Declaração Carlos Moedas
É com alegria, humildade e grande sentido de responsabilidade que encaro este desafio à Presidência da Câmara Municipal de Lisboa. Estou aqui para Lisboa. Estou aqui para os Lisboetas. Para com elas e com eles mudar Lisboa. Foi um processo. Foi uma decisão de vida. Refletida e pensada, mas também confesso querida e desejada. E que por isso mesmo tem tanto de emocional como de racional.”
As primeiras palavras de Carlos Moedas no dia em que apresentou a sua candidatura à Câmara Municipal de Lisboa foram para reconhecer (e recordar) o peso da decisão que tomou: o antigo comissário europeu acabou por trocar o cargo de administrador na Gulbenkian, onde tinha boas perspetivas de progressão, para abraçar um desafio com um enorme grau de dificuldade. Desejado por Rui Rio há muito tempo, Moedas teve sempre muita resistência em aceitar o convite, ao ponto de ter dado sinais muito claros (inequívocos, até) de que não estaria disposto a fazê-lo. A posição do social-democrata evoluiu e Moedas deu assim um passo decisivo para o seu futuro político: ganhando, fica na linha da frente para qualquer cargo que venha a ambicionar, incluindo o de líder do PSD; perdendo, sofre um revés que pode retirar força às suas pretensões futuras. Uma ideia que recuperaria mais à frente.
Nunca esqueci aquele dia em que depois de uma longa viagem de comboio até ao Barreiro ‘A’ apanhei o barco para Lisboa. Aquela passagem de barco marcou-me para sempre. (…) Não tinha dúvidas, aquela seria a minha cidade. Foi, passou a ser e é a minha cidade. Viajei pelo mundo, mas voltei sempre para Lisboa”
O social-democrata tem, pelo menos, duas coisas em comum com Fernando Medina: são ambos filhos de antigos dirigentes comunistas e não nasceram na capital — o socialista é do Porto; Moedas é de Beja. Estudou em Boston, trabalhou em Londres e mais tarde viveu em Bruxelas. Mas o antigo secretário de Estado quer ser reconhecido pelos eleitores como um cidadão de pleno direito e como alguém que vê Lisboa como sua.
“[Esta é uma] decisão emocional, porque é sempre mais fácil ficarmos no conforto da nossa vida em momentos tão incertos, instáveis e difíceis para todos nós. Mas este momento não era o momento de dizer não. Era o momento de dizer sim. Sim à minha cidade.”
Mais uma vez, Carlos Moedas recorda o que largou para abraçar um desafio tão exigente como tentar derrotar Fernando Medina numa autarquia que está nas mãos do PS há 14 anos, altura em que António Costa conquistou a Câmara Municipal ao PSD.
Lisboa foi perdendo a ligação entre a cidade e as pessoas. (…) Lisboa posicionou-se no mundo como uma cidade das feiras internacionais e do turismo. Mas não chega (…) Porque ter um simples médico de família é uma luta para muitas famílias. Porque a pobreza e os sem-abrigo são cada vez mais uma realidade. Porque o trânsito se tornou impossível. Porque a sujidade das ruas salta aos olhos. Porque uma cidade que não cuida das pequenas coisas, daquelas pequenas coisas que fazem a grande diferença no nosso dia-à- dia.
São os primeiros sinais do que será a campanha contra Fernando Medina. Carlos Moedas repetiu algumas críticas que são conhecidas à gestão que tem sido feita nos últimos anos — falta de identidade, excesso de turismo, falta de apoios e condições sociais, concentração de automóveis e partes da cidade ao abandono — para atacar, sem nunca o nomear, o seu principal adversário nesta corrida. Serão trunfos de que Moedas não abdicará e que têm outra curiosidade: sendo ele um candidato de direita, que está a tentar a federar a grande família não-socialista, é relevante que tenha procurado trazer para o lançamento da sua campanha um discurso mais focado nos problemas das pessoas e da cidade do que num apelo à inovação e ao cosmopolitismo.
“É importante para a nossa democracia unir o centro-direita em Portugal. Apresento-vos por isso o meu plano: conseguir congregar as forças não socialistas moderadas e progressistas da nossa cidade.”
Foi uma passagem discreta, mas clara: Carlos Moedas fez uma distinção clara entre os partidos que quer ao seu lado — PSD, CDS, Iniciativa Liberal, PPM, MPT e Aliança — e deixou de fora o Chega de André Ventura. Um cordão sanitário traçado logo no arranque da corrida à Câmara de Lisboa.
“[Agradecer] à IL o diálogo que já encetámos e que vai continuar nos próximos dias”
A Iniciativa Liberal de João Cotrim Figueiredo continua a ser a grande peça a faltar no puzzle que Moedas quer construir à direita. Os liberais estão a ser um osso duro de roer nas negociações para a grande coligação e só tomarão uma decisão nos próximos dias. Uma eventual recusa pode comprometer as aspirações de Carlos Moedas.
“O que está em jogo é isto mesmo: derrotar esta governação. E temos que estar unidos. Cada um dos lisboetas terá esta responsabilidade. Escolher entre mais do mesmo ou escolher um recomeço. Um projeto novo e arejado. Num país com a nossa dimensão, Lisboa deve dar o rumo desafiando os poderes instituídos.”
Mais uma crítica implícita a Fernando Medina e ao trabalho que foi começado com António Costa. A ideia é passar a mensagem de que o atual presidente da Câmara de Lisboa é uma extensão do Governo socialista e de António Costa — o que, no que à autarquia diz respeito, é verdade, uma vez que Medina assumiu a presidência por indicação de Costa. Nesse sentido, como sugere Moedas, a capital pode servir de antecâmara para futuras disputas entre os dois blocos, o de esquerda e o de direita, pelo Governo nacional.
Estou aqui para ser presidente da Câmara de Lisboa. Deixei a minha vida para me concentrar neste projeto. O meu projeto de vida é ser presidente da Câmara de Lisboa. Não tenho outro sonho.”
Já na fase das perguntas dos jornalistas, Carlos Moedas foi desafiado a dizer se encarava esta aventura como um trampolim para voos maiores, nomeadamente a liderança do PSD. O antigo comissário europeu garantiu que não e jurou que o seu grande objetivo é mesmo ser presidente da autarquia lisboeta.
“Os números do passado são aquilo que são. Aquilo que farei é dar a minha vida, o meu dia-a-dia. Vamos ganhar estas eleições. Estou aqui para ganhar.”
Confrontado com os maus resultados do PSD no passado e com as dificuldades que vai enfrentar para virar o jogo a favor da grande família da direita, Carlos Moedas disse uma e outra vez: entra nesta corrida para ganhar. Não há outra meta na cabeça do social-democrata.
“Mas assumirei sempre as minhas responsabilidades. Portanto, sim senhor, assumirei as minhas responsabilidades se esse for o caso.”
Ainda assim, o cenário de derrota existe sempre e, no caso de quem tenta enfrentar o incumbente, as probabilidades estão geralmente do lado de lá. Perante a insistência sobre se, perdendo, ficaria como vereador da autarquia, Moedas garantiu que sim, que assumirá as suas responsabilidades. Em 2001, Paulo Portas mandou colocar cartazes na cidade onde se lia “Eu Fico”. E não ficou. Moedas fará diferente?
As conversas que tive ou não tive são privadas“
Foi outra das notas desta conferência de imprensa. Ainda que tenha conversado com Marcelo Rebelo de Sousa antes de tomar a decisão de avançar com a candidatura a Lisboa, Carlos Moedas não se articulou com Pedro Passos Coelho, como contava aqui o Observador. Da parte do antigo primeiro-ministro, não há qualquer melindre em relação a Moedas, embora muito do que resta do ‘passismo’ tenha ficado estupefacto com a decisão do antigo secretário de Estado e com aquilo que tomaram como uma falta de consideração. Sobre essas duas questões, Moedas preferiu não responder e encerrar o assunto.
Sou membro do PSD e estarei sempre aqui para ajudar o meu partido e o líder do meu partido.”
Carlos Moedas resistiu ainda em responder diretamente a uma pergunta que está na cabeça de muitos analistas e, sobretudo, de críticos de Rui Rio. Uma eventual vitória de Carlos Moedas pode ser o seguro de vida de que precisa o líder do PSD para enfrentar as próximas eleições internas — agendadas para o início de 2022 — e ganhar uma nova oportunidade de ir a votos contra António Costa. Se Carlos Moedas ganhar, engrossará o currículo político, é certo, mas Rui Rio será sempre visto como o grande artífice da candidatura. E dos críticos de Rio dificilmente terão margem política para pedir a cabeça do líder social-democrata.