Twitter à parte, a primeira vez que Donald Trump falou do alegado ataque químico russo e das tropas sírias na cidade de Douma foi esta segunda-feira, numa reunião com o seu executivo. Das palavras do Presidente dos EUA, há uma citação essencial a retirar: “Estamos a estudar a situação com muita atenção, estamos reunidos com os militares e com toda a gente, e vamos tomar algumas decisões importantes ao longo das próximas 24 a 48 horas”.
.@POTUS Trump condemns the heinous attack on innocent Syrians with banned chemical weapons. #Syria pic.twitter.com/qiEahlL3Ah
— Department of State (@StateDept) April 9, 2018
Porém, tão ou mais importante do que as palavras de Donald Trump, era a mise en scène em torno dele. Do lado esquerdo, tinha Ryan Zinke, secretário do Interior; do lado direito, o secretário de Estado interino, John Sullivan. Mas quem era verdadeiramente importante ali, tanto que a pessoa responsável por filmar a declaração de Donald Trump fez por destacá-lo, era outra pessoa. Pelas suas costas, em segundo plano, o Presidente dos EUA tinha a mais recente aquisição da sua administração: John Bolton, o novo conselheiro para a Segurança Nacional dos EUA.
Esta não é a primeira vez que John Bolton é visto por estas andanças — provavelmente, era um dos políticos mais experientes naquela sala. Diplomata de profissão, com 69 anos, o currículo de John Bolton inclui passagens pelos governos dos últimos quatro republicanos no poder: Ronald Reagan, George H. W. Bush, George W. Bush e, desde esta segunda-feira, Donald Trump.
Apesar de ter começado por trabalhar na Procuradoria-Geral (durante o governo de Ronald Reagan e no de George H. W. Bush), foi no campo da diplomacia e da política externa dos EUA que se destacou. Foi aí que ganhou a alcunha de “falcão”, destacando-se dos demais elementos do neoconservadorismo norte-americano — não só pelo seu icónico bigode, mas sobretudo pelas suas intervenções mordazes. Adepto de mudanças de regime pela via da guerra, quando lhe perguntaram se era favorável a uma política de “pau e cenoura” para incentivar os inimigos dos EUA a mudarem, respondeu: “Eu não sou de cenouras”. Assim, só sobra o pau.
Durante os anos de George W. Bush, John Bolton foi subsecretário para o controlo das armas e política externa — cargo onde, a par do vice-Presidente Dick Cheney e o do secretário de Defesa Donald Rumsfeld, foi um dos maiores defensores da guerra no Iraque sob o pretexto de ali haver armas de destruição maciça — e mais tarde embaixador dos EUA na ONU — numa altura em que, a mãos com duas guerras, a atuação Washington D.C. estava longe de reunir consenso na comunidade internacional.
Nas Nações Unidas, John Bolton ganhou fama de intransigente e paradoxalmente pouco diplomático, algo que conquistou à força de soundbites em série. “O edifício das Nações Unidas em Nova Iorque tem 38 andares. Se desaparecessem dez andares hoje, não faria diferença alguma”, disse. “Se eu pudesse remodelar o Conselho de Segurança [das Nações Unidas], deixaria só um membro permanente: os EUA”, referiu noutra ocasião. E, para reforçar que a sua prioridade eram os EUA, os seus interesses e nada mais do que isso, disse claramente: “As Nações Unidas não existem. Existe uma comunidade internacional que ocasionalmente pode ser liderada pela única verdadeira potência que resta no mundo, que os EUA, quando isso servir os nossos interesses e quando conseguimos que os outros se entendam”.
John Bolton não teve vida longa nas Nações Unidas — o seu mandato terminou ao fim de um ano e quatro meses no cargo, a 31 de dezembro de 2006. A sua saída precipitou-se depois de John Bolton não ter conseguido a aprovação do Senado — desistiu depois de não reunir apoios suficientes no Senado, apesar de este ter uma maioria republicana —, tendo ficado pouco claro se John Bolton se demitiu ou se foi antes demitido por George W. Bush.
Desde então, John Bolton retirou-se para o setor privado — mas nunca se afastou dos corredores da política. Tornou-se investigador sénior de um dos mais prestigiados think-tanks conservadores dos EUA, o American Enterprise Institute; fundou o seu próprio grupo de recolha de fundos para candidatos republicanos, o John Bolton PAC; passou a ser um dos comentadores mais requisitados para falar de política internacional na Fox News.
Isso mesmo: John Bolton foi até há pouco tempo comentador no canal ao qual Donald Trump assiste horas a fio durante os seus dias de trabalho. E, durante esse tempo, tê-lo-á ouvido a defender a guerra no Iraque; a dizer que, para abordar a Coreia do Norte, os EUA devem fazer “ataques preventivos” contra o regime de Kim Jong-un; a tecer várias críticas ao acordo nuclear com o Irão (“Não é por pormos batom num porco que ele deixa de ser um porco”) e a sublinhar a necessidade de “mudar o regime” de Teerão; e a explicar que novos ataques aéreos dos EUA contra posições de Bashar al-Assad na Síria seriam uma decisão “ajustada”.
Isto é o que John Bolton tem dito no canal de televisão preferido de Donald Trump. Mas, agora que tem acesso direto ao ouvido do Presidente dos EUA, o que dirá o “falcão” sobre os seus inimigos? E que efeito terá tudo isto na política externa dos EUA nas três áreas mais cruciais, ou seja, a Síria, o Irão e a Coreia do Norte? O Observador contactou quatro especialistas em política externa dos EUA — e, embora estes divirjam no que toca à influência que atribuem a John Bolton no pensamento e ação de Donald Trump, nenhum deixa espaço para otimismo.
“É difícil entrar na cabeça de Donald Trump, mas acredito que Bolton vai ter uma forte influência em Donald Trump“, diz ao Observador William Keylor, professor na Frederick S. Pardee School of Global Studies da Universidade de Boston.
Uma das razões, explica, tem a ver com a localização dos vários centros de poder dos EUA — e como John Bolton está fisicamente mais perto de Donald Trump do que figuras como o secretário de Estado (Mike Pompeo, designado por Donald Trump para substituir Rex Tillerson, ainda precisa de aprovação do Senado para assumir o cargo) e do secretário de Defesa, Jim Mattis. “Ao contrário deles, John Bolton vai ter um escritório no mesmo edifício, e no mesmo andar, do que a sala oval. Pompeo e Mattis simplesmente não vão estar lá. Por isso, do ponto de vista físico, John Bolton tem um acesso mais direto ao Presidente, a geografia está do lado dele”, explica. “Isto, tendo em conta que Donald Trump já deu provas de que a sua atenção só chega para a última a falar com ele, pode ser tremendamente importante.”
Barbara Slavin, diretora do programa “Future of Iran Initiative” do think-tank Atlantic Council, aponta na direção oposta. “Donald Trump, com poucas exceções, é uma pessoa com ideias muito fixas. Eu não colocaria muito ênfase na filosofia de John Bolton até agora, porque Donald Trump vai continuar a tomar todas as decisões, como já demonstrou ser o caso”, diz ao Observador. “Além disso, John Bolton não é um tipo popular, mesmo dentro de círculos republicanos, por isso não devemos exagerar o seu poder e influência em Washington.”
Para Mintaro Oba, antigo diplomata especializado nas Coreias que trabalhou no Departamento de Estado de John Kerry, durante o último mandato de Barack Obama, a verdade estará no meio — e dentro das oportunidades que John Bolton tiver para convencer Donald Trump. “John Bolton tem demonstrado ao longo da sua carreira que que gosta de agradar a quem está acima dele, por isso se Donald Trump não tiver inclinado para uma ideia dele não acredito que ele tente convencê-lo a mudar-se, sob pena de complicar a situação”, diz. “Mas se ele vir que há uma oportunidade, seja porque Trump está indeciso ou mais virado para o que ele pensa, o mais certo é John Bolton tentar tirar o maior partido do lado mais bélico e agressivo de Trump.”
Até onde vai Trump (e Bolton) na Síria?
Neste momento, o tema mais urgente na agenda de Donald Trump (e de John Bolton) é a Síria. Depois do alegado ataque químico em Douma (cidade da região de Ghouta) que matou 42 pessoas — o regime sírio e os russos negam que este existiu, embora médicos ligados à Organização Mundial de Saúde tenham dado conta de cerca de 500 pacientes com sinais de exposição a químicos tóxicos — Donald Trump correu para o Twitter, onde disse que o “animal” Bashar al-Assad iria pagar “um preço alto”.
Esta quarta-feira, depois de dar o tal prazo de 24 a 48 horas para anunciar uma medida, Donald Trump voltou a utilizar aquela rede social para mandar uma mensagem à Rússia: “A Rússia prometeu abater todo e qualquer míssil disparado contra a Síria. Prepara-te, Rússia, porque eles vão chegar. Bons, novos e “inteligentes”! Vocês não deviam ser amigos de um animal que mata com gás, que mata o seu povo com gosto!”.
Russia vows to shoot down any and all missiles fired at Syria. Get ready Russia, because they will be coming, nice and new and “smart!” You shouldn’t be partners with a Gas Killing Animal who kills his people and enjoys it!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) April 11, 2018
Um dia depois, esta quinta-feira, Donald Trump voltou a sublinhar que um ataque dos EUA na Síria já não é uma questão de “se” mas sim de “quando”. “Eu nunca disse quando é que seria o ataque na Síria. Pode ser muito brevemente ou não! De qualquer das formas, durante a minha administração, os EUA fieram um excelente trabalho ao livrar o Estado Islâmico da região. Onde é que está o nosso ‘Obrigado, América?’?”, escreveu no Twitter, esta quinta-feira de manhã.
Never said when an attack on Syria would take place. Could be very soon or not so soon at all! In any event, the United States, under my Administration, has done a great job of ridding the region of ISIS. Where is our “Thank you America?”
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) April 12, 2018
Apesar da linguagem hiperbólica de Donald Trump, os analistas contactados pelo Observador colocam reservas quanto à dimensão e alcance de uma ofensiva dos EUA contra Bashar al-Assad. Em abril de 2017, depois de um ataque químico atribuído ao regime sírio que matou perto de 100 pessoas — a contagem das vítimas não é consensual. Donald Trump, que até então era contra uma intervenção dos EUA na Síria, decidiu atingir com mísseis a base aérea a partir do qual o ataque terá sido lançado. “Não há pior visão do que crianças mortas”, disse, para justificar a mudança de opinião.
Na semana passada, Donald Trump anunciou que tinha dado ordens aos generais para começarem a retirar as tropas norte-americanas destacadas na Síria, onde ajudaram a erradicar Estado Islâmico — objetivo que Donald Trump dá por atingido. Porém, com a promessa de uma resposta a Bashar al-Assad depois do ataque químico do passado sábado em Douma, Donald Trump deu a entender que tem várias opções na mesa. Qual é que vai escolher? E que papel é que John Bolton terá na decisão final?
Para Joshua Landis, diretor do Centro de Estudos do Médio Oriente da Universidade do Oklahoma e fundador do Syria Comment, Donald Trump não deverá ir além de uma ofensiva pontual e dirigida — algo que o Presidente dos EUA deu a entender ao dizer que os mísseis a usar seriam “inteligentes”.
“Ele vai matar uns quantos generais alauítas [grupo étnico xiita ao qual pertence Bashar al-Assad] de topo, pessoas que são importantes para Assad, o que fará com que ele se sinta prejudicado e vai levá-lo a pensar duas vezes antes de repetir a brincadeira”, diz ao Observador, numa entrevista telefónica. “De resto, duvido que as coisas avancem muito mais. Os EUA nunca tiveram uma verdadeira estratégia na Síria. Primeiro, acharam que a questão se resolvia atirando dinheiro para cima das milícias. Mas elas agora são um Frankenstein. E, agora, quem é que preferem? O Frankenstein ou Assad?”
Joshua Landis explica que aquilo que Donald Trump está a fazer não diverge da abordagem de Barack Obama. Em 2013, o ex-Presidente dos EUA esteve prestes a lançar um ataque militar contra Bashar al-Assad — mas recuou in extremis, depois de ter chegado a um acordo com a Rússia. Neste, Barack Obama garantiu que os EUA não entrariam na guerra na Síria — a não ser que fossem lançados ataques químicos contra civis, algo que, para aquele Presidente norte-americano, seria uma “linha vermelha”. O que Barack Obama não acautelou nesse acordo foi a possibilidade de esses ataques químicos serem feitos com cloro — material de fácil acesso e que pode ser asfixiante se usado em grandes quantidades. “A linha vermelha de Donald Trump é a linha vermelha de Barack Obama“, explica do fundador do Syria Comment. “Mas Obama não soube lidar com a questão dos ataques com cloro e, agora, Trump vai ter de fazer isso por ele.”
No entanto, para este analista é certo que Donald Trump não tem sobre a mesa a hipótese de tentar derrubar o ditador sírio. “Ele não quer saber de Assad para nada. Só porque 40 e tal pessoas morreram e isso foi filmado”, pergunta. “Os EUA não vão derrubar Assad. Não o fizeram durante os últimos sete anos, por isso não era agora, no espaço de um ano, que iam fazê-lo. Os EUA já não podem ganhar nada na Síria. O Irão, a Rússia e a Turquia já deram conta do recado.”
Também Barbara Slavin é da opinião que Donald Trump não vai “investir” na Síria. “Eu digo ‘investir’ porque é assim que ele olha para as coisas. Ele sabe que por mais dinheiro que gastasse numa ofensiva na Síria, o retorno a tirar de lá seria sempre muito diminuto. Ele é um empresário, é assim que ele pensa”, diz ao Observador. E, acrescenta, não será John Bolton a mudar as ideias de Donald Trump — pelo menos na Síria.
“John Bolton não quer saber de Direitos Humanos, muito menos se forem os de muçulmanos em sofrimento”, sublinha. William Keylor aponta no mesmo sentido. “A Síria não é um interesse vital dos EUA, se formos realistas. É um tema humanitário e Trump nunca ligou a temas humanitários. E John Bolton ainda menos.”
O próprio John Bolton tem desvalorizado a guerra na Síria. “O tema da Síria é, infelizmente, por mais trágico que possa ser, secundário no plano mais amplo da estratégia no Médio Oriente”, disse na Fox News em fevereiro deste ano.
Bolton aliou-se com marxistas no Irão (tudo para derrubar os aiatolas) e quer atacar a Coreia do Norte
O verdadeiro objetivo de John Bolton, e um dos temas mais recorrentes na sua linha de pensamento, é antes o maior aliado regional da Síria: o Irão. “Se é para resolvermos a maioria dos problemas com que lidamos [no Médio Oriente] o objetivo não deve ser livrarmo-nos de Assad na Síria, deve ser livrarmo-nos dos aiatolas em Teerão”, disse, também na Fox.
Desde que se tornou numa figura da política externa dos EUA, John Bolton é considerado um inimigo para o regime iraniano — ao ponto de se ter aliado ao Mujahedin-e Khalq, um grupo xiita que mistura islamismo, marxismo e nacionalismo, e que é um forte pilar da oposição aos aiatolas. Além disso, John Bolton opõe-se a qualquer esforço do regime de Teerão de se aproximar de potências do Ocidente, sendo o maior exemplo o acordo nuclear celebrado em 2015 e que Donald Trump prometeu rasgar, até agora sem efeito. John Bolton, agora, pode dar o empurrão final para que isso aconteça.
Porém, Barbara Slavin alerta para as desvantagens dessa medida. “Se os EUA saírem do acordo vão perdem toda a alavancagem que conseguiram até agora, porque a partir do momento em que estiverem de fora deixam de saber o que é que os iranianos estarão a fazer”, diz. “Além do mais, as sanções à economia iraniana tiveram efeitos tão negativos que Donald Trump já pode cantar vitória.”
William Keylor acredita que Donald Trump e John Bolton “estão na mesma página” no que toca ao Irão, mas o raio de ação dos EUA ainda não é claro — sobretudo, pelas consequências que podem resultar de um corte com o Irão. “O Irão e a Rússia são neste momento aliados, mais que não seja no apoio a Assad. Por isso, é legítimo perguntar: se houver oposição ao Irão, a seguir vem a Rússia?”, questiona.
O “Velho Senil” e o “Homem Foguete” vão falar. É uma vitória de Trump ou de Kim?
O terceiro ponto de interrogação de Donald Trump (e de John Bolton) é a Coreia do Norte. Depois de um crescendo de tensão entre os dois países — Kim Jong-un fez 17 testes para mísseis balísticos desde que Donald Trump tomou posse; o Presidente dos EUA respondeu não só em tweets e ameaças, mas também com o reforço da presença militar na península coreana —, Kim Jong-un endereçou um convite a Donald Trump para se sentarem e discutirem o futuro dos dois países no final de maio.
O anúncio das conversações entre Donald Trump e Kim Jong-un (que, um mês antes de se encontrar com o Presidente dos EUA, vai reunir-se com o seu homólogo sul-coreano) aconteceu a 9 de março. Porém, duas semanas depois, o Presidente dos EUA anunciou que tinha escolhido John Bolton para ocupar o lugar de conselheiro de Segurança Nacional. Trocado por miúdos: no mesmo mês em que parecia iniciar o degelo entre os EUA e a Coreia do Norte, Donald Trump nomeou para uma posição crucial o homem que defendeu “ataques preventivos” contra a Coreia do Norte.
Mintaro Oba reconhece que existe uma “contradição” entre um gesto e o outro — e descarta a hipótese de Donald Trump ter chamado John Bolton para a sua equipa de forma a assustar os norte-coreanos. “Ao longo da sua presidência, Trump não tem demonstrado que tem um pensamento estratégico. Ele é acima de tudo uma pessoa reativa, é alguém que pensa em termos de imagem e de vitórias políticas em vez de olhar para os temas com uma perspetiva holística”, refere.
Sobre a cimeira no final de maio — ainda não são conhecidos o local e a data específica do encontro —, Mintaro Oba guarda algumas dúvidas e receios quanto aos resultados daquilo que descreve como uma “oportunidade tática para os EUA”. “Preocupa-me o impacto que John Bolton pode ter em todo este processo. A minha maior preocupação é haver um ceticismo tal dentro da Casa Branca em torno da cimeira que Donald Trump se coíba de fazer da cimeira um sucesso”, explica o antigo diplomata, que elenca como condições para sucesso o “congelamento do programa nuclear da Coreia do Norte”. Mais do que isso, sublinha, é “provavelmente impossível”. “Kim Jong-un indexou a sua sobrevivência política às suas armas nucleares, por isso não deve abrir mão delas”, explica.
Afinal, porque é que Donald Trump escolheu John Bolton?
Por mais que o estilo de um e de outro possa levar a crer à primeira vista que a união entre Donald Trump e John Bolton é um casamento perfeito, essa ideia é desfeita quando o tema passa a ser o maior ponto do currículo do ex-embaixador dos EUA na ONU: a guerra no Iraque.
Apesar de ter sido inicialmente favorável à invasão ao país então liderado por Saddam Hussein, Donald Trump tem falado consistentemente contra aquela decisão da administração de George W. Bush, da qual John Bolton fazia parte. Para o atual Presidente, a guerra no Iraque foi um “erro grande e gordo”. No entanto, apesar dos frutos daquele conflito que ainda não pode ser dado por terminado, John Bolton continua a defender a posição de 2003. A 7 de março, reconheceu na Fox News que houve “erros”, mas sublinhou que “a ação militar para derrubar Saddam Hussein foi um sucesso estrondoso”.
Partindo deste exemplo, torna-se pouco claro porque Donald Trump escolheu John Bolton para seu conselheiro da Segurança Nacional — a posição mais alta do seu longo currículo político.
Para Joshua Landis, mais do que o conteúdo, é a forma de John Bolton que interessa a Donald Trump. “Mais do que ter ganhos no estrangeiro, Donald Trump parece querer tirar proveitos internos com a nomeação de John Bolton. Para a presidência dele, para os seus maiores contribuidores [Sheldon Adelson, magnata do negócio dos casinos e figura de proa do lóbi pró-Israel, terá pressionado Donald Trump a chamar John Bolton para a sua equipa] e a sua base eleitoral John Bolton é uma boa figura”, diz. “Ele é bom para estas pessoas porque consegue assustar os iranianos. É uma espécie de leão, mesmo que enjaulado.”
Há também quem refira que, depois da saída do anterior conselheiro para a Segurança Nacional, H. R. McMaster, Donald Trump ficou com ainda menos opções. “A cada dia que passa, Donald Trump tem cada vez menos escolha de pessoas que podem trabalhar para ele”, diz ao Observador Barbara Slavin. William Keylor concorda com a investigadora do Atlantic Council: “Ele já não tem alternativas. A maior parte dos especialistas de política externa republicanos já decidiram que não querem fazer parte desta administração e Bolton era um dos poucos que ainda estava na lista dos disponíveis”.
Depois, há a Fox News e o fator telegénico, onde John Bolton é forte. “O nosso Presidente adora pessoas que ficam bem na televisão, especialmente se essa televisão for a Fox News”, diz Barbara Slavin, referindo o exemplo de Larry Kudlow, também ele um comentador naquele canal, que Donald Trump nomeou para dirigir o Conselho Económico Nacional.
“Deduzo que o Presidente gosta das intervenções de John Bolton na Fox News”, concorda Mintaro Abo. Porém, acrescenta que esta qualidade pode tornar-se num defeito enorme aos olhos de Donald Trump. “John Bolton tem uma tendência mais do que comprovada para expressar as suas ideias de uma forma bastante forte. Isso é precisamente o que o Presidente faz e mais gosta de fazer. E é possível que ele não queira ser ofuscado”, diz.
Por isso, acrescenta Mintaro Abo, John Bolton pode juntar-se rapidamente à cada vez maior lista de nomes de pessoas despedidas por Donald Trump. “Essa é uma possibilidade bastante real”, sublinha.
Barbara Slavin, quedescreve John Bolton como um homem com “um grande ego”, diz que essa característica não deverá, numa fase inicial, sobrepor-se ao seu instinto de sobrevivência. “John Bolton é um homem inteligente, ele vai ter algum cuidado até perceber como é que este Presidente funciona e o que é esperado dele. Até lá, ele vai tentar controlar o seu famoso mau-feitio”, diz. No entanto, se não o fizer, Barbara Slavin garante que a porta da saída será facilmente aberta para John Bolton. “Como toda a gente que trabalha para Trump, ele terá de perceber que é Trump quem manda. E ninguém dura muito tempo ao pé de Trump. John Bolton pode ser apenas mais um. No final, só sobra Trump.”