O investimento do Metropolitano de Lisboa no ano passado ficou a menos de metade do previsto, com uma taxa de execução de 42,8%. Foram investidos 90,1 milhões de euros dos 210 milhões de euros previstos. Mas o uso de fundos PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) nos dois projetos de expansão da rede foi especialmente reduzido e muito longe desses níveis de execução.
O parecer do conselho fiscal da empresa pública de transportes salienta “a baixa taxa de execução dos investimentos com recurso ao financiamento do PRR (0,5 milhões de euros), face ao orçamentado (66,2 milhões de euros)”. Traduzido para percentagem, corresponde a menos de 1%. Ou seja, na prática, nada do que era para fazer no ano passado com estes fundos foi feito.
Entre os motivos invocados pela empresa estão atrasos nos projetos e contratação, cujas causas nem sempre estão identificadas. Há também casos de litigância com concorrentes que atrasaram concursos e adjudicações e processos que se revelam muito mais complicados e morosos do que o estimado — por exemplo, expropriações.
Será “materialmente impossível” expandir metro de Lisboa para Alcântara no prazo
As verbas do PRR iam financiar o arranque dos dois grandes projetos de expansão da rede do Metro. Tanto o prolongamento da linha Vermelha (ligação de São Sebastião a Alcântara), como o metro ligeiro de superfície Loures/Odivelas (também conhecida como a linha violeta) registaram taxas de execução residuais face ao plano orçamental — menos 99% e menos 99,4%, respetivamente. O resultado foi estes dois investimentos fazerem parte da lista vermelha de projetos críticos assinalados pela comissão de acompanhamento do PRR.
O relatório de julho desta comissão identifica a “impossibilidade de cumprimento do prazo pela Estrutura de Missão Recuperar Portugal” para o caso da linha vermelha que exige uma “intervenção rápida” de forma a antecipar junto da Comissão Europeia “soluções que mitiguem a situação”. No caso da linha violeta, a entidade salienta que nem sequer foram lançados concursos, não obstante ter uma visão mais otimista na recuperação do calendário por ser uma obra de superfície.
Governo remete eventual reprogramação para 2025
Face a “atrasos irrecuperáveis” na expansão do Metro, a associação ambientalista Zero propôs a reprogramação imediata dos atribuídos à expansão do Metro de Lisboa e um faseamento que divida os projetos em duas fases, de forma a que a primeira ainda seja executada em data compatível com o PRR. E sugere que se corrija o que a associação aponta como problemas destes projetos na parte que toca à articulação com a atual rede (ferroviária).
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“Propõe-se que seja avaliada seriamente, com a maior brevidade possível, a possibilidade de a primeira fase do prolongamento da linha vermelha ser realizada apenas entre São Sebastião e a estação ferroviária de Campolide (a extensão prevê estações nas Amoreiras, Campo de Ourique e Infante Santo)”. A proposta da Zero prevê uma estação para servir o alto de Campolide, construída a meia da encosta e ligada à estação de comboio através de meios mecânicos, o que iria aliviar a pressão na linha de cintura e “transformar a linha vermelha numa segunda circular ferroviária”.
Para a linha violeta, a Zero sugere que o projeto de execução incida apenas sobre o troço entre Santo António dos Cavaleiros e a estação atual de Odivelas, “promovendo um verdadeiro interface com a linha Amarela”. E aponta ainda para um “Plano B” que permita usar o financiamento previsto para as obras atrasadas do Metro na substituição de autocarros a gasóleo por elétricos. Para este projeto estão previstos 390 milhões de euros do PRR, incluindo para o material circulante.
Mas, em resposta ao Observador, o Ministério da Coesão remete uma eventual reprogramação apenas para 2025. “O Governo, em articulação com todas as entidades envolvidas, está a acompanhar de perto a situação e evolução dos vários investimentos do PRR. A substituição de investimentos que se mostrem impossíveis de concretizar dentro do prazo é um cenário possível, mas é ainda prematuro falar concretamente sobre que projetos ou de que forma será feita esta reprogramação, que deverá acontecer no próximo ano”.
O Metro de Lisboa não respondeu às perguntas do Observador até à publicação do artigo. Mas no documento de contas anual reconhecia que “a baixa execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) verificada em 2023 enfrenta desafios devido à reduzida capacidade de implementação, podendo comprometer os investimentos e ações planeadas de impulsionamento da economia e da promoção do desenvolvimento social.”
Conhecido como bazuca, o PRR foi aprovado pela Comissão Europeia como um programa extraordinário para relançar as economias europeias no rescaldo da pandemia. Mas, os efeitos pós-pandémicos têm sido frequentemente indicados como dos maiores obstáculos à realização destes investimentos que, para beneficiarem dos fundos, têm de estar atribuídos até 2026. No caso do Metropolitano de Lisboa estão em causa apoios públicos de quase 700 milhões de euros pelos dois projetos.
Linha vermelha é caso perdido, mas há esperança para a linha violeta
O prolongamento da linha vermelha para Alcântara registou um desvio negativo de 54,6 milhões de euros face aos valores orçamentados no ano passado. Esse desvio é atribuído pelo Metro a dois fatores:
- A não realização dos custos previstos com as expropriações no valor de 34,6 milhões de euros, e cujos processos ainda estão em curso face aos relatórios indemnizatórios apresentados;
- E o atraso na finalização do concurso devido à necessidade de rever peças do procedimento e responder às pronúncias dos concorrentes, o que teve como resultado o atraso na assinatura do contrato.
Esta empreitada de conceção e construção só foi adjudicada em dezembro do ano passado por 321,8 milhões de euros à Mota-Engil e à Spie Batignolle. “O facto dos trabalhos não se terem iniciado em 2023, cujo orçamento considerava como concluída a fase de conceção e uma parcela inicial da fase seguinte, refletiu-se num impacto na execução da ordem dos 18,7 milhões de euros.”
A comissão de acompanhamento do PRR destaca ainda a existência de litigância na fase final do concurso, e, apesar de estar parcialmente sanada, será “praticamente impossível encurtar os prazos de uma obra que tem previstos 1.046 dias”. Para a grande dificuldade em reduzir os prazos, “concorrem não só o risco do empreiteiro (Mota-Engil), com várias outras grandes obras a decorrer (com prazos idênticos), como a concorrência geral de mão-de-obra para a construção civil, que se verifica como escassa e cujas necessidades irão continuar a aumentar para as várias obras ainda por iniciar, especialmente no âmbito do PRR, mas também de toda a normal atividade do país”.
Já as expropriação são processos complexos que nesta primeira fase devem envolver 50 pessoas e custos de 20 milhões de euros, estando prevista ainda uma segunda fase.
Esta sexta-feira, um despacho da secretária de Estado da Mobilidade Urbana teve de renovar a declaração de utilidade pública com carácter de urgência da expropriação, da constituição das servidões administrativas e das ocupações temporárias, dos bens imóveis e direitos a eles inerentes, necessários, numa primeira fase, à execução da Expansão da Rede de Metro de Lisboa — Prolongamento da Linha Vermelha de São Sebastião até Alcântara. A renovação, face à primeira declaração de 11 de julho de 2023 é justificada pela complexidade dos processos de expropriação, de constituição de servidões administrativas e de ocupações temporárias, relacionada com o elevado número de interessados e com as dificuldades burocráticas.
Na linha violeta, nome porque é conhecido o metro ligeiro de superfície entre Odivelas e Loures, verificou-se em 2023 um desvio de 9,12 milhões de euro que a empresa atribui a “atrasos na finalização do concurso por necessidade de rever peças do procedimento, o que implicou que os trabalhos não tivessem início em 2023, cujo orçamento considerava como concluída a fase de projeto de execução”. Também se previa que estivesse executada a verba para expropriações.
Neste caso, a comissão do PRR vê “alterações significativas” no primeiro semestre já deste ano que permitiram estabilizar o traçado e concentrar as responsabilidades das obras no Metro (em vez de as dividir entre as empresas e as autarquias). O concurso de conceção e construção foi lançado em março, incluindo a empreitada e material circulante (com um preço base de 450 milhões de euros). Apesar do risco de litigância, a expectativa é a de que este projeto permita a conclusão dos trabalhos e início da circulação em 2026 (exceto no que diz respeito ao reordenamento urbano). Será ainda necessário resolver a questão do trânsito, mas a comissão destaca como positiva a existência de propostas de empreiteiros para trabalhar em várias frentes de obra.
O maior investimento realizado no ano passado pelo Metropolitano foi no projeto de expansão em curso — a ligação Rato/Cais do Sodré onde até se verificou uma execução superior ao orçamento — 77 milhões de euros face a 70,8 milhões de euros. Ainda assim, a empresa aponta razões que travaram uma execução mais acentuada, nomeadamente ao nível das escavações onde foram detetados solos mais consistentes que os previstos, achados arqueológicos, dois concursos sem proposta e a necessidade de realocar o quartel dos bombeiros de Santos. O investimento daquela que é conhecida pela linha circular deverá estar concluído no próximo ano, mas não conta com verbas do PRR.
Os atrasos nos investimentos do Metro são genericamente justificados com “as condições de mercado no pós-pandemia e às consequências adversas da guerra na Ucrânia em relação à escassez de matérias-primas e ao aumento generalizado de preços, bem como a atrasos no lançamento de procedimentos e respetiva contratação”.
A substituição adiada da esmeriladora dos anos de 1970
A máquina esmeriladora é um veículo usado na manutenção dos carris de rolamento que sofrem o desgaste causado pela fricção dos rodados dos comboios. A esmeriladora do Metro tem quase 50 anos e forte utilização em 124 noites por ano. Em 2021, foi feito um contrato de oito milhões de euros com a empresa americana Harsco Rail Europe para o fornecimento da esmeriladora no prazo de 30 meses. O Metro devia ter desenbolsado 5,6 milhões no ano passado, mas os efeitos da guerra e do pós-pandemia levaram à falta de matéria-prima necessária a este equipamento. A entrega está prevista para 2024.
Fora desta lista elencada no parecer do conselho fiscal às contas do ano passado, consultado pelo Observador, estão as famosas cativações do Ministério das Finanças que no passado foram apontadas como um travão ao investimento das empresas públicas. Mas na descrição das razões para os desvios orçamentais são indicadas cativações da Direção-Geral de Orçamento na rubrica de aquisição de serviços para os quais estava prevista uma despesa de 65 milhões de euros da qual foi realizada 72% (47 milhões de euros) e na compra de bens cuja execução ficou a menos de metade (48,4% de nove milhões de euros).
As causas dos desvios negativos da despesa em vários projetos de investimento (não apenas do PRR)
Central fotovoltaica — Apesar de previstos no orçamento 877 mil euros para a instalação de uma central fotovoltaica no PMOII a execução foi nula devido a atrasos na elaboração do projeto.
Remodelação e renovação de instalações — O desvio negativo de 1,02 milhões de euros deveu-se a atrasos relacionados com os projetos de execução, com o lançamento de procedimentos e sua posterior contratação.
Posto de comando central — O orçamento considerou 530 mil euros para a instalação, mas devido a atrasos a nível estratégico e atrasos na elaboração dos projetos a execução foi nula.
Subestação de tração do Jardim Zoológico — Previsto orçamento de 530 mil euros para a instalação de uma subestação, mas devido a atrasos na elaboração dos projetos o valor de execução foi zero.
Renovação de sistemas vídeo e comunicação — Desvio de menos 1,51 milhões de euros, relativo a atrasos na execução deste projeto.
Modernização linhas Azul, Amarela e Verde (Material Circulante) — O desvio de menos 24,89 milhões de euros refere-se à regularização de adiantamentos.
Modernização linhas Azul, Amarela e Verde — O desvio de menos 6,37 milhões de euros é devido a atraso na execução de investimento em Communications-based Train Control, em consequência de processo judicial por impugnação, intentada por um concorrente.
Modernização da linha vermelha (sistema de circulação CBTC-Material Circulante) — Foram previstos 600 mil euros para a modernização do CBTC em 41 UT (unidades triplas) para o prolongamento da Linha S. Sebastião/Alcântara, que não se concretizou devido a atrasos na contratação do procedimento global da extensão, alargando-se assim para as restantes aquisições de serviços e equipamentos.
Sistema de informação aos clientes nas estações — Desvio de menos 1,83 milhões de euros devido a demora na preparação do procedimento. O concurso foi lançado no final de agosto e o prazo para entrega de propostas terminou no final de 2023.
Upgrade tecnológico do sistema de acionamento de portas da série ML90 (carruagens) — Desvio de menos 1,05 milhões de euros, relativo a atrasos na execução deste projeto.
Aplicações de suporte ao negócio, hardware e software — Desvio de menos 1,32 milhões de euros, com especial incidência na aquisição de equipamento informático que foi abaixo do planeado.
Remodelação da rede global — Desvio negativo de 1,86 milhões de euros, para o qual contribuíram atrasos na execução das empreitadas, como o contrato para os sistemas automáticos de deteção de incêndio para as estações do Jardim Zoológico, Parque e Campo Pequeno) e para as estações dos Anjos, Intendente, Cidade Universitária e Entre Campos), assim como a inferior execução na remodelação de subestações.
Metro procura solução para falhas na manutenção de escadas mecânicas
O Metropolitano explicou, em comunicado, que tem sido confrontado com dificuldades ao nível da resposta de empresas contratadas e responsáveis pelos serviços de assistência e manutenção, quer ao nível de recursos humanos e competências quer ao nível de peças e equipamentos para substituição. Para ultrapassar esta situação, o Metro fez uma consulta ao mercado para definir um projeto piloto de assistência técnica a todos os equipamentos. O Metro de Lisboa tem 121 elevadores, 234 escadas mecânicas e 10 tapetes rolantes que são usados todos os dias cerca de 18 horas por dia.
Plano de acessibilidades — Foram previstos 5,89 milhões de euros, tendo sido apenas executados 1,12 milhões de euros. Para o desvio negativo de 4,77 milhões de euros contribuiu o facto de não terem sido lançados procedimentos para a instalação de ascensores nas estações Praça de Espanha, Picoas e Campo Pequeno. São assinaladas a falta de conclusão de projetos e atrasos na execução das empreitadas, como o contrato para intervenções para a garantia de acessibilidades a pessoas de mobilidade reduzida na estação de Campo Grande da linha amarela e verde.
Prolongamento Rato/Cais do Sodré — Apesar da execução acima do previsto (77 milhões de euros face aos 70,8 milhões de euros), existiram razões que impediram um nível de realização ainda mais acentuado:
- No lote 1 verificaram-se alguns atrasos nomeadamente na escavação do troço T34 com repercussões para o desenvolvimento dos trabalhos subsequentes. Em várias extensões deste troço os solos eram bastante consistentes, mais que o previsto inicialmente.
- No lote 2 várias questões tiveram implicações no normal desenvolvimentos dos trabalhos: achados arqueológicos condicionaram o desenvolvimento das atividades até à retirada e classificação dos
mesmos; necessidade de realocação de serviços do RSB (Regimento de Sapadores Bombeiros) do quartel de Santos, local do poço de ataque à estação de Santos, alteração legal da classificação de solos que implicou a renegociação do transporte e disposição dos mesmos; Verificaram-se atrasos nas expropriações que atrasaram o desenvolvimento do lote 2 - No lote 3 os trabalhos desenrolaram-se de acordo com o previsto.
- No lote 4 verificaram-se atrasos decorrentes do facto de terem existido dois concursos em que não
existiram propostas, o que levou a que a decisão de adjudicação da qual resultou a reclamação de um concorrente. O contrato foi adjudicado em março, mas só teve início em setembro, após visto do Tribunal de Contas.
Renovação de sistemas de conforto (escadas mecânicas, tapetes rolante e elevadores) — Estavam previstos 2,37 milhões de euros, tendo sido executados 2,68 milhões de euros. Para o desvio negativo contribuíram atrasos na execução das empreitadas, como o contrato de substituição dos ascensores 1, 2 e 3 da Baixa Chiado das Linhas Azul e Verde e o contrato de de modernização das escadas mecânicas n.º 2, 4 e 6 no acesso ao Largo Chiado e substituição das escadas no Acesso à rua do Crucifixo da estação de Baixa-Chiado.
Remodelação da estação do Cais do Sodré — O investimento de 6,22 milhões de euros não se concretizou porque as duas propostas apresentadas no concurso público lançado em novembro de 201 foram excluídas, o que resultou na decisão de não adjudicar. Em março de 2024 foi publicada nova Portaria de Extensão de Encargos que permitirá lançar novo procedimento em 2024, depois de efetuadas correções às especificações técnicas e ter sido alterado o preço base.