Uma proposta, um cartaz, um sinal político: o PSD vai apostar tudo em obrigar os socialistas a irem a jogo na discussão sobre a sustentabilidade do sistema de Segurança Social. E enquanto o PS não assumir que existe um problema nas contas, a ordem de Luís Montenegro é para fazer de morto no debate e atirar os foguetes a curto prazo – mesmo que isso signifique ultrapassar António Costa pela esquerda.
“Já toda a gente percebe que em Portugal se perde eleições quando se começa a falar de pensões”, concede ao Observador um destacado dirigente social-democrata. “Claro que a sustentabilidade da Segurança Social está em causa. E claro que aumentos de 8% são uma loucura. Mas já chega de sermos sempre os certinhos. Eles vão assobiar para o lado e nós vamos assobiar para o lado. Quando eles [socialistas] pedirem ajuda, vamos discutir”, conclui outro.
Na segunda-feira, os sociais-democratas deram entrada no Parlamento com uma proposta para corrigirem o tiro dado pelo Governo: não só defenderam o alargamento aos pensionistas do apoio de 125 euros que vai ser dado em outubro aos cidadãos ativos, como querem que a lei seja aplicada tal como está desenhada. Por outras palavras: que as pensões sejam atualizadas de acordo com a inflação (8 a 9%) em 2023.
Antes disso, a 15 de setembro, os sociais-democratas levaram a luta para as ruas e lançaram um novo conjunto de outdoors onde a mensagem é clara: a “austeridade socialista” significa um corte de “1000 milhões de euros nas pensões para o futuro”, pode ler-se; com Luís Montenegro, que surge a cumprimentar, presumivelmente, uma pensionista, não existirá “nenhum corte nas pensões para o futuro”.
O que os sociais-democratas ainda não disseram, nem dizem, é o que farão se os níveis de inflação se mantiverem ao longo de 2023. Também recusaram entrar no debate sobre que impacto teria uma atualização das pensões em linha com a inflação prevista. O mais longe que Luís Montenegro se permitiu a ir foi admitir, em entrevista ao Público/Rádio Renascença, que estaria disposto a discutir a lei de atualização das pensões desde que o PS tomasse a dianteira do debate.
Há dias, Luís Montenegro, em conversa com o Observador, explicava o mesmo. “Sou muito pragmático: não sou Governo, nem quero substituir-me ao Governo enquanto o povo não quiser. Isso é fazer o jogo do PS. Não vamos inverter as coisas. Sei que no país há muita gente que quer discutir as propostas do PSD, mas neste o que importa é aferir o cumprimento do programa eleitoral do PS.”
Joaquim Miranda Sarmento, líder parlamentar do PSD, insiste: “Se o Governo disser o que é que quer do ponto de vista da Segurança Social nós logo diremos a nossa posição”. Mas e quanto custaria fazer a atualização das pensões em função da inflação? “O Governo não fundamentou as contas que fez. Enquanto não o fizer, não faz sentido entrarmos nesse debate”, reforça em declarações ao Observador.
Em resumo: mesmo assumindo que o sistema de Segurança Social tem um problema de sustentabilidade – posição que o PSD tem reiterado há mais de uma década –, os sociais-democratas insistem na atualização das pensões em linha com a inflação e contestam as contas apresentadas pelo Governo, sem explicarem que tipo de impacto teria uma medida dessa natureza e que soluções admitem para 2024 e em diante.
Recorde-se, de resto, que de acordo com as contas apresentadas pelo Governo, a atualização das pensões conforme a atualização automática e consequentes aumentos entre 7,1% e 8% a partir de 2023 iria antecipar os primeiros saldos negativos do sistema previdencial para o final da década de 2020 – cálculos que foram classificados como “aldrabice” e “mentira” pela oposição.
“Jogo político puro e duro”, lamenta especialista
Miguel Teixeira Coelho, economista especializado em Segurança Social, não tem grandes dúvidas: as posições de PS e PSD só se explicam pela insistência que os dois maiores partidos vão mantendo em tratar o tema como se estivesse em causa um “Benfica-Sporting”.
“Não há heróis e vilões; não há preto e branco; não há sol e chuva. Isto é uma matéria muito complexa. O que os dois partidos estão a fazer é jogo político puro e duro”, lamenta. Para este especialista, nomeado como vice-presidente do conselho diretivo do Instituto da Segurança Social, I. P. durante o Governo de Pedro Passos Coelho, a posição dos dois partidos é desprovida de “racionalidade”.
“O Governo está numa lógica de curto prazo. Não quer apresentar explicitamente os problemas da Segurança Social. Esta solução encontrada vai evitar que o problema se torne visível neste horizonte de três anos, durante o mandato deles. Por outro lado, aqueles que foram sempre defensores da grande disciplina e grande rigor orçamental, querem agradar aos pensionistas e resolver o grande trauma”, aponta.
Se o problema fossem 1000 milhões ou 600 milhões, continua Miguel Teixeira Coelho, a questão não seria tão complexa. Portanto, concede o economista, “não é uma loucura” atualizar as pensões em 8%, como exige o PSD. “É o fim do mundo fazer um aumento desta dimensão? Não é.” O problema é muito maior do que esse.
“O Sistema da Segurança Social tem problemas há muito tempo e sabemos que não vai resistir nos moldes em que funciona. É uma realidade matemática. O que andamos a discutir é isto: o indivíduo está praticamente falido; quer ir almoçar fora. Vai a Setúbal ou Tróia?”, ironiza. “Enquanto assim for, não vamos a lado nenhum.”
À procura do eleitorado perdido
Existe há muito a convicção instalada no PSD de que o partido não está a conseguir entrar no eleitorado mais velho e menos qualificado, sobretudo pensionistas, segmentos em que continua a perder por larga diferença para os socialistas. A herança da troika parece ter delapidado uma base eleitoral que Aníbal Cavaco Silva se esforçou por seduzir durante os anos 80 e que, de 2015 a esta parte, parece irremediavelmente afastada.
Na moção estratégica que apresentou, Luís Montenegro reconhecia isso mesmo: “O PSD tem vindo a perder eleitorado, tem hoje um afastamento de grupos demográficos (designadamente os eleitores mais velhos, os de mais baixas qualificações e os funcionários públicos, mas também o eleitorado mais urbano, apesar de mitigado com algum reforço no eleitorado mais jovem e com melhores qualificações, que queremos igualmente fazer crescer)”.
Não é sequer uma inovação de Montenegro. Antes, Rui Rio argumentava o mesmo. “[Nos últimos dez anos, existiu uma] perda significativa do eleitorado sénior (principalmente pensionistas e reformados que constituíam um dos pilares mais sólidos do eleitorado PSD, desde a década de 90). É precisamente esse eleitorado que é hoje o principal suporte do Partido Socialista.”
Curiosamente, os dois, Montenegro e Rio, acusavam o PS de fazer o mesmo: aproveitar os anos de governação para blindar eleitorado. “A governação socialista tem condenado o país à estagnação e ao empobrecimento relativo, à destruição dos serviços essenciais do Estado, à falta de horizontes de esperança, para que o PS continue a gerir o curto-prazo e a redistribuir com critérios eleitorais”, escreveu o primeiro. “Esse eleitorado [os pensionistas] é hoje o principal suporte do PS”, anotou o segundo.
O que mudou entre um e outro foi que pela primeira vez em muito tempo existe a perceção no PSD de que as decisões teoricamente impopulares que o Governo tomou em matéria de pensionistas pode permitir aos sociais-democratas recuperar esse eleitorado – em rigor, é a grande oportunidade de inverter uma tendência que se tem verificado consecutivamente e foi particularmente evidente nas últimas eleições legislativas.
Em conversa com o Observador, durante os dias que passou no distrito de Viseu, Luís Montenegro admitiu que as recentes decisões de António Costa e a forma como as comunicou podem vir a reequilibrar a balança eleitoral a favor do PSD no futuro; mas recusou embandeirar em arco: este é o momento de denunciar as “habilidades” de António Costa.
Daí a especial cautela em entrar num debate – o do futuro da Segurança Social – que será sempre muito pouco popular e que traz de volta todos os fantasmas da troika. Basta ver a fita da última campanha para as eleições legislativas, em que Rio passou duas semanas a jurar que não queria privatizar a Segurança Social e Costa a insistir exatamente no contrário, ou o filme das eleições de 2015, em que Costa e Passos se perderam num debate sobre o corte ou não corte nas pensões.
Montenegro não quer cometer essa imprudência estratégica. O PSD vai insistir na troca de acusações com o PS, vai continuar a defender mais e melhores condições para os pensionistas e não vai deixar uma única pista sobre o que pretende para reformar o sistema de Segurança Social. Aliás, era isso mesmo que constava da moção estratégica do líder do PSD.
“A complexidade que rodeia o Sistema de Segurança Social (material e formalmente) tem vindo a ser aproveitada para uma instrumentalização ideológica que assegura, exclusivamente, a desinformação e a acentuação da iliteracia dos próprios beneficiários do sistema. Essa é a primeira batalha: conseguir que o debate seja feito de forma informada e transparente. Aquilo que não reconhecemos, não debatemos. Aquilo que não debatemos, não resolvemos, não melhoramos, não solucionamos”, escreveu.
E continuava. “A necessidade de debater o Sistema Público de Pensões e o correlacionado funcionamento do Sistema de Segurança Social é mais que uma necessidade indesmentível – é uma questão de honestidade, seriedade política e respeito pelos portugueses”. Por outras palavras, o PS que vá a jogo e depois logo se vê.