As contas complicaram-se e o que antes era já uma missão difícil tornou-se agora uma tarefa hercúlea. Jorge Moreira da Silva partia para a corrida à liderança do PSD teoricamente atrás de Luís Montenegro e os desenvolvimentos dos últimos dias vieram cavar ainda mais esse fosso.
Na Madeira, até Alberto João Jardim, um dos mais ferozes críticos de Montenegro, se juntou à causa. Nos Açores, o quase sempre discreto José Manuel Bolieiro desfez-se em elogios ao antigo líder parlamentar. Em Viana do Castelo, Bragança, Castelo Branco, Vila Real, Guarda, territórios que também ajudaram a alimentar as vitórias eleitorais de Rui Rio, os sinais não são brilhantes.
Ouça aqui o episódio de “A História do Dia” sobre as eleições no PSD.
Montenegro ou Moreira da Silva, quem vai ganhar a liderança do PSD?
Depois há o rioísmo em si: Carlos Eduardo Reis, muito influente na nuclear região de Barcelos, e por arrasto em todo o distrito de Braga, juntou-se oficialmente à equipa como diretor de campanha e está agora a tentar atar as pontas soltas. Salvador Malheiro, um dos grandes artífices das três vitórias internas de Rio, continua agarrado ao telefone, mas não ainda com o fulgor de outras disputas eleitorais. João Montenegro, figura discreta e um dos que melhor conhece o partido, está no terreno, mas falta uma rede de apoio maior para trabalhar o aparelho social-democrata.
E, de entre todos, falta e vai faltar uma peça nuclear deste universo: José Silvano, um dos garantes da vitória de Rui Rio pelos quilómetros que fez nas últimas diretas e pelas horas de negociações com estruturas e líderes distritais e concelhios.
O ainda secretário-geral do PSD – um dos homens em que Rio mais confia – já fez saber aos mais próximos que não vai ajudar a candidatura de Jorge Moreira da Silva e que pretende estar equidistante nesta campanha interna.
Esta brecha deixa a máquina do rioísmo, a base de Jorge Moreira da Silva para assaltar a liderança do PSD, muito mais deslaçada. No entanto, a equipa do antigo ministro do Ambiente não entra em desesperos, até porque sempre reconheceu que o atraso com que partiu para estas eleições ia ser um obstáculo — um obstáculo, mas contornável.
Os contactos com as estruturas e com os homens do terreno vão-se intensificar nos próximos dias e as dificuldades sentidas não fogem muito ao guião pensado antes do arranque da candidatura. Os danos estão relativamente controlados. Mas existe a noção de que o caminho para a vitória é muito sinuoso, para dizer o mínimo. E para um resultado na casa dos 35-40%, que não envergonharia ninguém, começa a ficar cada vez mais estreito.
Moreira da Silva perdeu bilhete das ilhas
Esta semana, os dois golpes que vieram da Madeira e dos Açores foram surpreendentes para quem, no partido e fora dele, fazia a tradicional contagem de espingardas. Na Madeira, com mais de 2 mil votos em disputa – a quinta maior estrutura do país – quase todos os astros se alinharam em torno de Luís Montenegro, quando havia a expectativa de que Moreira da Silva conseguisse, pelo menos, partir a meio a bolsa de votos.
Montenegro conseguiu juntar Miguel Albuquerque, Pedro Calado, autarca do Funchal e possível sucessor, e Alberto João Jardim na mesma sala, feito notável dada a antipatia pública e conhecida do ex-presidente do Governo Regional da Madeira pelo antigo líder parlamentar – numa recente entrevista ao Observador escusou-se a comentar a figura de Montenegro dizendo apenas “desculpe, mas não sou da maçonaria”.
A hipótese de explorar as rivalidades regionais madeirenses – o que poderia valer bastantes votos – parece, por isso, ter-se esfumado para a candidatura de Moreira da Silva. E também aqui se vê as dificuldades em arregimentar tropas: Pedro Coelho, autarca de Câmara de Lobos, é visita de casa de Salvador Malheiro e era peça importante nas contas do rioísmo; desta vez, no entanto, não consta que vá mexer um músculo para ajudar Jorge Moreira da Silva.
Para esta comunhão de interesses em torno de Luís Montenegro não terá sido inocente o facto de estarem marcadas eleições regionais para daqui a um ano – Miguel Albuquerque terá mesmo dado a entender que este não era o tempo para divisões absurdas.
Já nos Açores, mais do que o número de votos que está em jogo, o sinal de apoio dado por José Manuel Bolieiro, presidente do executivo e líder do PSD/Açores, a Luís Montenegro foi celebrado com euforia na equipa do antigo líder parlamentar — o Observador recebeu várias mensagens de apoiantes de Montenegro com referências ao apoio manifestado por Bolieiro.
Não é para menos: mesmo tendo sido vice de Rio, com quem sempre manteve boas relações, Bolieiro não se atravessou por ele nas últimas diretas; agora, não hesitou em juntar-se a Montenegro, acabando com o estatuto de neutralidade.
Até António Ventura, homem forte do PSD na Ilha da Terceira, e interlocutor privilegiado do rioísmo nos Açores, e que seria um apoio importante para Jorge Moreira da Silva, estará disposto a apoiar Luís Montenegro.
De resto, não terão caído bem as palavras de Moreira da Silva sobre a relação que o PSD deve ter com o Chega, que, apesar de todas as ressalvas do antigo ministro, acabaram por comprometer o governo regional.
Nem de propósito, no discurso que fez nos Açores, esta quarta-feira, Montenegro aproveitou o balanço para desafiar o adversário a pronunciar-se sobre a solução política encontrada pelo PSD nos Açores. A vingança pelo embaraço causado em torno do tema “Chega” estava servida.
O voto livre chega? Os números que não mentem
Mesmo com o antecedente Rio-Rangel – o eurodeputado era francamente favorito e perdeu as eleições –, os factos são o que são: olhando para as estruturas do PSD, a grande maioria está do lado de Luís Montenegro. O facto de ter ficado evidente que Moreira da Silva terá francas dificuldades em explorar politicamente as regiões autónomas, ajudou a consolidar essa perceção.
Neste contexto, com as peças insulares a moverem-se a favor de Montenegro, o DN/Madeira escreveu que Jorge Moreira da Silva tinha pedido para adiar as deslocações previstas para a Madeira (e consecutivamente aos Açores), sem reagendar ainda novas datas. Ainda assim, a candidatura terá garantido manter todo o interesse em visitar as estruturas regionais durante o período de campanha interna e o Observador sabe que tal deve acontecer a 17 e 18 de maio.
Seja como for, a estratégia de Jorge Moreira da Silva foi sempre pensada para viver para lá das lógicas tradicionais do aparelho e assenta sobretudo em três estacas: o rioísmo, o apelo ao voto livre e o efeito anti-Montenegro.
Mesmo menos pujante, a máquina que sustentou Rui Rio continua a trabalhar. Mas outras duas dimensões continuam a dar indicadores menos felizes para Jorge Moreira da Silva. Até ao momento, o facto de só existirem 38 mil militantes em condições de votar – o prazo para pagar quotas termina daqui a cinco dias – indicia que o partido não está tão mobilizado como em eleições anteriores, o que reforça o poder de quem colhe, neste momento, o apoio das estruturas – Luís Montenegro, leia-se.
Depois, o alegado sentimento de rejeição que existe em torno de Luís Montenegro será, até ao dia da contagem dos votos, 28 de maio, difícil de medir – só aí será possível perceber se a vontade de impedir que o antigo líder parlamentar suceda a Rio é suficiente para arrancar as pessoas de casa para irem votar em Jorge Moreira da Silva.
Mais a mais, o antigo ministro do Ambiente terá ainda de contrariar a perceção que se vai instalando um pouco por todo o partido de que o jogo está entregue a Montenegro. Moreira da Silva só conseguirá manter a onda vendendo a ideia de que é possível contrariar as probabilidades.
Com a campanha interna a aproximar-se da fase mais decisiva, os próximos dias serão determinantes para as aspirações de Moreira da Silva. As incursões pelo terreno devem aumentar, os telefonemas e os jantares também, a apresentação da moção de estratégia algures até 16 de maio será um momento nobre para vincar as diferenças face a Montenegro e é previsível que a agenda mediática se torne mais intensa. As contas são difíceis e complicaram-se. Mas não há impossíveis.