O maior acionista do Millennium BCP, a Fosun, conseguiu recuperar uma grande parte do dinheiro investido no banco vendendo apenas um terço da participação que tinha há poucos meses (uma participação que era de quase 30% e desceu para pouco mais de 20%). Os chineses investiram no banco cerca de 550 milhões de euros, sabe o Observador, desde 2016 e, graças ao “pulo” que as ações deram em 2023, a venda de menos de 10% do capital permitiu encaixar pelo menos 415 milhões de euros. É um negócio chorudo para a Fosun, que tem estado sob algum “stress” financeiro, mas deixa o BCP num “limbo” acionista, já que o outro grande acionista – a Sonangol – não é um sócio especialmente “empenhado”, diz um analista.
Sem que disso tenha havido notícia na altura, os chineses venderam em bolsa mais de 4% do capital do banco nas últimas semanas. Segundo o relato feito esta terça-feira pela Reuters, essas vendas (em bolsa) aconteceram entre 13 de novembro de 2023 e o último dia 9 de janeiro. Foi assim que os chineses começaram por aproveitar a forte valorização das ações do BCP ao longo do ano passado: cada título começou o ano de 2023 a valer cerca de 15 cêntimos e terminou o ano em 27 cêntimos – ou seja, as ações quase duplicaram e a chinesa não quis perder a oportunidade de garantir uma mais-valia.
Mas a Fosun não se ficou pelas vendas em bolsa de cerca de 4% do capital. Esta terça-feira, anunciou que vendeu mais 5,6% do capital do BCP, de uma assentada, numa colocação privada que foi orquestrada pelo UBS, banco suíço que garantiu a venda desses títulos a outros grandes investidores internacionais.
A segunda operação rendeu 235 milhões de euros, segundo confirmou a Fosun em comunicado ao mercado, ao passo que a primeira poderá ter resultado num encaixe superior a 175 milhões de euros, a julgar pelos valores a que as ações do BCP foram negociadas em bolsa no final do ano passado e início de 2024. Ou seja, para a Fosun, bastou vender um terço da participação para recuperar mais de 75% do dinheiro que investiu no banco. E continua a ser o maior acionista.
Negócio da China. Como a Fosun aproveitou a subida do BCP
O primeiro investimento da Fosun no BCP foi feito em 2016, quando 175 milhões chegaram (e sobraram) para comprar 16,7% do banco – ou seja, a Fosun conseguiu entrar no BCP a um preço que pressupunha uma avaliação total não muito distante de mil milhões de euros. Agora, o banco vale mais de quatro mil milhões de euros em bolsa e, por isso, foi possível encaixar 235 milhões vendendo apenas 5,6% – o que pressupõe uma avaliação total superior a quatro mil milhões.
Pelo meio, depois da compra desses 16,7% iniciais (a um preço que, hoje, se pode considerar uma pechincha) os chineses continuaram a reforçar a participação no BCP (a preços um pouco mais altos). E aproveitaram, sobretudo, o aumento de capital de 2017 para reforçar uma participação que em junho do ano passado já tinha chegado aos 29,95%. Nos últimos anos, porém, a Fosun passou a estar sob pressão dos investidores e das agências de rating devido à montanha de dívida que ascende a cerca de 38 mil milhões de euros – o grupo chinês teve de vender alguns anéis para evitar vender os dedos.
“Esta decisão pode ter sido uma tentativa de aproveitar a oportunidade para realizar mais-valias” depois da forte valorização das ações em 2023, diz Vítor Madeira, analista da corretora XTB. “Além disso, as perspetivas macroeconómicas para o banco podem já não ser tão favoráveis, criando assim uma janela de oportunidade para a realização de lucros”, assinala o especialista. O BCP, tal como os outros bancos, tiveram um ano muito positivo (e dificilmente repetível) em 2023, beneficiando da subida rápida das taxas Euribor.
As vendas em bolsa feitas entre 13 de novembro e 9 de janeiro fizeram com que os chineses tenham passado a controlar só cerca de 25,6% da instituição liderada por Nuno Amado (administração) e Miguel Maya (comissão executiva). E, com a colocação privada desta semana, a participação acionista fica reduzida a 20,03% – ainda assim um pouco mais do que os angolanos da Sonangol, que têm 19,49% segundo as últimas informações disponíveis.
Oficialmente, o BCP diz ter sido “informado de que a intenção da Fosun é de manter uma participação acima dos 20%, permanecendo como acionista de referência“. Mas a forte queda das ações nesta terça-feira, de quase 7%, é um sinal de que os investidores acreditam que as vendas não terão ficado por aqui. A Fosun, através de fonte oficial, garantiu que esta venda foi “um comportamento de investimento normal e uma operação financeira” que “não deve ser interpretada como um sinal de que a Fosun deixou de estar otimista em relação ao mercado português sob quaisquer circunstâncias”.
Porém, esta declaração pode não ser totalmente tranquilizadora porque em julho de 2022, o presidente da Fosun, Guo Guangchang, tinha dito ao Expresso que “não está previsto qualquer desinvestimento em Portugal”. Mas o desinvestimento aconteceu mesmo e já abrangeu, pelo menos, quase 10% do BCP, um terço da participação máxima que a Fosun chegou a ter. E em setembro fonte oficial da Fosun garantia ao Jornal de Negócios que “apoia[va] fortemente o crescimento e estratégia” do banco – e não só do BCP mas, também, da Fidelidade (onde tem 85%) e da sua subsidiária Luz Saúde, que deverá ver o capital cotado em bolsa nos próximos meses.
“O BCP está bem e recomenda-se”, garante Nuno Amado
Existe a garantia de que, pelo menos nos próximos dois meses, há um acordo de lock up que impede a Fosun de vender mais. Um analista, que segue as ações do banco mas preferiu não ser identificado, salienta que normalmente os períodos de lock up são um pouco mais longos, de três meses, o que terá contribuído para se formar a ideia nos mercados, esta terça-feira, de que a Fosun poderá vender mais em breve. Isto cria uma espécie de “nuvem negra”, explica, sobre os títulos cotados em bolsa.
As ações do BCP caíram quase 7%, na primeira sessão bolsista após serem conhecidas as duas vendas (a venda gradual em bolsa e a colocação privada). O comunicado não fazia qualquer referência, como por vezes acontece nestes casos, a um excesso de investidores interessados nos títulos. Esse facto gerou uma perceção nos mercados de que o UBS não teria conseguido vender todos os títulos a outros investidores e, por isso, o banco suíço poderá ter tido de fazer a chamada “tomada firme”.
Isso pode significar que poderá ter de os vender mais tarde, em bolsa, o que gera o mesmo efeito penalizador para as ações. Mas este é apenas um dos elementos de incerteza para o BCP nos próximos tempos, já que o outro grande acionista – os angolanos da Sonangol – reitera frequentemente que está comprometido com o banco mas os anos de “vacas magras” terão gerado algum desconforto em relação a este investimento que só em 2024 poderá pagar alguns dividendos.
O Jornal de Negócios noticiou há poucas semanas a existência de um documento da Sonangol, datado de 24 de agosto de 2020, onde se diz que “o investimento em ações no Millennium BCP não foi uma decisão financeira estratégica da Sonangol EP, mas sim feito sob mandato governamental e vem contribuindo, ao longo da sua existência, para a degradação dos resultados da empresa em função das imparidades que vem causando repetidamente”.
Ainda assim, Nuno Amado, presidente do conselho de administração do BCP, veio dizer ao final da tarde que “não há receios” em torno do banco. “O BCP está bem e recomenda-se”, afirmou Amado, em resposta aos jornalistas à margem de um evento público.
Mas “o facto de a Fosun ter vendido um terço da sua posição, e não ter afastado a intenção de vender mais no futuro, e as declarações recentes da Sonangol mostram que os dois principais acionistas do banco não estão propriamente muito empenhados em serem os personagens principais do futuro do BCP”, afirma Filipe Garcia, da consultora IMF – Informação de Mercados Financeiros.
BCP envolvido em Fusões & Aquisições? Não é provável
Para Filipe Garcia, neste contexto “o tema do controlo do BCP a longo prazo continua em cima da mesa, agora com mais free float no mercado” já que os dois maiores acionistas já controlam menos de 40% do banco.
Por outro lado, Filipe Garcia acrescenta que “o BCE tem expressado, seja em comentários, seja por via de legislação, que vê com bons olhos operações de consolidação bancária e também tem dado a entender que a detenção de capital dos bancos por entidades não europeias não é o cenário que prefere“. Com um acionista chinês e um angolano como principais donos do capital, o BCP fica num limbo: “o tema da estrutura acionista do BCP, a longo prazo, deve ser visto por este prisma”.
O outro especialista ouvido pelo Observador, porém, tem uma visão mais positiva acerca desta operação. Embora possa ser penalizador para as ações do BCP no curto prazo, o analista que segue as ações do banco diz que “a longo prazo pode ser bom para o BCP porque poderá ter uma estrutura acionista mais semelhante à da generalidade dos bancos europeus, onde por regra não existem grandes acionistas de referência”, muitos menos acionistas associados a empresas estatais não-europeias.
Porém, este analista sublinha o facto de que a Fosun, a fazer fé naquilo que comunicou ao mercado, não irá descer a participação para menos de 20% nos próximos tempos. Pelo que o banco tem “uma oportunidade para preparar o novo plano estratégico que irá apresentar ao longo de 2024 e que deverá focar-se no aumento do retorno para os acionistas”, afirma o especialista.
O que não está nas previsões deste especialista é que o BCP se venha a envolver em movimentos de Fusões e Aquisições nos próximos tempos, “porque vários responsáveis bancários na Europa têm dito que a situação atual nos mercados não é propícia a que haja grandes operações transfronteiriças“. E no plano interno? “Só se houvesse a garantia de que seria possível obter grandes sinergias”, diz o analista, lembrando que operações desse tipo “têm sempre um grande risco de execução“.