana Lopes, que em 2004 era o número dois indiscutível e gozava de grande popularidade no PSD, não conseguiu sobreviver em São Bento. No PS, tudo funciona de forma diferente e os tempos são outros.