O Ministério Público propôs e o juiz Carlos Alexandre aprovou na semana passada a suspensão provisória de cinco processos abertos contra o ex-hacker Rui Pinto. Ainda não é um arquivamento formal, mas tudo aponta para que daqui a um ano e meio as cinco investigações onde se investigavam crimes de acesso informático ilegítimo sejam formalmente encerradas.
Para que tal aconteça em 2022, há condições impostas a Rui Pinto. Será necessário que não volte a cometer crimes idênticos e mantenha a cooperação ativa com a Justiça na descoberta da verdade material de outros inquéritos abertos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), nomeadamente aqueles em que se investigam crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais relacionados com o mundo do futebol.
Ao que o Observador apurou, a manutenção da cooperação com o DCIAP e com a Polícia Judiciária nas investigações ao mundo do futebol foi uma das condições impostas pelo procurador Carlos Casimiro, titular dos cinco inquéritos aqui em causa, para propor ao juiz Carlos Alexandre a suspensão provisória destes processos.
Este é mais um facto que reforça a importância da colaboração de Rui Pinto com a Justiça, desde que foi colocado em prisão domiciliária. O ex-hacker está pronunciado para julgamento por 90 crimes: 6 de acesso ilegítimo, um de sabotagem informática, 14 de violação de correspondência, 68 de acesso indevido e um de tentativa de extorsão.
Rui Pinto teve de concordar com a suspensão provisória do processo
As cinco inquéritos que foram alvo da proposta do MP estão relacionados com o acesso indevido por parte de Rui Pinto aos sistemas informáticos de dois organismos públicos, um da Presidência do Conselho de Ministros e outro do Ministério da Justiça, mas também à rede do Benfica e do FC Porto.
Ao que o Observador apurou, o MP considerou que a invasão informática em causa não levou ao acesso de informação especialmente relevante, sendo o dano causado diminuto. Por exemplo, no caso do clube liderado por Luís Filipe Vieira está em causa o acesso a dados relacionados com o relacionamento do clube com as chamadas casas do Benfica.
Por outro lado, o procurador Carlos Casimiro considerou que estavam reunidos todos os requisitos exigidos pela lei para se aplicar a suspensão provisória do processo:
- Rui Pinto mostrou arrependimento;
- nunca foi condenado, logo não tem antecedentes criminais;
- e a lei permite a suspensão provisória no caso de crimes com pena até cinco anos — teoricamente, o crime de acesso ilegítimo tem pena máxima entre 1 ano a 5 anos.
Como é obrigatório por lei, Rui Pinto teve de concordar expressamente com a suspensão provisória do processo e com as condições da proposta feita pelo MP ao juiz Carlos Alexandre. Ou seja, o ex-hacker concordou com as seguintes condições:
- manter colaboração ativa com DCIAP e com a Polícia Judiciária na descoberta da verdade material de outros inquéritos relacionados com o mundo do futebol;
- não voltar a praticar os mesmos crimes;
- não fornecer a ninguém as passwords das redes informáticas que invadiu.
Ao que o Observador apurou, Rui Pinto tem cooperado com a Polícia Judiciária na desencriptação dos discos que lhe foram apreendidos na Hungria, tendo igualmente zelado para que a informação contida em tais discos não seja destruída de forma remota. O ex-hacker terá um amigo no estrangeiro que foi devidamente instruído a executar tal destruição mediante uma ordem de Pinto mas certo é que o jovem natural de Vila Nova de Gaia tem cumprido a palavra de não dar tal ordem.
Suspensão provisória costuma ser aplicada em casos de fraude fiscal
A suspensão provisória do processo é um mecanismo legal que ficou conhecido através da Operação Furacão e costuma ser aplicado em casos de fraude fiscal. No caso Furacão, que permitiu a recuperação de cerca de 300 milhões de euros em impostos, os arguidos confessaram o crime, pagaram os impostos em falta e viram o MP propor ao juiz de instrução criminal essa suspensão provisória do processo.
Curiosamente, o juiz de instrução que teve analisar os requerimento do DCIAP na Operação Furacão é o mesmo que apreciou o caso de Rui Pinto: Carlos Alexandre. Na altura do caso Furacão, o juiz Carlos Alexandre não concordou com a proposta do DCIAP, visto que entendia que o procurador Rosário Teixeira tinha de acusar os arguidos suspeitos de fraude fiscal. O DCIAP recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa e os desembargadores deram razão a Rosário Teixeira. Desde então que Carlos Alexandre tem seguido a interpretação da Relação.
No caso de Rui Pinto, o procedimento foi algo semelhante: o ex-hacker teve de confessar o crime, comprometeu-se a não entregar as passwords das redes informáticas que invadiu e a não voltar a praticar os mesmos crimes.
Se Rui Pinto cumprir estas condições no próximo ano e meio, então os cinco inquéritos será definitivamente arquivados por parte do DCIAP.
Diretor do DCIAP já tinha elogiado a postura de Rui Pinto
O mais importante, contudo, é o facto desta suspensão provisória de cinco inquéritos comprovar a importância que o MP está a dar à colaboração de Rui Pinto.
Recentemente, o Expresso noticiou que o procurador-geral adjunto Albano Pinto, diretor do DCIAP, dirigiu uma missiva à juíza do processo que seguiu para julgamento a elogiar a “colaboração efetiva do arguido Rui Pinto” e a sua “disponibilidade total e espontânea para o apuramento da verdade.”
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Trata-se de uma missiva relevante porque a defesa de Rui Pinto, a cargo do advogado Francisco Teixeira da Mota, requereu a 17 de julho nos autos do processo que será julgado a revogação da obrigação de permanência da habitação por entender que já não se coloca nem o perigo de fuga, nem o perigo da continuidade da atividade criminosa.
Aliás, a juíza de instrução Cláudia Pina, que pronunciou Rui Pinto para julgamento pelos já referidos 90 crimes, revogou a medida de coação de prisão preventiva em abril realçando no seu despacho, então revelado pelo Observador, de que “o arguido inverteu a sua postura, apresentando-se agora um sentido crítico e uma disponibilidade para colaborar com a Justiça.” Mais: quando saiu da prisão da PJ, o ex-hacker foi para uma casa que lhe foi disponibilizada pela Judiciária.
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