Apesar de uma campanha interna muito morna, há um psicodrama a decorrer nos bastidores da corrida à liderança do PSD: a onze dias das próximas eleições internas, que terão lugar a 28 de maio, Luís Montenegro e Jorge Moreira da Silva não foram ainda capazes de chegar a um acordo para marcação de debates. A troca de acusações arrasta-se há dias, as queixas e os lamentos de parte a parte também, e não existem perspetivas de um final feliz no horizonte.
A candidatura de Jorge Moreira da Silva tem manifestado vontade de entrar em vários debates e tem respondido afirmativamente aos vários convites, incluindo um convite feito pelo Observador (respondeu logo a 5 de maio) para um frente a frente que teria lugar a 23 do mesmo mês (ou numa outra data a acordar entre todas as partes).
O convite feito pelo Observador para a realização do debate seguiu para a candidatura de Luís Montenegro no mesmo dia, a 5 de maio. A equipa que assessora o antigo líder parlamentar sempre se disse disponível para estudar o assunto, mas nunca chegou a fechar datas para o efeito, apesar dos vários apelos nesse sentido. E é aqui que começa a confusão.
Em primeiro lugar, de acordo com o que apurou o Observador, as duas candidaturas não se reuniram sequer para agilizar os vários pedidos de debate — como costuma ser prática em atos eleitorais semelhantes. A título de exemplo: habitualmente, nas eleições legislativas, as várias candidaturas tentam encontrar um consenso e decidir qual é o melhor modelo de debate e em que datas com os vários órgãos de comunicação social envolvidos. Tal nunca aconteceu entre Montenegro e Moreira da Silva.
Depois, a candidatura de Luís Montenegro não gostou de ver o adversário a marcar vários frente a frente em dias consecutivos, alguns no mesmo dia, e rapidamente se instalou a perceção de que o antigo ministro do Ambiente estava a dizer que ‘sim’ a tudo para tornar a realização de debates uma inviabilidade.
Jorge Moreira da Silva não ficou convencido com os argumentos do antigo líder parlamentar e vai sugerindo que Luís Montenegro tem, afinal, medo de debater. De resto, esta terça-feira, o ex-ministro de Pedro Passos Coelho veio a público atacar o adversário e exigir uma resposta pronta: quer ou não quer debater?
“Nas últimas semanas aceitei vários convites que me foram dirigidos pela comunicação social para debater com Luís Montenegro. A sua candidatura continua sem responder. Desafio-o a esclarecer se aceita ou não debater comigo. Os militantes do PSD merecem esta discussão de ideias”, escreveu o candidato social-democrata no Twitter.
Nas últimas semanas aceitei vários convites que me foram dirigidos pela comunicação social para debater com Luís Montenegro. A sua candidatura continua sem responder. Desafio-o a esclarecer se aceita ou não debater comigo. Os militantes do PSD merecem esta discussão de ideias.
— Jorge Moreira da Silva (@jmoreiradasilva) May 17, 2022
Entretanto, já depois da publicação deste artigo, Jorge Moreira da Silva emitiu um comunicado a falar em “enorme desilusão e até tristeza” com o facto de Luís Montenegro ter recusado fazer qualquer frente a frente até às eleições de 28 de maio.
“Numa eleição (sobretudo numa eleição como esta) a agenda primeira e inalienável é precisamente o debate democrático, franco e transparente. Lamentando esta postura de escusa de Luís Montenegro, mantenho-me totalmente disponível para com ele debater as ideias de cada um e as nossas visões sobre a liderança do PSD e o futuro de Portugal. Assim Luís Montenegro reconsidere a sua posição, pois nunca é tarde para se fazer o que é correto”, escreve o antigo ministro do Ambiente.
“Seriam debates democraticamente óbvios e debates essenciais, pois: nenhum dos candidatos está no exercício da presidência do Partido; o perfil dos candidatos é muito distinto; as Moções Estratégicas apresentadas por cada um deles são muito diferentes, nas opções que assumem e nos caminhos que preconizam para o País e para o PSD. Os militantes do PSD e os portugueses queriam e mereciam tais debates”, pode ainda ler-se.
Os detalhes do processo
O Observador confirma que a candidatura de Jorge Moreira da Silva aceitou entrar num frente a frente com o adversário até decidir cancelar no domingo, alegando que Montenegro não respondia ao desafio e que, com tal impasse, estava a tornar-se impossível organizar a agenda e o dia a dia de campanha, inclusivamente ações com os militantes.
No mesmo dia, a candidatura do antigo ministro do Ambiente fez saber a vários outros órgãos de comunicação social que estava indisponível para debater, usando o mesmo argumento: como Montenegro não dizia se aceitava debater ou não, a equipa de Moreira da Silva teve de seguir em frente e fechar várias ações de campanha para os dias em que estavam previstos debates.
Do outro lado, a explicação é sempre outra: a decisão de Moreira da Silva de aceitar vários debates em dias consecutivos, alguns no próprio dia, tornou a organização do ciclo de duelos a dois impraticável. Pior: se todos acontecessem nos dias e nos termos propostos por Moreira da Silva, tornaria a campanha uma confusão de duelos televisivos e radiofónicos que impossibilitaria, na prática, o contacto com os militantes na reta final de campanha.
Perante as dificuldades, o Observador sabe que ainda chegaram a existir conversas informais para escolher pelo menos uma rádio e uma televisão para receberem os debates. As duas candidaturas acabaram, mais uma vez, por não se entender e a hipótese caiu por terra. Até ver, pelo menos.
O histórico dos debates no PSD
A realização de debates entre candidatos à liderança do PSD é uma tradição desde que existem eleições diretas (2006) e sempre que há mais do que um candidato a ir a votos. E também não é a primeira vez que o assunto se torna um drama interno e motivo para troca de acusações entre candidaturas.
Em 2007, Luís Marques Mendes e Luís Filipe Menezes foram passando os dias entre bocas e remoques sobre a organização de debates, com o segundo a marcar e a desmarcar um frente a frente televisivo em menos de 24 horas (depois de ter sido ele a fazer o desafio) e com o segundo a aproveitar os avanços e recuos do concorrente para fazer croquetes do adversário.
“O líder do PSD não pode ser uma pessoa instável. Não pode dar o dito por o não dito, não pode passar os dias a dizer que quer debates na televisão e quando está tudo acertado diz que já não vai fazer. Para cata-vento, para andar permanentemente aos zigue-zagues e às oscilações já chega o primeiro-ministro que ainda temos à frente de Portugal”, afirmou na altura Marques Mendes.
O resultado não seria o mais feliz para o agora comentador da SIC: naquela que é considerada uma das disputas internas mais feias da história do PSD, Menezes acabaria por derrotar Luís Marques Mendes, com acusações de fraude eleitoral à mistura. O ex-presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia duraria pouco no cargo.
Em 2008,numa corrida a quatro, Manuela Ferreira Leite debateu com Pedro Passos Coelho, Pedro Santana Lopes e Mário Patinha Antão, um candidato marginal que acabaria por ter apenas 0,68% dos votos.
De acordo com os relatos da altura, o primeiro confronto televisivo (TVI) ficou marcado pela discussão em torno das ideias liberais de Pedro Passos Coelho para o partido e para o país, com o antigo primeiro-ministro a defender-se várias vezes das críticas dos concorrentes.
O segundo (SIC) teve Pedro Santana Lopes a atacar Manuela Ferreira Leite e a tentar descredibilizar as propostas de Passos Coelho. O resto da história é conhecido: Manuela Ferreira Leite ganhou as eleições com 37.90%, Passos ficou em segundo com 31,06% e Santana Lopes acabou em terceiro com 29.60%.
Em 2010, houve debates para todos os gostos. Com quatro candidatos em jogo (Pedro Passos Coelho, Paulo Rangel, José Pedro Aguiar Branco e Castanheira Barros), houve frente a frente entre todos os candidatos e um debate a quatro.
Para memória futura, ficou duelo a dois entre Pedro Passos Coelho e Paulo Rangel. Apesar do tom cordato ter sido o dominante, as coisas tornaram-se pessoais quando Passos recordou que a anterior liderança – de que Rangel era próximo – o riscou da lista de deputados.
Durante toda a liderança de Pedro Passos Coelho, o líder social-democrata foi sempre recandidato sem adversário. O PSD teria novamente debates em 2018, quando Rui Rio e Pedro Santana Lopes foram a jogo.
O primeiro frente a frente foi muito tenso, com referências de Rio às “trapalhadas” de Santana primeiro-ministro e com remoques de Santana ao facto de Rio querer ser o gémeo “siamês” de António Costa. O segundo debate a dois não foi muito diferente, com o passado de ambos (as críticas de Rio a Passos e a queda de Santana como primeiro-ministro) a dominarem mais uma vez o debate.
O debate nas entrelinhas. Trapalhadas, recortes de jornais e invenções
Se já tinha sido feio uma vez, em 2019 não foi muito melhor. Rui Rio, Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz aceitaram debater uma vez na televisão e não repetiram a experiência: o tom e as referências à maçonaria, à guerrilha interna, aos resultados eleitorais desastrosos do partido e à excessiva colagem a António Costa tornaram a discussão tão pessoal que as candidaturas não conseguiram combinar mais debates.
Nas últimas diretas, Rui Rio voltou a não querer repetir a experiência de ter debates contra o adversário interno, no caso Paulo Rangel. “Debates em cima de legislativas podem ser prejudiciais para o partido. Verdadeiramente importantes são as eleições de janeiro”, alegou Rui Rio.
Resta saber se Luís Montenegro e Jorge Moreira da Silva se querem juntar às exceções ou fazer parte de uma prática que se tornou tradição no partido e debater as ideias que tem para o PSD e para o país.
*Artigo atualizado às 19h34 com comunicado de Jorge Moreira da Silva