Apresentação de recandidatura

Intervenção do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, na apresentação da sua recandidatura presidencial

A primeira palavra é para pedir desculpa pela exiguidade do lugar que é o retrato dos tempos de restrição que estamos a viver. A segunda, para explicar porquê aqui: porque foi aqui que esteve a sede da minha candidatura há cinco ano, porque foi aqui que lancei o livro da candidatura  e porque foi aqui eu passei ao longo destes cinco anos ao jantar quando era possível jantar e ao almoço, se bem que não almoço. A terceira palavra é para saudar todas as senhoras e senhores candidatos que já formularam desejo de concorrerem a esta eleição”

Sem antecipação, sem local definido mais do que três horas antes, numa pastelaria aberta de propósito para o momento em pleno recolhimento obrigatório. Mas nem por isso uma apresentação de candidatura sem holofotes ou sem ser pensada ao pormenor. Marcelo bem justificou a escolha da pastelaria Versailles, em Belém, como o sítio onde teve a “sede de candidatura há cinco anos” e porque foi ali que lançou “o livro da candidatura”. Até saiu da porta lateral do Palácio presidencial no seu próprio carro para ir estacionar no parque público da parte da frente. Até saiu do carro e foi a pé até à pastelaria e, apresentada a recandidatura, voltou ao carro sem seguranças, batedores ou assessores à volta. Mas a localização mesmo ali na esquina a 100 metros do Palácio de Belém não o deixava fazer a descolagem pretendida entre as funções presidenciais e o candidato. O que pareceu um momento exclusivamente pessoal, saído de um ímpeto, pouco pensado, modesto, sem floreados, foi afinal de uma simplicidade que deu… muito trabalho.

Há muito tempo que defendo que deve haver debates frente a frente com todos os candidatos e assim farei e por outro lado queria desejar a todos e a todas as maiores felicidades.

Depois de saudar os candidatos e ainda antes de dizer aos portugueses que seria recandidato quis logo deixar claro que quer fazer “frente a frente com todos os candidatos”. Com as regras da pandemia a restringirem de forma total os contactos de proximidade, as ações de rua do candidato dos afetos serão mais difíceis, pelo que Marcelo Rebelo de Sousa está preparado para apostar sobretudo em entrevistas e debates — na última candidatura, há cinco anos, também debateu com cada um dos principais adversários (Tino de Rans e Jorge Sequeira, Marisa Matias, Henrique Neto, Edgar Silva, Paulo Morais, Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém). Em julho, quando acabaram os debates quinzenais, Marcelo Rebelo de Sousa criticou a opção de PS e PSD de forma indireta: dizendo que, se fosse candidato, iria debater com todos os candidatos. Está gravado.

São três a palavras que tenho hoje para vos dizer, simples e diretas. São simples e diretas como sem numero de conversas que convosco tive ao longo dos últimos cinco ano em qualquer recanto de Portugal, cá dentro e lá fora. A minha primeira palavra é para vos dizer que sou candidato à Presidência da República porque temos uma pandemia a enfrentar, porque temos uma crise económica e social para vencer, porque temos uma oportunidade única de alem de vencer a crise mudar para melhor Portugal. Na economia, mas sobretudo no nosso dia a dia, reforçando a nossa coesão social e territorial. Combatendo a pobreza e a exclusão, promovendo o emprego, com investimento, crescimento e melhor distribuição da riqueza”.

Quando finalmente se virou para os portugueses, Marcelo usou uma das armas mais poderosas da sua Presidência, a proximidade. Lembra-lhe o “sem número de conversas” ao longo dos últimos cinco anos e promete com algum otimismo que está cá para enfrentar o momento de crise, convencido que esta será “uma oportunidade única” para o país. E isto para levar ao ponto seguinte.

Precisamos de o continuar a fazer com proximidade, descrispação, com pluralismo democrático, mas diálogo e convergência no essencial. Com um Presidente independente que não instabilize, antes estabilize. Que não divida, antes una. E que puxe sempre pelo que de melhor existe em Portugal”.

Um ano depois de ter tomado posse como Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa desdramatizava a crispação política num contexto diferente do de hoje. No Parlamento esquerda e direita (ainda de Passos Coelho) degladiavam-se em debates quinzenais tensos. Ainda não estava ultrapassada a tomada de poder pelo PS depois de umas legislativas em que a coligação PSD e CDS tinha tido mais votos e a “geringonça” movia-se entre muitas condições que a direita ia expondo incomodada. Agora, a “geringonça” já se desmantelou, o Bloco de Esquerda e o PS estão de costas voltadas e à direita cresce o extremo e Marcelo surge com a ideia de “descrispação” que assume como um papel seu, o promotor “de diálogo e convergência no essencial” e um Presidente que não instabiliza. Não foi despropositada esta escolha de palavras. De manhã, em entrevista ao Observador, a sua adversária nesta corrida, Ana Gomes, tinha-o atacado de forma evidente ao considerá-lo um “o maior instabilizador do Estado”. Marcelo tentava afastar de si essa ideia, convencendo os portugueses de que representa precisamente o contrário.

Porque não vou sair a meio de uma caminhada exigente e penosa, nem vou fugir às minhas responsabilidades, não vou trocar o que todos sabemos irem ser as adversidade e impopularidades de amanhã pelo comodismo pessoal e familiar de hoje. Porque tal como há cinco anos cumpro um dever de consciência”.

Que Marcelo encara este capítulo da sua vida como uma espécie de missão elevada pela sua formação católica, já não é segredo para ninguém. E ao contrário do que aconteceu no primeiro mandato, o caminho que se segue é de penas e sacrifícios que Marcelo, o crente, não repudia e acolhe como um “dever de consciência”. O que o candidato afirma aqui é que embora ele seja o mesmo, as circunstâncias mudaram de forma muito evidente, em resultado da pandemia do último ano, e dá a ideia que será esse mesmo caminho das pedras que o terá impelido a avançar nesta recandidatura.

Digo-vos isto só agora, anuncio-vos isto só hoje, porque quis promulgar as novas regras eleitorais antes de convocar a eleição, porque quis convocar a eleição como Presidente antes de avançar como cidadão e ainda e sobretudo porque perante o agravamento da pandemia no outono quis tomar decisões essenciais sobre o segundo estado de emergência, as suas renovações e a sua projeção até janeiro em tempos tão sensíveis como o Natal e o fim de ano como Presidente e não como candidato”.

O Parlamento aprovou no final de outubro o alargamento do voto em mobilidade e uniformizou as  normas sobre a realização de eleições e referendos e ainda criou o regime excecional e temporário de exercício de direito de voto antecipado para os eleitores que estejam em confinamento obrigatório, no âmbito da pandemia da doença COVID-19, em eleições e referendos a realizar no ano de 2021. Só depois da promulgação destas alterações que incluíam as eleições onde tencionava ser candidato e de marcada a data (24 de janeiro), uma competência do Presidente da República, é que Marcelo quis avançar a sua recandidatura. Isso além de arrumar a questão da renovação do estado de emergência. Todos atos presidenciais e sensíveis — ainda que em doses muito diferentes — em que queria, mais uma vez, separar as águas entre o Marcelo Presidente e o Marcelo recandidato.

A minha segunda palavra é para vos agradecer a compreensão e o apoio manifestados desde 2016. Sem eles teria sido mais difícil lidar com o esforço de saída do défice excessivo e a crise na banca em 2016. Com a tragédia dos fogos em 2017. Com a lentidão de tantos a entenderem os movimentos inorgânicos que irrompiam em 2018. Com o longuíssimo processo eleitoral iniciado nesse ano e concluído em 2019, em especial com a pandemia, a paragem económica e o desemprego, em 2020. Agradeço-vos, em especial, a compreensão e o apoio nos momentos mais sensíveis como foi o da minha iniciativa da primeira declaração do estado de emergência e as suas renovações. Ou em que não pude estar tão próximo com esperava e como eu desejava. Em que terei agido de menos ou de mais, no propósito ou de evitar confrontos dispensáveis.

Aqui o momento em que lança agradecimentos quando na verdade o que pretende é lembrar os momentos em que teve um papel relevante, como a tragédia dos fogos em 2017, quando fez uma dura mensagem ao país que teve como efeito quase direto a demissão da ministra da Administração Interna Constança Urbano de Sousa, já muito fragilizada pela catástrofe. Fala também do ano de 2018, marcado internacionalmente pela eleição de Bolsonaro e pela consolidação da Administração Trump empossada em 2017, que cabem neste chapéu de “movimentos inorgânicos” que Marcelo acusa “tantos” de terem demorado a compreender. Seguem-se ainda palavras que são o mais próximo de mea culpa que podemos encontrar nesta intervenção de candidatura ao dizer que “terá agido de menos ou de mais”, mas sem lamentos do candidato que diz que a intenção foi sempre “evitar confrontos dispensáveis”.

A terceira palavra, essa, uso-a para vos garantir que, quem avança para esta eleição, é exatamente o mesmo que avançou há cinco anos. Sou exatamente o mesmo. Orgulhosamente português e por isso, universalista. Convictamente católico e, por isso, dando primazia à dignidade da pessoa. Ecuménico e contrário a um Estado confessional. Assumidamente republicano e, por isso, avesso a nepotismos, clientelismos e corrupções.

O mundo mudou, mas Marcelo não. Garantia de estabilidade numa frase com tudo o que isso implica. No caso deste candidato quer dizer que se mantém o mesmo católico, mas respeitador de todas as religiões. E também ergue a bandeira do combate à corrupção, tão usada nesta corrida pelos seus adversário Ana Gomes e André Ventura. Marcelo Rebelo de Sousa avisa aqui que também entra nesse campeonato como “assumidamente republicano”.

Determinadamente social-democrata e, por isso, defensor da democracia e da liberdade. Toda ela. A pessoal, a política, a económica, a social, a cultural. Não da chamada democracia iliberal, que não é democrática, nem da liberdade que o não é plenamente por ser vivida na pobreza, na ignorância ou na dependência.

Sou exatamente o mesmo na visão sobre Portugal, plataforma entre culturas, civilizações, oceanos e continentes”.

Um piscar de olho ao seu PSD, o partido onde militou e que acompanhou desde a sua fundação. É um eleitorado que sabe não poder desperdiçar nesta corrida, por isso jura manter essa mesma militância política passados todos estes anos. Afastado da “democracia iliberal” associada a nomes da cena internacional como Jair Bolsonaro e, em Portugal, a André Ventura que sabe que é um adversário direto nestas eleições na disputa dos eleitores de direita desconfortáveis com o sistema político.

Da Constituição, que votei, com orgulho. Que ajudei a rever. Que jurei cumprir e fazer cumprir e que fiz cumprir, assim como dos poderes presidenciais e do seu exercício. Tudo o que disse e escrevi em 2015, mantém-se exatamente igual, como igual é o homem que o disse e o escreveu.

Marcelo não rejeita fazer parte desse sistema, onde se move desde o berço. E aqui assume a sua quota parte sem pudor, relembrando o tempo em que foi deputado constituinte e depois líder do PSD que promoveu a revisão constitucional de 1997. E com isto enfrenta precisamente quem é contra o modelo instalado e que propõe uma revisão constitucional que para “refundar o Estado”, mais uma vez: André Ventura.

Renovar a confiança em que conheceis, semana após semana, há pelo menos 20 anos e em especial nestes cinco anos em comum, feitos não apenas de palavras, mas também de atos ou escolher alguém diferente, com uma visão diferente daquela que vos propus e proponho para Portugal. Humildemente, aguardo o vosso veredicto. Tenho a certeza que, seja ele qual for

Posto tudo isto, a escolha que o candidato Marcelo propõe é simples: entre o conhecido e alguém diferente e, por isso mesmo, desconhecido. Mais uma vez a garantia de já se saber com o que se pode contra, face ao desconhecido num época de especial incerteza. O Presidente usa estes últimos cinco anos em Belém para argumentar a seu favor e também o pré-Belém, os anos e anos (entre 2000 e 2015) de comentador televisivo, na TVI, na RTP e depois novamente na TVI.