A Inspeção-Geral de Finanças (IGF) não conseguiu validar os critérios de atribuição de apoio público extraordinário dado a 13 órgãos de comunicação social no quadro das medidas de emergência de ajuda ao setor por causa da pandemia. Numa auditoria entregue no Parlamento, e a que o Observador teve acesso, a Inspeção-Geral de Finanças indica que os cálculos que determinaram o valor dos apoios e a sua distribuição pelas empresas de media não são públicos e pela informação recebida “foram fornecidos pelos próprios grupos e empresas detentoras de órgãos de comunicação social, com condição de salvaguarda do segredo comercial”.
Em maio de 2020, o Governo anunciou um pacote de 15 milhões de euros de apoio ao setor dos media, muito penalizado pela queda do investimento publicitário no primeiro confinamento. O programa assentou na compra antecipada de publicidade institucional, através de ajuste direto, aos órgãos de comunicação social por 18 meses. Deste pacote, 11,25 milhões de euros eram destinados a 13 órgãos de comunicação social nacional, mas acabaram por sair cinco empresas. Duas não apresentaram candidatura — uma delas foi o Observador e a outra a dona do jornal online Eco, sendo que a omissão dos critérios de distribuição das verbas foi um dos argumentos invocados.
Observador rejeita apoio governamental concedido ao abrigo de programa destinado aos media
A IGF, órgão de auditoria interna do Estado, também destaca esta ausência, ao defender que o modelo de apoio aos media seguido por Portugal “não adotou critérios consistentes e auditáveis de distribuição proporcional pelas empresas e grupos que compõem os órgãos de comunicação social de âmbito nacional quanto aos 11,25 milhões de euros (75% do total) que foram repartidos (…) pois os dados considerados nos cálculos efetuados não são públicos e foram fornecidos ao SECAM (secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media) com salvaguarda do segredo comercial, o mesmo se passando quanto à informação da plataforma dos media privados ou da Marktest”.
A auditoria cita ainda o relatório de 2021 da Comissão Europeia sobre o estado de direito em Portugal que destaca a concentração das medidas de apoio em três grupos empresariais — Impresa, Media Capital e Cofina — aos quais foi entregue 56% do apoio total inicialmente previsto de 15 milhões de euros.
Para além dos dois grupos que não concorreram, outros três grupos não cumpriram os requisitos legais, nomeadamente por inexistência de certidão comprovativa de não dívida à Fazenda Pública (Fisco), o que resultou na caducidade da adjudicação com a redução da despesa em 600 mil euros. Estão nesta situação a Trust in News (dona da revista Visão), a Megafin (editora jornal Económico) e a Newsplex (jornais Nascer do Sol e Inevitável). A IGF detetou casos de adjudicação de publicidade institucional mesmo sem a referida certidão, ainda que mais tarde a situação tenha sido regularizada, segundo a entidade pública que a contratou.
De acordo com a IGF, e com base nos dados do regulador da comunicação social (a ERC) as medidas de apoio anunciadas pelo Governo deixaram de fora 26 grupos de âmbito nacional. Há o caso de um grupo detentor de nove empresas com várias publicações periódicas nacionais de informação geral e especializada que se queixou de ter sido preterido, não obstante cumprir o critério definido pela ERC de ter o registo ativo. E o número de órgãos regionais abrangido ficou muito aquém do total registado pela Entidade Reguladora da Comunicação Social 493 versus 722 das quais 620 de informação geral.
Estado contratou descontos muito inferiores aos do mercado
A auditoria identificou ainda que os descontos aplicados na compra antecipada de publicidade institucional, e que foram transmitidos pelo gabinete do membro do Governo da tutela — o programa foi promovido pelo Ministério da Cultura, liderado por Graça Fonseca, e pela Secretaria de Estado de Nuno Artur Silva — à ESPAP (Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública) e outras entidades contratantes, “afastam-se dos referenciais praticados no mercado”. O que neste caso quer dizer que são inferiores aos descontos feitos pelas empresas de media à generalidade dos anunciantes em contexto de mercado.
No caso da televisão, os descontos face à tabela foram de 60% a 65%, quando a prática do mercado é de mais de 85%. Na imprensa escrita e na rádio, o desconto de 40% a 45% também ficou aquém dos descontos normais que chegam a ultrapassar os 90% no caso da imprensa. Uma das recomendações da auditoria vai no sentido das entidades públicas adjudicantes procurarem obter o maior desconto possível face à referência de mercado.
Até julho do ano passado, as entidades públicas tinham realizado pagamentos de 14,1 milhões de euros, mas só tinham sido confirmadas inserções no valor de 10,9 milhões de euros. Desta diferença, refere a IGF, resulta um crédito de 3,2 milhões de euros. Quase metade desse crédito pertence à Direção-Geral de Saúde. No caso dos órgãos locais e regionais os valores pagos e consumidos eram inferiores a 25%.
Outra realidade destacada pela IGF é o facto de cinco das entidades públicas terem suportado despesas excecionais de 1,7 milhões de euros para contratar serviços especializados a agências e outras entidades de forma a executar as ações de publicidade institucional. Nem todas estas contratações foram autorizadas previamente pela tutela, mas esta irregularidade ainda pode ser ratificada, refere a auditoria.
Medida não foi avaliada previamente
Para efetuar o pagamento antecipado de publicidade institucional foram selecionadas nove entidades públicas — a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), a Direção-Geral de Saúde (DGS), o gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral, o Instituto de Turismo de Portugal e secretarias-gerais dos ministérios da Presidência do Conselho de Ministros, da Administração Interna, da Educação e Ciência, do Ambiente e Ação Climática e do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Destas entidades, o valor previsto para a DGS foi de longe o mais avultado, sete milhões de euros.
Foram também detetadas cedências de crédito de umas entidades para outras, procedimento não previsto na lei, no valor de 771 mil euros.
A IGF refere ainda insuficiências na adequação da medida de apoio escolhida pelo Governo, destacando que não houve uma avaliação prévia de outras medidas de apoio, para além da aquisição antecipada de publicidade, que equacionasse o valor acrescentado desta intervenção do Estado, a seleção dos meios mais adequados de apoio face aos objetivos a relação custo-eficácia, como está estabelecido na lei de enquadramento orçamental.
Mais de 20 países europeus promoveram ajudas extraordinárias ao setor dos media, mas apenas Portugal, Bélgica e Espanha o fizeram através de compra de publicidade institucional. Outros aplicaram redução de impostos como o IVA, apoios à distribuição gratuita de jornais, pagamento parcial de salários de jornalistas ou subsídio para pagamento de rendas das empresas.
A auditoria revela ainda que as entidades proprietárias dos órgãos contemplados com a compra de publicidade antecipada tinham recebido subvenções públicas (subsídios e apoios) de 23,6 milhões de euros em 2020.
Entre várias recomendações feitas, a IGF aconselha o Governo a ponderar a alteração do quadro normativo que rege a publicidade institucional do Estado de forma a reforçar o interesse público e a utilidade das campanhas, bem como um adequado planeamento, monitorização e avaliação de resultados.