A aparição prematura de Pedro Passos Coelho na campanha foi um risco medido pela equipa de Luís Montenegro. Por um lado, permitiu arrumar um assunto que ameaçava tornar-se um embaraço até ao fim da corrida eleitoral e, ao mesmo tempo, permitir à Aliança Democrática assumir um discurso mais duro em relação à imigração e à (in)segurança – o que agrada, em teoria, a uma parte da direita. Em contrapartida, ninguém ignorava que a mera presença de Passos serviria de combustível à esquerda e permitiria recuperar um fantasma que Montenegro tenta afastar desde o primeiro minuto da sua presidência – o da troika. Para um líder que procura desesperadamente fazer esquecer os cortes das pensões feitos nesse período e reconciliar-se com o eleitorado mais velho, foi uma jogada de alta risco. Esta terça-feira, por isso mesmo, Montenegro tentou segurar as pontas e evitar uma excessiva contaminação da corrida da AD.
Quis a dinâmica da campanha que Luís Montenegro fosse interpelado por duas reformadas exatamente um dia depois de ter posado ao lado Pedro Passos Coelho. É verdade que Montenegro procurou esse momento – nas ruas desertas de Portalegre, não terá ficado um reformado por beijar, abraçar e cumprimentar. Foi tal o empenho que Montenegro chegou a cumprimentar duas vezes a mesma pessoa.
Como quem procura, encontra, o líder social-democrata lá se travou de razões com duas pensionistas que o confrontaram com os cortes feitos durante o período da troika e com a figura de Passos — chegaram msmo a dizer que António Costa, ao contrário do antecessor, subiu sempre as pensões. “Se algum dia tiver de cortar um cêntimo nas reformas, demito-me. Por mais que os nossos adversários tentem dizer isto para vos assustar, não acreditem. Não tenham medo”, prometeu-lhes Montenegro. Na resposta, as interlocutoras não recuaram: “Mas temos medo”.
É esse “medo” que a Aliança Democrática, e Luís Montenegro em particular, tenta afastar a todo o custo. As últimas sondagens, sobretudo a da Católica para o Público/RTP, indicia uma recuperação relevante da coligação junto do eleitorado mais velho, para níveis que o PSD (e o CDS) há muito não tinha – como o jornal Público escrevia, a AD já consegue 30% das intenções de voto entre os cidadãos com 65 ou mais anos; em 2022, a força do PS neste eleitorado era esmagadora e apenas um quinto dos mais velhos aprovava o PSD. Esta recuperação, sabe o Observador, coincide com os estudos de opinião internos que a equipa da coligação vai mantendo ao longo da campanha. Travar o eventual efeito “Passos” – que se presume que seja ainda negativo junto dos mais velhos – era, por isso, essencial.
De resto, a tracking poll revelada esta terça-feira pela CNN, e que dá a AD a cavar uma distância ainda maior face ao PS, ainda não reflete o sentido da opinião pública em relação à aparição de Pedro Passos Coelho na campanha. Só amanhã, quarta-feira, será possível medir, em parte, a reação dos inquiridos. Ainda assim, Montenegro não envidou esforços para conter os eventuais danos causadas: ao longo do dia, depois da arruada e no comício final, prometeu por duas vezes demitir-se se viesse a cortar “um cêntimo” nas pensões. Mais: Montenegro chegou a dizer que se demitiria caso não conseguisse aumentá-las tal como prevê. Uma aposta de alto risco.
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Cortes nas pensões? Do “papão” à “palavra de honra” de Montenegro
Ciente de que o PS e a esquerda tudo farão para centrar a campanha no efeito “medo” – medo da troika, medo da austeridade, medo dos cortes nos salários e nas pensões –, Montenegro tentou no discurso de final de dia, feito a partir da Covilhã, usar a força de Pedro Nuno contra ele próprio – o socialista só agita o medo, diz o líder do PSD, porque não tem mais nada para oferecer. Aliás, em grande medida, Pedro Nuno está a mimetizar parte da estratégia de António Costa, que, nas últimas eleições, chegou a acusar Rui Rio de querer “privatizar” a Segurança Social. Esta terça-feira, Montenegro tentou travar o agigantar desse papão.
“Não prometemos nada que não possamos cumprir. Não vale a pena fazerem uma campanha de medo sobre a AD. Cortes, caos e austeridade. Não vale mesmo a pena. Os portugueses são muito mais sabedores do que aquilo que alguns partidos pensam. Se querem fazer-nos uma campanha atacar-nos, até fico lisonjeado. Mas peço desculpa: não vou falar para vocês, vou falar para os pensionistas portugueses. E vou-vos dizer mais uma vez os três compromissos: vamos atualizar as pensões; vamos, sempre que possível, fazer aumentos extraordinários para as pensões mais baixas; e vamos fazer evoluir o valor de referência do Complemento Solidário para Idosos para 820 euros numa primeira legislatura”, enumerou o líder do PSD.
Antecipando o efeito que terão as imagens das duas reformadas a confrontá-lo durante uma arruada de campanha, Montenegro incorporou o episódio no discurso. “Hoje, fui interpelado por umas senhoras que me perguntaram sobre o que ia fazer. Eu disse-lhes: se um dia tiver de cortar um cêntimo numa reforma, nesse dia demito-me. Quero ser ainda mais claro: se eu falhar qualquer um destes três compromissos, abandonarei as minhas funções. É mesmo um compromisso de honra. Quem quiser lançar medo, pode fazê-lo. Eu acredito e confio no veredicto do povo português. É assim que vou estar na campanha eleitoral e é assim que vou estar como primeiro-ministro”, rematou.
Assegurar a reconciliação com o eleitorado mais velho é, desde o início, uma das prioridades de Luís Montenegro – tal como era a de Rui Rio, que rapidamente percebeu que era essa a grande fragilidade do PSD. O afastamento progressivo em relação a Passos serviu esse propósito. A inclusão de figuras do cavaquismo, como Leonor Beleza, e do próprio Cavaco Silva, alimentou essa mesma estratégia – o antigo primeiro-ministro e ex-Presidente da República continua a ser um símbolo da transformação do país para uma parte relevante das gerações de 40, 50 e 60 — os pensionistas de hoje e os do amanhã mais próximo.
O congresso de 25 de Novembro, o tal que teve como grande surpresa Cavaco Silva, foi o início oficial da reconciliação procurada, com Montenegro a falar pela primeira vez no aumento do Complemento Solidário para Idosos. Até ao fim da campanha, o objetivo de Montenegro é ser mais Cavaco do que Passos. Para já, acredita a equipa mais próxima de Montenegro, todo e qualquer dano que pudesse existir estará contido. Resta saber como vai ser a evolução nos próximos dias – que também está dependente da eficácia ou não da campanha dos adversários em torno do “medo” da troika.
Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador na Covilhã