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O procurador Rosário Teixeira abriu uma averiguação preventiva para verificar se alguma das entidades russas que estão sujeitas a sanções da União Europeia é suspeita da prática de crimes económico-financeiros em Portugal, confirmou o Observador junto de fontes próximas do processo. O número dessas entidades começou por ser de 378 mas aumentou esta quarta-feira para 915, entre cidadãos russos e empresas.
Além da verificação penal, a abertura deste procedimento administrativo por parte do Ministério Público vai pressionar os bancos portugueses a estarem muito atentos à execução das sanções económicas decididas pela União Europeia. Porquê? Porque qualquer omissão ou recusa poderá levar a uma acusação pelo crime de desobediência.
Desde que as sanções entraram em vigor, Portugal já recusou uma Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI) por se tratar da mulher de um oligarca que é alvo das sanções da UE. Desde que o programa Visto Gold se iniciou em 2013, já foram concedidas 431 ARI em troca de cerca de 277,8 milhões de euros canalizados essencialmente para a compra de imóveis e transferências de capitais.
Bancos portugueses já identificaram russos sujeitos a sanções
Já o Banco de Portugal — que não terá competências de fiscalização sobre alegadas falhas das instituições financeiras neste caso — comunicou que apenas um “número muito reduzido” terá contas bancárias em Portugal. Aguarda-se a divulgação dos dados mas o valor congelado não deverá ter expressão relevante.
Pré-investigação integra-se na prevenção de branqueamento de capitais
A decisão do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), liderado pelo procurador-geral adjunto Albano Pinto, de avançar para a abertura de uma averiguação prévia enquadra-se nas suas competências de prevenção de branqueamento de capitais. É este órgão da Procuradoria-Geral da República que centraliza todas as comunicações que o sistema financeiro e outras entidades são obrigadas a fazer para a Justiça quando detetam transações suspeitas.
Para já, Rosário Teixeira solicitou ao sistema financeiro a identificação das empresas e dos cidadãos russos com contas bancárias em Portugal que já têm os respetivos saldos congelados. O cruzamento desses dados com outras informações na posse do Ministério Público permitirá avaliar se existem suspeitas da prática de crimes económico-financeiros por parte da elite russa em Portugal.
O procurador Rosário Teixeira quer analisar toda a informação que os bancos e outras instituições financeiras recolheram sobre as 500 entidades que estão sujeitas a sanções da UE. Daí ter optado pela abertura de uma averiguação preventiva.
Uma averiguação preventiva é um procedimento administrativo que serve para realizar uma pré-investigação a indícios que sustentem a abertura de um inquérito criminal por suspeitas da alegada prática de crimes económico-financeiros. A alegada origem ilegítima dos capitais russos que estão depositados em instituições financeiras com operações em Portugal é o principal foco dessa pré-investigação.
Também a Polícia Judiciária liderada por Luís Neves está atenta à situação e, em coordenação com o DCIAP, está igualmente a pesquisar informação sobre as 500 entidades sancionadas pela UE.
A pressão sobre os bancos e a ausência de poder de fiscalização do Banco de Portugal
Esta pré-investigação do DCIAP também tem outra consequência: introduz pressão sobre o sistema financeiro a cumprir escrupulosamente as sanções económicas. Ou seja, congelar os saldos bancários dos visados pelas sanções com contas em Portugal.
Isto porque, em caso de omissão ou recusa em executar as sanções económicas, as instituições financeiras e os respetivos responsáveis podem vir a ser investigados e acusados de crime de desobediência simples. Porquê? Porque se trata de uma ordem legítima de uma autoridade que tem de ser cumprida.
Schroederization. Ex-chanceler alemão pode vir a ser alvo de sanções económicas?
As sanções económicas são formalmente decididas pelo Conselho da União Europeia, sendo aplicadas por cada Estado-membro. O pontapé de saída aconteceu a 23 de fevereiro, com a decisão do Conselho de aplicar sanções económicas a 378 pessoas e entidades ligadas ao regime de Vladimir Putin pelo reconhecimento das auto-proclamadas República de Luhansk e Donetsk. Essa decisão original já foi reforçada várias vezes, sendo que inclusivé alargou as sanções ao próprio Putin e à Bielorússia. A última decisão, datada de 9 março, aplica-se um total de 915 entidades visadas.
Na prática, a decisão de base de 25 de Fevereiro, que alterou a decisão original de 2014 da UE de aplicar sanções à Federação Russa na sequência da anexação da Crimeia, descreve as sanções que são aplicadas (essencialmente congelamento de ativos e restrições na circulação dentro da UE). Todas as entidades russas visadas pelas sanções são identificadas em anexos individuais da decisão do Conselho, sendo que a lista é pública, como pode verificar aqui.
No caso de Portugal, é ao Ministério dos Negócios Estrangeiros que compete distribuir a lista das 915 entidades russas alvo das sanções pelo que devem executar as mesmas, sendo que o Ministério das Finanças tem a competência de enviar a mesma lista para o Banco de Portugal que, por sua vez, a comunica a todo o sistema financeiro. E são os bancos e outras instituições financeiras que congelam os ativos das entidades sancionadas. Tudo de forma expedita e automática — e sem necessidade da intervenção dos tribunais.
Contudo, não é claro se o Banco de Portugal tem competência para abrir processos de contra-ordenação contra as instituições financeiras que não cumpram os seus deveres. Diversas fontes financeiras falam num vazio legal, enquanto vários juristas consultados pelo Observador garantem que o supervisor da banca é a autoridade com legitimidade para atuar neste contexto.
Um pedido de Visto Gold foi indeferido após a aplicação das sanções económicas
Também o Ministério da Justiça tem a sua quota parte na aplicação das sanções económicas em Portugal. Ao Instituto de Registos e Notariado competiu realizar um trabalho de pesquisa nas bases de dados do Registo Predial e Comercial para detetar imóveis ou empresas com atividade comercial em Portugal que estejam ligadas às entidades sancionadas. Ao que o Observador apurou, nenhum registo de relevo foi detetado.
Outra área importante é o programa das Autorizações de Residência para a Atividade de Investimento (ARI), mais conhecido como Vistos Gold. E aqui os dados já são mais relevantes, pois, tal como o quadro abaixo revela, já foram concedidas 431 autorizações de residência desde 2013, ano em que o programa se iniciou, a troco de 277,8 milhões de euros de investimento canalizados essencialmente para a compra de imobiliário.
Desde que as sanções económicas foram aplicadas, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras já indeferiu um pedido de uma cidadã russa que será casada com um dos alvos das sanções económica da UE. Entretanto, e tal como o Ministério da Administração Interna já anunciou, o programa está suspenso para cidadãos russos até ordem em contrário.
Nos dois últimos anos, os Vistos Gold têm atraído cada vez mais russos, sendo que o número total foi de 128 ARI’s concedidas, o que corresponde a cerca de 30% do total entre 2012 e 2022. Este ano, já houve sete russos que investiram cerca de 4 milhões de euros em Portugal.
A ministra Francisca Van Dunem não tem intenção de revogar as autorizações anteriormente atribuídas a cidadãos russos. Atendendo os direitos adquiridos e as legítimas expectativas dos candidatos, a retirada dos Vistos Gold não está em cima da mesa.
Acresce, por outro lado, que estamos a falar de cidadãos e empresários russos que não terão uma ligação direta ao regime de Putin. “Nós não temos oligarcas a investir em Portugal”, afirma fonte do MAI.