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Lionel Messi sai do Barcelona 17 anos depois de se estrear na primeira equipa do Barcelona. Conquistou 34 troféus, incluindo quatro Ligas dos Campeões
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Lionel Messi sai do Barcelona 17 anos depois de se estrear na primeira equipa do Barcelona. Conquistou 34 troféus, incluindo quatro Ligas dos Campeões

Alejandro Garcia/EPA

Lionel Messi sai do Barcelona 17 anos depois de se estrear na primeira equipa do Barcelona. Conquistou 34 troféus, incluindo quatro Ligas dos Campeões

Alejandro Garcia/EPA

Messi teve golos, recordes e troféus de outro planeta, mas os custos salariais fizeram o Barça descer à Terra

As contas do Barcelona não davam para mais e assim chega ao fim uma das mais profícuas (e dispendiosas) relações do futebol mundial. Os números incríveis de Messi, entre troféus, recordes e salário.

Marcou 672 golos em 778 jogos oficiais, feitos em 17 épocas ao serviço da equipa principal do Barcelona. Tal como Cristiano Ronaldo, bateu inúmeros recordes que levarão anos ou mesmo décadas a serem ultrapassados. Venceu quatro Ligas dos Campeões, três Campeonatos do Mundo de Clubes e três Supertaças Europeias, ajudando ainda os catalães a vencer mais de um terço de todos os títulos de campeão espanhol que o clube conquistou ao longo da sua centenária história. Mas os números estratosféricos de Messi não vêm só de dentro de campo.

Em janeiro, o jornal El Mundo chocou o mundo do futebol com os detalhes do último contrato entre Messi e o Barcelona, naquele que é provavelmente o mais caro de sempre no desporto mundial — mais de 555 milhões de euros distribuídos por quatro anos.

São valores como este que ajudam a explicar a delicada situação financeira que o Barcelona enfrenta. Apesar de nenhum outro clube ter tantas receitas, a dívida monstruosa que o Barcelona acumulou — 1,1 mil milhões de euros — e as regras do fair play financeiro da liga espanhola tornaram mais difícil a manutenção de Messi. 17 anos depois da estreia oficial na equipa principal, e 21 após a chegada ao clube, é a hora do adeus, numa altura em que os catalães tiveram de fazer, finalmente, contas à vida.

As regras espanholas que impõem o fim de ciclo

No futebol moderno, são sobretudo os mais ricos que fazem a história. Mas entre os gigantes, por entre toda a opulência, há clubes que têm agora de lidar com o outro lado da moeda — a dívida, que financiou os golos. Em Espanha, o problema é particularmente preocupante, apesar da dimensão dos clubes em questão. O Real Madrid, por exemplo, tem uma dívida acumulada de 901 milhões de euros (para uma receita anual de 692 milhões em 2019/20). Mas o Barcelona mais ainda: deve, no total, 1,17 mil milhões de euros (para receitas de 715 milhões na época passada, menos 15% do que no pré-pandemia) — qualquer coisa como 10 vezes o valor que custou Antoine Griezman aos catalães. Deste montante, quase 500 milhões são dívida líquida. E a pandemia não veio ajudar, gerando prejuízos de 97 milhões na época passada (pelo impacto nas receitas de bilheteira, merchandising e direitos televisivos — e apesar dos cortes salariais e de pessoal).t

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Esta é uma questão que deixa um enorme ponto de interrogação sobre o impacto que terá desportivamente essa alavancagem. No caso do Barcelona, já com Messi não estava fácil, depois de dois anos em que só conseguiu vencer uma taça de Espanha. A época passada foi, aliás, a primeira em que os catalães não ganharam nada desde 2007/08.

epa08631128 View of a huge banner depicting FC Barcelona's Argentine forward Lionel Messi in Barcelona, Spain, 28 August 2020. Argentinian forward Lionel Messi, who announced his decision to leave FC Barcelona by sending a certified letter to the club, held talks with Manchester City manager Pep Guardiola, media reports claimed on 27 April 2020.  EPA/ALEJANDRO GARCIA

Em agosto de 2020, Messi anunciou a decisão de sair do Barcelona, enviando uma carta ao clube. Acabaria por ficar mais um ano

ALEJANDRO GARCIA/EPA

Cercados pelas regras de fair play financeiro do campeonato espanhol, o Barcelona, como o Real Madrid, veem-se obrigados a puxar o travão de mão. Além das regras impostas pela UEFA, que implicam, para todos os clubes europeus, garantirem um equilíbrio entre receitas e despesas, a La Liga impõe um rácio salarial de 4 para 1. Ou seja, se um clube como o Barcelona quiser pagar 25 milhões de euros em salários de novos contratos, teria de reduzir 100 milhões nos salários existentes. E é por isso que o clube catalão tem andado num corrupio para colocar alguns dos seus jogadores noutros clubes (entre os quais o português Trincão, que emprestou esta época ao Wolverhampton).

“É muita redução, a direção está a trabalhar em saídas para libertar massa salarial e chegámos a acordo com alguns jogadores, mas com outros não é fácil. Há contratos em vigor, jogadores que já baixaram salário, que já viram a sua situação reestruturada”, disse Joan Laporta, presidente do Barcelona, em conferência de imprensa.

A situação é tal que o limite imposto é ultrapassado “mesmo sem o contrato de Messi”, embora tenham chegado entretanto à equipa avançados conceituados, como Aguero e Depay (que Laporta diz terem salários mais equilibrados).

Para justificar a despedida do astro argentino, o presidente do Barcelona deixa claro o que significaria continuar a depender de Messi para conquistar títulos: “Teria de hipotecar os direitos audiovisuais do clube durante meio século”, revelou Joan Laporta. “Não estou disposto a fazer isso. Temos uma instituição com 122 anos de história, que está acima dos jogadores, mesmo do melhor jogador do mundo. Agradecemos-lhe eternamente, mas o clube está acima de tudo”.

Laporta explica saída de Messi: “O Barcelona está acima do melhor jogador do mundo, não vou hipotecar o clube por ninguém”

Laporta, que está aos comandos do clube na sequência da demissão de Josep Maria Bartomeu, em outubro, atirou-se à anterior direção, afirmando que a gestão foi “calamitosa”, e que “os números revelados pela auditoria são muito piores” do se pensava. No caso da massa salarial, “representa 110% das receitas do clube”, bem acima da recomendação da UEFA.

A autoridade do futebol europeu considera que por cada 100 euros de receitas operacionais, sem contar com transferências de jogadores, os salários pagos pelos clubes devem representar apenas 70 euros no máximo. No Barcelona, são 110.

Apesar de ser apenas uma recomendação, que não implica uma intervenção da UEFA — ao contrário das regras do break-even ou das dívidas em atraso — este é um indicador muito relevante para a indústria do futebol. E mostra bem o esforço que o Barcelona fazia para tentar ombrear com os gigantes ingleses (que, desde a época 2018-2019, tiveram quatro equipas diferentes em finais da Liga dos Campeões — na época passada defrontaram-se Manchester City e Chelsea, e há três anos Tottenham e Liverpool), e ainda com Bayern, PSG ou Juventus.

Uma estrela de outro planeta com salário a condizer

Quão elevado era o ordenado de Messi? Se não é o contrato mais caro do desporto, como avançaram vários jornais, estará disso muito próximo, pelo que se conhece. E é o suficiente para que o El Mundo, que revelou os detalhes do documento de 30 páginas no final de janeiro, o considerasse como “faraónico” e como estando a “arruinar o Barça”.

Messi jogou 90 minutos que custaram 23.850 euros. Fez o 650.º golo, de livre direto. Segue-se a guerra jurídica (não é só contra o El Mundo)

Estão em causa 555.237.619 euros (conforme detalhou o jornal em letras garrafais na primeira página), pagos desde 2017. Ou seja, cerca de 138 milhões de euros por época, entre valores fixos, variáveis e direitos de imagem. Estão ainda incluídos 115 milhões apenas pela renovação há quatro anos e outros 78 milhões como prémio por ter sido fiel ao Barcelona todos estes anos.

Tendo em conta todos os impostos que terão sido pagos pelo jogador neste período, Messi recebeu 297 milhões de euros líquidos, ou cerca de 814 mil euros por dia. Em janeiro, 92% desse valor já tinha entrado na conta bancária do argentino.

Para que haja uma maior compreensão do que significa este salário de outro planeta, convém convertê-lo para valores terráqueos: assumindo que uma jornada de trabalho tem 8 horas, Messi ganhava numa só hora (em valores líquidos) o que oito trabalhadores espanhóis com salário mínimo arrecadavam, em conjunto, ao longo de todo o ano (o salário mínimo rondava, em 2019, os 13 mil euros/ano, face a um salário médio bruto no país de 24 mil euros). Ou, de outro prisma, a estrela do Barcelona ganhava em oito minutos o que um desses espanhóis arrecada no ano inteiro.

814000

Quanto ganhou Messi (líquidos) por dia nos últimos quatro anos

102000

Quanto ganhou Messi (líquidos) por hora (jornada de 8 horas) desde 2017/2018

1695

Quanto ganhou Messi (líquidos) por minuto desde 2017/2018

Os recordes de Messi não saíram de graça

É certo que o contributo de Messi para o Barcelona foi muito maior do que os golos ou assistências — pela qualidade ímpar que tem dentro de campo, pelos troféus que ajudou a conquistar ou pelas receitas extraordinárias que impulsionou, seja em patrocínios, merchandising, direitos televisivos ou receita com Liga dos Campeões —, mas é nos golos que fez ou em que assistiu que deixa a sua profunda marca, batendo, tal como Cristiano Ronaldo, sucessivos recordes.

Um dos mais importantes foi alcançado já em 2014, quando superou Telmo Zarra como o melhor marcador de sempre da liga espanhola. O recorde, de 251 golos, aguentava-se desde a década de 50. Só que, desde então, foi completamente pulverizado pelo jogador argentino, que acrescentou mais 223 golos até ao final da sua 17ª época ao serviço do Barcelona, para um total de 474.

Ao contrário da Liga dos Campeões, em que é Ronaldo quem lidera por 14 golos, na liga espanhola Messi leva 163 golos de avanço sobre o português (que conseguiu o segundo melhor registo de sempre em 9 épocas de La Liga). Messi fica ainda como um nome maior dos clássicos contra o Real Madrid, porque ninguém antes tinha marcado tantas vezes ao rival — 26 vezes.

O argentino foi o melhor marcador do campeonato espanhol por oito ocasiões e da Liga dos Campeões outras seis vezes (uma delas com os mesmos números de Ronaldo e Neymar). Tal como Ryan Giggs tinha feito pelo Manchester United, conseguiu fazê-lo em 16 épocas. No caso de Messi, sem parar desde 2005-06.

Em 2011-12, Messi deixou outro recorde difícil de bater na Europa: 73 golos numa só época em todas as competições. Noutras cinco épocas, passou os 50 golos. E noutras quatro os 40 golos.

Outro feito gigante foi alcançado o ano passado, quando Messi se tornou no jogador com mais golos por um só clube. Os 672 golos que fez entre Liga Espanhola (474), Taça de Espanha (56), Supertaça (14), Liga dos Campeões (120), Mundial de Clubes (5) e Supertaça Europeia (3) superam o registo de Pelé pelo Santos (643).

Ronaldo e Messi marcaram uma era na liga espanhola

AFP/Getty Images

Só que, para lá dos méritos de Messi dentro de campo, e das receitas que proporcionou ao Barcelona, todos aqueles golos, tal como as assistências que fez e os momentos mágicos que proporcionou aos adeptos, custam dinheiro.

Tendo em conta as quatro épocas do último contrato, que significaram cerca de 139 milhões de euros por ano para o Barcelona, os 165 golos marcados neste período pelo argentino (38 em 2020/21; 31 em 2019/20; 51 em 2018/19; e 45 em 2017/18) tiveram um custo unitário de 840 mil euros.

Se, no entanto, juntarmos os outros golos em que teve participação direta, ou seja, 83 assistências (14+27+22+20), esse valor baixa para cerca de meio milhão de euros (559 mil).

165

Golos marcados por Messi no conjunto das útimas quatro épocas

83

Assistências para golo feitas por Messi no conjunto das útimas quatro épocas

559000

"Custo" para o Barcelona de cada golo ou assistência feitos por Messi nas últimas quatro épocas

A sala de troféus do Barcelona nunca mais foi a mesma

Estreava-se Messi pela equipa principal do Barcelona, em 2004-05, quando Ronaldinho e Samuel Eto eram as grandes referências ofensivas da equipa. Tinham apoio de Xavi e Deco (acabado de chegar do FC Porto) e havia um outro miúdo de 21 anos, Andrés Iniesta, a ganhar cada vez mais espaço.

A terminar essa época, Messi, de apenas 17 anos, deu um dos primeiros grandes sinais do que poderiam esperar os adeptos nas épocas seguintes. Com o Barcelona a vencer o Albacete por 1-0 para a liga espanhola, a promessa argentina entrava aos 88 minutos para substituir o goleador Samuel Eto (também em ano de estreia no clube), na nona oportunidade concedida por Frank Rijkaard (num total de 236 minutos ao longo da época).

A jogada começa com Deco a picar a bola ainda no meio campo. Messi domina de cabeça e entrega a Ronaldinho Gaúcho — que seria o melhor do mundo desse ano. O brasileiro volta a picar, sobre a defesa, e o argentino, com a bola a saltitar, faz um chapéu ao guarda-redes. Foi apenas a segunda oportunidade que teve no jogo, dois minutos após entrar, sendo que na primeira também marcou, mas o golo foi anulado por fora de jogo. Não havia então qualquer dúvida sobre o fenómeno que começava a ganhar forma. Era o início de uma nova era no Barcelona.

Esse foi o primeiro de 672 golos oficiais que Messi marcaria pelo clube, fora tudo o resto que deu à equipa catalã. Saíram caros esses golos? Sim, mas o museu está cheio, com mais 34 troféus, incluindo quatro Ligas dos Campeões (em cinco de toda a história do clube), três Campeonatos do Mundo de Clubes e três Supertaças Europeias. A nível nacional, arrebatou ainda 10 ligas espanholas (mais de um terço dos 26 campeonatos conquistados pelo Barcelona), sete taças de Espanha e outras tantas Supertaças.

Afinal, uma eternidade pode durar 20 anos. Sim, Messi deixou o Barcelona (com números, lances e golos que marcam uma era)

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