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Ao primeiro contacto para combinar a entrevista, Nilton achou melhor precaver-se de quaisquer investigações: “Eu juro que não coloquei à venda por 5.7 [milhões de euros]. Foi muito menos”. O caso Robles ainda serviu para uma piada nesta Summer Session, as entrevistas no terraço do Observador inauguradas na semana passada com Nuno Sebastião, CEO da Feedzai. Talvez o interesse no escândalo que levou à demissão do vereador do Bloco se explique pelo que Nilton ainda quer fazer, depois de 20 anos de carreira: um daily show que use a política e assuntos do dia-a-dia (“da Madonna às eleições do Sporting”) para comentário humorístico, como acontece nos Estados Unidos, com programas como os apresentados por John Oliver e Trevor Noah. Problema? “Na televisão portuguesa, conseguimos ver o que é bem feito, pegamos nisso e invertemos tudo”.
Aos 46 anos, Nilton já foi muita coisa: DJ, decorador de interiores, apresentador do talk-show 5 para a Meia Noite e radialista. Continua a animar o Café da Manhã, da RFM, e a fazer espetáculos ao vivo e apresentações em empresas. As últimas ainda são “a grande faturação” da sua própria empresa, porque, como diz, é um “humorista com Excel”, que “vende comédia”.
Em conversa com o Observador, entre goles num sour de fambroesa que aceitou “para ser bonito” (no dia-a-dia só bebe “água e coca-cola”), Nilton Rodrigo Farinha Rodrigues falou dos tempos em que andou a propor sessões de stand-up comedy em bares do Bairro Alto, do sentido de humor dos portugueses, da ligação à Angola em que nasceu, do hotel da Foz da Sertã onde os seus pais se “refugiaram” depois do 25 de abril e das redes sociais, da “velhinha chata” que é o Facebook — onde tem mais de um milhão de seguidores — ao “mais cool” Instagram. Sempre com descontração e humor, a que nem escapou o barman, o italiano KikoPericoli, que Nilton já conhecia: “Tens o mesmo síndrome que já apontei ao Chakall: quantos mais anos vives cá, pior falas português. Isso é claramente uma estratégia de engate”.
[Veja no vídeo o best of da entrevista a Nilton no terraço do Observador]
Humorista com Excel, “até se fosse carpinteiro”
Olá, Nilton. Bem vindo ao terraço do Observador.
Obrigado, obrigado pelo convite. Devo avisar-vos que se um francês vê este terraço vocês vão ficar sem isto, porque vai comprar isto. Um francês ou o Robles. Malta que investe.
Não bebes regularmente, pois não?
Nunca bebo álcool. Sou um totó. Não bebo álcool, não fumo, não bebo café. Sou um totó, mesmo.
Foi sempre assim?
Com 15, 16 anos fazia umas festas de garagem e percebi que fazia mais sentido deixar os meus amigos beberem e ficar eu com as miúdas do que o contrário. Então tem muito a ver com isso também, uma lógica de estratégia de engate de adolescente [sorri]. Mas não, nunca liguei. E fui DJ muitos anos… costumo dizer que se não bebi na altura que era de borla, vou beber agora a pagar? Era só parvo.
Iniciaste um percurso no humor em 1997, 1998. Já passaram 20 anos. Quando é que percebeste que era mesmo possível fazer carreira no humor?
Costumo dizer que seria humorista mesmo que fosse carpinteiro, porque o humor é um estado de alma, um estado de espírito. Tu és humorista e fazes humor no teu dia-a-dia e brincas com a desconstrução do que está à tua volta. A dada altura, estou no Teatro A Barraca a fazer um teste às quintas-feiras e um dia o Júlio César vai lá com o Raul Solnado e são eles que assinam por baixo para eu ir atuar no Casino Estoril, onde o Júlio César na altura era diretor artístico. O Júlio convida-me e é aí que percebo que podia viver da comédia. Porque até aí… era uma brincadeira. Percebi claramente que isto fazia sentido. Sou muito estratégico, faço humor mas tenho uma empresa e vendo comédia, porque sou um humorista com Excel, no final do ano faço balanços. Tenho uma empresa, em que as pessoas reúnem, tentam perceber o que é que não funcionou e onde é que podemos faturar mais. É uma coisa menos…
… Romântica?
Romântica. É um lado menos romântico da coisa. Tenho essa abordagem. Logo no início percebi: há aqui um filão, realmente, mas não consigo encher salas, por acaso o Casino Estoril contratou-me mas não vou encher uma sala porque ninguém me conhece de lado nenhum. Não havia [o programa da SIC] Levanta-te e Ri, não estava na televisão, na rádio, nada. Então começo a atacar o lado empresarial. Ainda hoje a grande faturação da minha empresa continua a vir daí, exploro muito o lado empresarial. Tudo o que é empresas nacionais ou multinacionais que fazem lançamentos de produtos e de outras coisas, sou muitas vezes solicitado para isso e exploro muito isso. Os grandes cliques são dois: primeiro o Júlio César, depois perceber que, no lado empresarial, quando não havia dinheiro para a miúda bem vestida e com decote, até podiam querer um tolo que fosse lá dizer umas parvoíces.
Há uma história sobre uma primeira ou segunda atuação sem microfone…
Foi com o Júlio César! No dia em que o Júlio César vai à Barraca. Tinha comprado um “micro” sem fios e andava todo contente. Andei a explorá-lo tanto durante a semana que fiquei sem pilhas a meio da atuação. Lá tinha um megafone e foi com o megafone que fiz o resto do espetáculo. Esse é o lado bom de atuares ao vivo. Quando me pedem para escolher um meio [preferido], escolho sempre o palco, porque aí improvisa-se. É o meio mais honesto, é onde se ganha estaleca, no confronto com o público. É um bocadinho como teres uma pista de dança cheia e ires trocando e atirando bolas para lá, recebendo gargalhadas e reações. Esse início, de atuar sem ninguém saber quem és ou o que fazes, é que me deu estaleca. Esses episódios que nos levam a pensar “o que é que faço agora” são ótimos. Não podes dizer que vais para casa, tens ali pessoas à frente e tens de te safar.
É o sítio que te preenche mais?
É o mais honesto. Estás num monólogo em palco… Atuei uma vez para 27 pessoas, é o meu mínimo. 27 médicos homens urologistas, malta com muita galhofa como se calcula [risos]. E já atuei na Expofacic [em Cantanhede] para 40 e tal mil pessoas. Tenho esses dois extremos, e tanto num como noutro continuo a dizer a mesma coisa: é super honesto, altamente democrático. As pessoas acharam graça, vão-se rir, se não acharem não se vão rir. E a culpa é só do humorista, não é das pessoas que não entenderam as piadas. Gosto desse ringue de boxe que há entre mim e o público, gosto dessa luta, de agarrar as pessoas e trazê-las para o palco, gosto muito de improvisar em palco. É um desafio constante porque não há dois espetáculos iguais, há coisas que às vezes funcionam melhor num lado do que noutro. Portanto, sim, é o que me preenche mais.
Qual foi o sítio mais estranho em que atuaste?
Há uns anos fui atuar a Connecticut, aos Estados Unidos, e foi estranho, porque foi para um público que adora Portugal, que o vive de uma forma muito intensa, mas que não faz a mínima ideia do que é que se passa em Portugal. Uma coisa é fazer um Coliseu de Lisboa, um Coliseu do Porto, um Tivoli, uma sala qualquer em que as pessoas pagaram bilhete e conhecem o teu material. Aí é mais fácil. Quando caio em sítios em que não percebo quem é que está à minha frente utilizo uma técnica: no início, faço uma piada mais fácil, faço uma de atualidade e faço uma mais rebuscada. Com essas três piadas, percebo perfeitamente que público é que tenho à frente, pelas reações. Mas há alturas em que não se consegue mesmo perceber e esse [espetáculo em Connecticut] é um bom exemplo, porque era um público que obrigava a uma leitura constante. Houve altos e baixos, momentos fortes e momentos em que as pessoas não reagiam. Também aconteceu o mesmo em bares, no início da minha carreira. No Casino Estoril, por exemplo, era muito assim, a malta sentava-se e dizia: “Então pronto, isto agora é o quê? Vai contar anedotas? Não? Então agora faz-me lá rir”. Estava ali numa leitura constante das plateias. Hoje sou um sortudo porque as pessoas que pagaram bilhete já sabem minimamente quem sou, reconhecem-me. A mim e a outros colegas, em parte por culpa de o fenómeno stand-up ter explodido da forma que explodiu em Portugal e as pessoas já saberem o que é aquilo.
Dizes muitas vezes que tens um lema de vida: só fazer aquilo que te apetece. É possível fazer isso na plenitude? E conciliar isso com objetivos empresariais?
A primeira vez que disse essa frase a minha mãe chamou-me à atenção, porque podia soar arrogante, podia dar a ideia de que ganhei o Euromilhões e só faço o que me apetece. Não é isso. Quando digo que só faço o que me apetece, tem a ver com ser honesto. Em televisão, em quase 20 anos de carreira profissional, tento não nadar para fora de pé. Não sei cantar e se me pedires para cantar agora, não faz sentido, se é uma coisa em que não me sinto à vontade. Fiz quatro programas de televisão em 20 anos. Não faz sentido ir de repente fazer um programa daytime [diurno] para as senhoras de casa porque aquilo não faz sentido para a minha carreira. Não sou eu, estaria a ser desonesto para com o público. Só faz sentido fazer coisas que me divirtam, que goste de fazer e aí sim vou empenhar-me ao máximo e dar o máximo de mim para conseguir fazer um bom trabalho e conseguir ter frutos disso.
Há coisas que não vale a pena. Se não gosto e não me vou divertir, não vou gostar de fazer. Portanto, faço o que me apetece. Depois tenho a sorte de as coisas em que me vou metendo durarem algum tempo e os programas ou seja o que for terem sucesso suficiente para me irem aturando durante uns anos. Sempre com a máxima estratégica de que o artista não deve precisar da sua arte para viver. É um conselho que dou a toda a gente. Qualquer que seja a tua arte, tenta ter alguma cabeça na poupança e nos investimentos porque depois, se começas a pensar que tens de fazer um trabalho para ganhar dinheiro, o público vai notar, mais dia menos dia. Vais estar a fazer uma coisa que não faz sentido na tua carreira e tens que pensar nisto como uma maratona e não como uma corrida de cem metros. Portanto, voltamos à lógica do cromo estratega que não está só a contar umas piadas.
Com a experiência de estar dos dois lados, é-te fácil perceber isso, quando as coisas são feitas apenas por necessidade financeira, quando há um condicionamento financeiro forte?
Sem ser a Fernanda Câncio a escrever sobre o Sócrates? Sim, consegue-se perceber quando é que a pessoa está a fazer uma coisa que não é intelectualmente honesta. Mas cada um sabe de si, a sociedade é livre. Observo isso muitas vezes mas todos cometemos erros. Às vezes quando são amigos… se me pedem opinião, digo que devia fazer isto ou aquilo. Olhe, não devia comprar aquela casa porque está na câmara de Lisboa e isso vai correr mal. A não ser que te chames Silva porque aí ninguém vai desconfiar. [Risos] Ricardo Silva, alguém vai perceber que é o mesmo? Mas se te chamares Robles, se calhar mais dia menos dia, alguém vai saber. Mas cada um sabe de si.
A que tipo de coisas é que já disseste que não?
Publicidades, por exemplo. Com marcas que não faziam sentido para a minha carreira, em que não fazia sentido estar a fazer aquilo. O mercado publicitário é um mercado rico. Programas de televisão, também. Havia um diretor de televisão que me dizia que eu era a única pessoa em Portugal que já lhe tinha recusado três programas em dois canais diferentes. Voltamos à mesma lógica, não fazia sentido. Na altura [das recusas] queria fazer um talk-show. Persegui-o e acabou por acontecer com o 5 para a Meia Noite, onde estive sete anos. Não fazia sentido fazer outra coisa, aquilo era o que queria fazer. Sou muito obstinado e obsessivo nessas coisas e andei muitos anos a perseguir isso. E às vezes num meio tão pequeno, em que há pessoas que vão atender telefonemas de madrugada a malucos que ligam para lá para poderem aparecer na televisão… Se não é o meu objetivo de vida, não faz sentido.
A saída do 5 para a Meia Noite foi emotiva?
Eu não “saí” propriamente. Durante sete anos, o 5 para a Meia Noite teve um formato com cinco apresentadores no mesmo espaço. Esse formato acabou. Fui o único que estive esses sete anos. E pronto, acabou esse formato e ficou a Filomena [Cautela] a fazer as quintas-feiras e muito bem, está super bem entregue. A RTP deixou de apostar naquele formato, perguntou-me se queria propor algum desafio para a estação e eu disse que naquele momento não havia nada que quisesse propor. Passaram-se estes dois anos, em que felizmente já se lembraram de mim noutras situações, mas ainda não faz sentido fazer seja o que for. Agora, deixa-me sobremaneira preocupado que Portugal seja um dos únicos países que só tem um talk-show [em canal aberto]. Nós e o Burundi, não sei se há mais algum país no mundo que só tenha um talk-show.
Se pensarmos na quantidade de artistas, escritores, pintores, sei lá, pessoas que fazem coisas fantásticas, que merecem um palco, que merecem chegar a grandes públicos e não o conseguem… Levei o Salvador Sobral há vários anos ao 5 para a Meia Noite porque a Laurinda Alves, aqui do Observador, falou-me dele. Fui vê-lo ao Teatro São Luiz e levei-o ao 5 para a Meia Noite. Pensa-se num Salvador Sobral, com o talento que tem, ou no Júlio Resende [pianista e músico que o acompanha ao vivo, também com percurso a solo], outro bom amigo e que também levei ao 5 para a Meia Noite, e só há um programa de televisão que os pode receber. Sem ser o [formato] daytime, porque muitas vezes não faz sentido. É gravíssimo. Seja comigo, seja com a Filomena, com o Manuel ou o Joaquim a apresentar, dói-me a alma como é que temos tão pouco espaço para as pessoas apresentarem as suas coisas. Foi o que me doeu mais, na fase em que aquilo podia acabar — ainda não estava delineado na altura [o que ia acontecer] — e na fase em aquilo regressa com este formato. Ser só um dia por semana… e as pessoas todas que existem a fazer coisas fantásticas todos os dias? É assim, é o país que temos. Infelizmente.
“Com Nicolau Breyner, eu queria fazer uma piada que era a da maldição Soraia Chaves”
Nas personagens, nas caricaturas e nos segmentos — do 5 para a Meia Noite, dos espetáculos ao vivo, da rádio –, houve alguma coisa de que te tivesses arrependido logo depois de fazeres?
[Risos] É complicado… há sempre. Às vezes vou ver coisas minhas antigas e penso: que estupidez, onde é que estava com a cabeça? Tenho uma máxima que é: não é por teres o microfone que tens o direito de achincalhar o outro. Seja na rua, seja onde for. Mas isso depois é sempre uma leitura complicadíssima Lembro-me, sei lá, fazia uma maluquice que era “o Fernando”, em que chamava Fernando a toda a gente. E está um senhor na rua, que na altura não percebi que era um sem abrigo, e meti-me com ele. “Ó Fernando, posso tocar?” — e tocava nele. Depois ele pediu-me 2 euros, depois pediu-me 5 euros e não sei quê. Quando falámos com ele, ele começou a fugir e depois disse-me: sou sem-abrigo. E fugiu.
Depois chego a casa, olho para aquilo e penso: faz sentido usar isto? Não o tratei mal, até lhe dei sete euros [sorri]. Mas depois pensei: é um sem abrigo, vou estar a explorar a imagem dele? Apesar de na imagem [no vídeo que foi para o ar] não se conseguir ver que é um sem abrigo, percebe-se que a abordagem dele é um bocadinho estranha. Tive malta a dizer para não pôr, mas resolvi pôr no ar. Há um senhor na internet que me diz: olha, esse senhor chama-se Lúcio Perivaldo Dantas, foi jogador da Seleção Brasileira em 1982, pesquisa na internet. Fui pesquisar, voltei à Baixa e consegui entrevistá-lo. Essa entrevista vai para o ar a seguir e sou contactado pela TV Globo com uma campanha para o levarem de volta para o Brasil, porque há 20 e tal anos que ele não voltava ao Brasil para estar com a família, teve inúmeros problemas em Portugal. Morreu há pouquíssimo tempo, até. Mas na verdade, com aquela decisão, que vale o que vale, é a leitura de cada um, consegui fazer uma coisa boa. É sempre relativo, posso achar que estou a passar o risco ou não e outra pessoa achar o contrário. Há uma coisa sagrada: nunca pus nada no ar sem as pessoas autorizarem. E já cortei muitas coisas, até com figuras conhecidas, em que achei que dizer uma coisa numa entrevista era mau para a pessoa. Acho que não temos direito de explorar a pessoa por esse lado.
Já aconteceu o contrário? Arrependimento por te censurares em alguma coisa?
Claro! Até porque quanto mais pessoas conheces no meio… às vezes quero mandar uma boca e depois penso que é chato, porque conheço a pessoa. Já aconteceu deixar de dizer porque fico na dúvida se não vou estar a passar o risco e consultar a pessoa para saber se lhe posso perguntar isto ou aquilo. Vou confessar uma coisa, nunca contei: uma vez, ia entrevistar o Nicolau Breyner pela primeira vez, uma pessoa que adorava, a quem achava um piadão, um ser fantástico. Ele tinha estado doente, tinha tido cancro, tinha tido ali um problema uns tempos antes e eu queria fazer uma piada que era a da maldição Soraia Chaves. A piada era perguntar-lhe sobre essa maldição. Ele não percebeu, claro, mas disse-me para brincar com o que quisesse, que estava à vontade. Então durante a entrevista, no programa, disse-lhe: “Então e a maldição Soraia Chaves?” E ele: “Estás a falar de quê?” “Então, por exemplo, o Jorge Corrula esteve no Crime do Padre Amaro, com a Soraia Chaves nua, beijos, tudo e mais alguma coisa. A seguir contracenou com a Teresa Guilherme. O Nicolau Breyner esteve naquele filme, o “Call Girl”, com a Soraia Chaves, a seguir apanhou cancro”. Ele ficou ali a olhar para mim… mas levou aquilo na boa. Aí preparei o terreno e ele deu-me autorização.
Quem esteja a ver em casa pode dizer: este tipo é uma besta, para perguntar isto. Mas por exemplo, o Isaltino Morais aceita ser entrevistado por mim entre o fim do julgamento e a saída da sentença. Ele aceita dar-me uma entrevista com uma condição imposta pelo assessor, não por ele, que era não falar do caso. Mas aquilo não fazia sentido nenhum. Às tantas, com o José Mascarenhas que escrevia [guiões] comigo na altura, criámos uma ideia brutal que vem dele, que é a pergunta da maçã. Estou a falar com o Isaltino, pego numa maçã, ponho em cima da mesa e digo: “Isaltino Morais, posso fazer a pergunta da maçã?” E ele pergunta-me: “O que é isso?”. Respondo: “O Ministério Público pede sete anos de cadeia, restituição ao Estado de 483 mil euros e perda de mandato. A pergunta é: prefere maçã estrangeira ou nacional?”.
E ele?
Olhou para mim e disse-me: eh pá, isso foi tão bem metido, vamos lá falar do caso. Aí trata-se de perceber que durante a entrevista, num direto, houve uma altura em que se pôde “meter” aquilo. Sei que é mais bonito o humorista dizer: toma, entalei a pessoa. Eu não, não me sinto confortável em ver que a pessoa está desconfortável do lado de lá. Gosto de pisar o risco e brincar, mas perceber que a pessoa está desconfortável não faz o meu género.
Tens uma presença muito forte nas redes sociais, em especial no Facebook [mais de 1 milhão de seguidores]. Estando em contacto com tanta gente, pergunto-te: sabemos brincar com coisas sérias ou não temos poder de encaixe?
Não temos nada, não temos. Atenção: há várias redes sociais. Há o Facebook que é um bocadinho pesca por arrastão, vem toda a gente ao molho. Aí se falas por exemplo numa bebida, aparece alguém a dizer “estavas a dizer mal da bebida!” Há o Twitter, onde tenho 800 mil seguidores ou quase, que é muito urbano e onde as pessoas dizem muito que também sabem fazer aquela piada. Toda a gente é muito engraçada e faz punchlines. E depois há o Instagram que é mais cool. Já tentei pôr a mesma piada nos três e as reações são completamente diferentes, sendo que a mais cool e que me diverte mais hoje em dia é o Instagram. O Facebook passou a ser aquela velhinha chata que está sempre “nha, nha, nha, nha, não devias falar nisso, para que é que falas dessas coisas?”. É um bocadinho irritante. Sendo que o algoritmo que o Zuckerberg ou quem pensa aquilo criou, com a lógica de seres seguido por um milhão de pessoas mas as publicações só chegarem a 2% dessas pessoas a não ser que pagues mais, irrita-me ligeiramente. Dás a possibilidade de não sei quantas pessoas seguirem alguém mas depois eles é que decidem a quem é que vão mostrar aquilo. Acho que isso está a conspurcar toda a lógica do que aquilo devia ser.
A forma como as pessoas encaram as redes sociais ainda tem de ser muito trabalhada, acho que ainda estamos numa fase em que as pessoas precisam de perceber que há mais pessoas a ler aquilo, sejam ofensas, seja o que for. Depois há as indignações gerais, as pessoas indignam-se muito com tudo. Vamos lá ver: eu posso falar do que me apetecer. Tu podes é não querer ler ou não querer ouvir. Isto é tudo muito recente, vai demorar uns dez ou 20 anos a percebermos que tudo é para ser relativizado, que as coisas não são para serem ditas a sério, que tudo aquilo vale o que vale, é o que é.
Que reações é que te surpreenderam mais? Pela positiva e negativa.
A surpresa pela negativa veio sempre com reações a piadas que disse. Quando é futebol então… não tenho clube, não ligo nada a futebol mas às vezes sou maluco e atravesso-me. Todas as vezes que ponho uma piada de futebol, cinco segundos depois estou a pensar que não o devia ter feito, porque vou sempre arranjar mais haters e cromos a chatearem-me a cabeça. Já me desiludi várias vezes com a forma como as pessoas exageram e levam as coisas muito a sério. No lado bom da internet, estou envolvido em várias causas sociais, faço muitos espetáculos de solidariedade, peço muitas vezes nas redes sociais ajuda para isto ou para aquilo. Lembro-me, por exemplo, de um miúdo da Amadora que vive com uma cadeira de rodas elétrica, que tem grandes dificuldades de locomoção e que tem de ser operado várias vezes ao longo da vida. Neste momento tem 13 anos e já foi operado várias vezes. Ele precisava de uma cadeira para sair de casa. Estamos a falar de cinco degraus, que condicionavam a vida daquela criança porque tinham de pegar nele, com o peso que já tem, pô-lo cá em baixo e a mãe nem sempre conseguia. Através de um post numa rede social, neste caso na minha, conseguiu-se uma plataforma elevatória que punha esta criança para cima e para baixo. Sei lá, tantas coisas tão simples em que se vê o lado bom das redes sociais, seja pedidos de medula óssea ou outras coisas. Fazer um espetáculo de solidariedade e as pessoas irem, também. São coisas que continuam a surpreender-me pela positiva, é aí que percebo que ainda há gente normal deste lado [internet]. Tudo o que envolva futebol ou temas quentes é que é para esquecer…
Política, religião?
Política nem tanto, aí o que há mais é malta que só quer dizer mal mas depois se for preciso marcam-se as eleições e aí a pessoa foi à praia. A religião não sinto assim um escárnio… hoje em dia acho que é um mito, as pessoas já não ficam tão ofendidas com a religião. É o futebol, o futebol continua a ser a religião das pessoas.
“Às vezes vejo na televisão refugiados. Os meus pais passaram por isso”
Nasceste em Nova Lisboa, Angola. Vieste bastante novo para Portugal…
Filho de pai angolano e avô angolano. Que nunca tinham vindo a Portugal.
Há um aspeto talvez um pouco menos conhecido na tua biografia. Quando chegaram a Portugal vieram para um hotel da Foz da Sertã com um conjunto de pessoas a que na altura se chamou retornados. Na verdade algumas delas não eram retornados porque não voltaram a Portugal, nunca cá tinham estado…
Pois, era o caso do meu pai e de nós [Nilton e os dois irmãos]. A minha mãe não, foi com onze meses para Angola. O meu pai diz isso muitas vezes, que não era retornado, que nunca tinha vindo cá.
Tens alguma memória dessa altura? Tinhas quatro, cinco anos…
A memória aqui é um bocadinho implantada. Pelas fotos que vamos vendo, pelas ideias que passam. Sou o mais novo de três irmãos, vou percebendo [por relatos] esse lado de incerteza, um bocadinho nómada, de se chegar a um país diferente. Ando há algum tempo para voltar lá para perceber se é igual àquilo que imagino. Mas é um período que felizmente não vivi. O meu pai com 35 anos de repente perdeu tudo o que tinha em Angola, veio com o carro e alguma mobília para um país onde não tinha nada. Veio com o meu avô, que viveu triste até ao final dos seus dias com isso, com ter perdido tudo o que tinha em Angola, uma vida boa com todas as condições, e de repente vir para um país que não conhecia, em que nunca tinha estado. Às vezes vejo na televisão refugiados, na verdade os meus pais passaram por isso, na África do Sul e depois em Portugal, porque o hotel da Foz da Sertã não era mais do que isso, era um aglomerado de pessoas que estavam refugiadas de um país em guerra e não tinham para onde ir. São tempos muito tristes. Mas não tenho grande memória a não ser a das histórias que me vão contando, de eu e os meus irmãos fugirmos da creche em Cernache do Bonjardim [antiga freguesia da Sertã] e de um lado mais romântico da coisa. Ainda bem que era pequeno e não senti esse lado triste. Mas vejo muita gente que veio de Angola e que está bem na vida, que está feliz e que está bem consigo próprio, ainda bem.
Nessas conversas de família notavas mágoa dos teus pais? Do teu avô já referiste que sim, até ao fim da vida.
Sim… Estamos a falar de um Portugal dos anos 1970, muito fechado, que olhava para essas pessoas que vinham de fora de forma muito discutível, se virmos hoje em dia a forma como o mundo evoluiu e como encaramos e abrimos as fronteiras. Até o racismo, se hoje em dia há, imagina naquela altura. Uma coisa que notava e de que realmente os meus pais me falam é que havia uma mente muito mais aberta nas pessoas que vinham do que nas pessoas que cá estavam. As que cá estavam eram muito menos comunicativas, muito mais fechadas. O meu pai é impossível não ter uma mágoa, até porque se destruiu um país como Angola, riquíssimo, a que o meu pai nunca quis voltar. Só por aí vê-se a mágoa dele, o meu pai diz que a Angola dele não está lá. É impossível não ficares triste com isso, até porque não sabes como seria a tua vida lá. Mas seria certamente melhor do que a vida que tem cá, porque o país em si [Angola], se tivesse continuado como estava, dava-lhe mais condições do que as que encontrou no país para onde veio. Mas pronto, estamos bem [sorri].
Antes do percurso no humor, antes até do percurso na decoração de interiores, começaste como DJ por causa de um anúncio visto na concorrência [Expresso], que pedia um DJ para o Algarve. Como é que isso aconteceu?
Isso são coisas de miúdos. Nas tais festas de garagem punha sempre música. Gostava muito, sempre gostei de rádio, comecei a fazer rádio com 13 anos, na Rádio Cruzeiro, em Proença-a-Nova [terra dos pais]. Sempre gostei muito desse lado e gostava da escrita. Lia Mário-Henrique Leiria aos 17 anos e sempre fui fã do [Mário] Cesariny, o meu poema preferido continua a ser “O Navio de Espelhos” do Cesariny. Sou muito fã do universo surrealista e à noite conheci algumas dessas pessoas. Nunca bebi álcool, nunca fumei, nunca tomei drogas, nada, mas convivia com uma fauna muito curiosa nessa altura, malta muito interessante, que fazia tertúlias e tal. Era o lado a que eu achava graça na noite. Davam-me a ler coisas… Joaquim Pessoa, coisas estranhíssimas. E aconteceu tudo por causa disso, porque vi um anúncio [a pedir um DJ] no Algarve e fui ser DJ para ganhar dinheiro no verão.
Os meus pais sempre promoveram nós trabalharmos. Tinha 13 anos, queria comprar uns ténis e os meus pais diziam-me: “ah, queres uns ténis de uma marca não sei quê? Vai trabalhar”. Então fui trabalhar para as obras na Páscoa para ir comprar os ténis e ainda bem que os meus pais me fizeram isso. “Queres tirar a carta, vais trabalhar no verão e tiras a carta”. A minha mãe fazia uma escala: eu limpava o pó, o meu irmão lavava as casas de banho, o outro preparava o almoço. Éramos e somos três rapazes. E ainda bem, fico muito feliz que me tenham feito isso. Por causa desses trabalhos comecei a ser DJ na Sertã, ao pé de Proença-a-Nova, onde os meus pais ainda moram, depois fui para o Algarve. Aí, nas discotecas, comecei a pensar: “E se nós pintássemos esta parede, e se fizéssemos ali um candeeiro?”. E às tantas veio o lado de decoração de interiores, com umas camisas muito mais floridas que este polo [ri-se].
O que é que gostavas mais de ouvir nesta altura e o que é que gostas mais de ouvir hoje?
Sou do humor mas depois sou muito melancólico nas coisas que oiço. Gosto de Wim Mertens, de Balanescu Quartet, coisas assim mais estranhas e melancólicas. É estranho para alguém do humor. Mas depois gosto de tudo, gosto de Arctic Monkeys, gosto de tanta coisa. Sou muito eclético, gosto desde música clássica a jazz, não gosto de uma coisa só. Gosto por exemplo de Racionais MC e de um poema lindíssimo que é o “Negro Drama”. Curiosamente o Seu Jorge há tempos veio a Portugal e recitou e cantou esse poema com guitarra. Nunca tinha ouvido ninguém a cantá-lo, nem os Racionais MC que nunca vi ao vivo. Ouvi-lo cantado pelo Seu Jorge, de quem também gosto muito, foi bom. Vou a todas.
“Eu e outros devíamos receber uma comissão dos humoristas de hoje”
Estamos aqui no Bairro Alto, onde nos anos 1990 andaste a tentar explicar em vários bares o que era isso do stand-up comedy. Que respostas mais engraçadas é que ouviste?
É, vinha com uma cassete VHS e dizia: faço um formato, stand-up comedy, entregava a cassete às pessoas. Vinha aqui ao Targus e a outros bares. Diziam-me: “Pá, anedotas não. Mas isso é o quê, poesia?” Houve um que me perguntou se vinha só eu ou se também vinha a banda. Coisas estranhíssimas, porque as pessoas não tinham a mínima noção do que era. Eu, o Aldo Lima e outros precursores da stand-up comedy devíamos receber uma comissão dos humoristas que hoje em dia chegam a um sítio e já sabem o que é a stand-up. Tipo 10% do cachê deles. Porque de facto andámos aqui em tantos sítios, sei lá, no Xafarix, por exemplo, onde as pessoas não sabiam o que era isto. Obviamente [o crescimento do formato] tem a ver com o “Levanta-te e Ri”, com as rádios começarem a apostar no humor e as pessoas começarem a perceber o que é este fenómeno que abriu a porta a muitos dos humoristas que hoje em dia enchem casas. Não só eu como tantos outros com valor que aí há. Tudo isso à conta desse início, porque realmente era desbravar terreno. As pessoas deviam pensar: então mas este vem para aqui falar da vida dele? Porque eu dizia que eram coisas do dia-a-dia, era stand-up…
É difícil explicar.
É difícil explicar, é.
Nessa geração mais nova, há algum humorista de que gostes, que aches interessante? E algum ou alguns cujo humor te faça mais confusão?
Não conheço assim tanta gente, por não ter tempo de ir ver espetáculos. Por exemplo, sigo o Guilherme Duarte, a quem acho piada. Cruzámo-nos num espetáculo e até cheguei a entrevistá-lo, quando ele lançou o livro dele “Por falar noutra coisa”. Acho que ele escreve muito bem e tem ideias muito giras. Mas não é pelos posts do Instagram que sigo que vou avaliar o trabalho. Podia dizer que não gostei de ver isto ou aquilo, mas isso é relativo, nem gosto que façam comigo só porque viram um post qualquer. Assim não se avalia o trabalho de ninguém. O Guilherme Duarte vou seguindo porque sigo no Instagram, mas quem me continua a fazer rir mais ainda continua a ser o Aldo Lima, por exemplo, que é um colega do humor, um indivíduo com muita piada, mesmo. É alguém com quem cresci em termos profissionais, daí haver uma ligação grande. O Francisco Menezes, mais malta que na altura fazia o Levanta-te o Ri… mas o mercado está cheio de pessoas super talentosas e que fazem grandes trabalhos, não é difícil encontrarmos pessoas com valor, sejam as que eu goste ou não.
Encontram-se na estrada?
No início atuávamos muito juntos. A dada altura os cachês vão subindo e obviamente já não podemos estar tão juntos porque acaba por não ser viável. Mas sim, ainda vai acontecendo. O Solrir, que é um festival de humor que acontece em Albufeira, do qual sou um bocadinho embaixador, é uma das coisas que me faz estar mais atento à procura de malta nova, para sugerir a quem produz aquilo. É um festival que, apesar de olhar para os consagrados e lá para fora — por exemplo para o Brasil, já veio o Rafinha Bastos, o Fernando Caruso, a Marcela Leal –, também olha para as novas gerações, há essa obrigação de dar espaço a quem está a começar. Uma vez por ano vou-me cruzando com essas pessoas. No Humor Fest em Lagoa, onde estive quatro anos seguidos como humorista mais votado pelo público, também se acaba por encontrar muita gente. Volta e meio acabam por acontecer esses encontros e acaba tudo nu. Mentira, os humoristas são muito totós.
As quatro a cinco horas de sono e o drama do segundo filho: “Só pode ser cocaína”
Quantas horas é que dormes por noite?
Salvaguardando, caso haja crianças a ler isto, que faz muito mal, durmo pouco. Mas sempre dormi pouco. Costumo dizer que o meu cérebro funciona às quatro horas [de sono]. Cinco horas é o ideal, mas se dormir quatro horas o cérebro funciona, consigo estar sem me babar. Hoje dormi quatro horas, estou aqui impecável. Nota-se que estou de calções mas fora isso, se estivesse calado parecia uma pessoa digna e normal. Não sou hiperativo mas sou acelerado e elétrico. Estou em várias frentes a fazer várias coisas ao mesmo tempo, portanto preciso de 24 horas. Não é possível, isto tem de parar um bocadinho mas por mim… acho que dormir devia ser facultativo. Não me apetecia dormir, ficava a fazer coisas. Quem queria ir dormir ia, quem não queria recarregava baterias, ligado, sei lá, à corrente. Não faço ideia como, inventem uma ficha qualquer, um USB. Acho um desperdício ir dormir, ficar oito horas sem fazer nada.
A paternidade não teve influência? Ou piorou?
Piorou, piorou. Eu tenho dois filhos, um com três anos e outro com sete. E isso piora. Mas dormir pouco é sobretudo influenciado pelo meu cérebro, que me faz acordar cedo. Hoje em dia continuo a acordar às cinco da manhã, agora por causa da rádio. Mas se me deitar à 1h da manhã, às 23h ou às 22h, é igual. Não tenho aquela necessidade de ir logo dormir, estou mais ou menos à vontade, o meu cérebro já se habituou.
O primeiro foi mais difícil que o segundo?
Estás a falar de filhos? Não, não! O meu segundo filho está num drama, é um drama muito complicado — nem sei se devia falar nisto porque está a ser gravado — que é a cocaína. Tenho um filho com 3 anos que aquilo só pode ser cocaína, não consigo arranjar nenhuma explicação para uma criança ter aquela energia. Se o deixasse andar aqui já tinha subido àquele prédio. É um mal-educado? Não, é cocaína, claramente. É muito elétrico, o segundo para nós foi um martírio. É uma coisa inexplicável. Costumo brincar às vezes nos espetáculos e dizer: uma criança que andasse aqui a correr de um lado para o outro antigamente seria mal educada, hoje em dia é hiperativa. Mas o meu filho ultrapassa tudo isso. O médico diz que ele é estouvado, agora vão ao Google e vejam lá o que é que isso quer dizer. Já tentámos tudo, menos Valium [calmante].
E desintoxicação, não?
[Risos] Desintoxicação, o que seria… amarrá-lo a um sítio, sei lá, não faço ideia. Como é que ele fez isto, como é que ele vai ali parar? Tudo o que se possa imaginar já aconteceu. E ele lá está, vivo e ótimo. Cai, levanta-se a sangrar de um joelho e “está-se bem, pai”, espetacular.
Voltemos ao início. Com perto de 20 anos de atuações e de humor, o que é que gostavas de ter feito e ainda não fizeste?
Na área do humor?
E em qualquer outra.
[Ri-se] Tenho algumas ideias para fazer umas peças de artista plástico. Gostava de voltar às decorações, estou devagarinho a voltar a esse lado. Na televisão gostava de fazer algo numa lógica de daily show, do infotainment, de juntar o humor com a política, com a informação, com o dia-a-dia. Faço uma coisa na rádio com o Duarte Pita Negrão chamada Pastilhas para a Tosse, para a qual escrevemos os dois e eu apresento. E é precisamente nessa lógica, de dissecar o dia-a-dia, das eleições do Sporting à Madonna, é um bocadinho o que estiver a acontecer. Tenho alguma pena que não se aposte nessa lógica em televisão e que em Portugal não tenhamos um programa nesse sentido.
É uma coisa que até hoje nunca propus. Sou um bocadinho como aquele indivíduo que quer ganhar o Euromilhões mas ainda não jogou. Mas não propus porque ainda não senti que o mercado absorvesse isso, até porque o mercado televisivo é um bocado estranho. Se dizemos: “Gostava de fazer isto que eles nos Estados Unidos fazem muito bem, tem 25 minutos”… em Portugal dizem-nos: “Está bem, vamos fazer isso mas com três horas”. Quando a Oprah [Winfrey] começa a decidir que vai acabar com o programa dela, mostra os bastidores. E a dada altura leva de férias a produção do programa que são 411 pessoas. É um número real, são 411 pessoas. Umas estavam a produzir o “Wildest Dream”, outras o “Christmas Special”, outras a tentar sacar carros à Cadillac, para ela oferecer. Obviamente estamos a falar de uma escala que não existe em Portugal. Mas se olharmos para o programa que a Oprah fazia, tinha 411 produtores e tinha 2 convidados, e a coisa era bem feita, com ritmo. Nós em Portugal temos 2 produtores e 411 convidados por programa. É exatamente ao contrário. Consegue-se perceber como é que aquilo é bem feito e conseguimos pegar naquilo e inverter tudo. Quando olho, percebo claramente, na minha humilde leitura, que não há espaço para fazer isto. Qualquer dia faço na internet, sei lá, quando me apetecer poderei pôr um programa desses de pé. Mas olhando assim a frio e sem pensar muito, talvez fosse a coisa que gostava de fazer.
Tens preferências políticas?
Não, sou do contra. Por norma, como humorista, é-se do contra. Não tenho nenhuma preferência. Há coisas que vejo o António Costa dizer que são boas, vi coisas que o Passos Coelho fez que foram boas, há o Bloco, essa startup que se transformou numa multinacional e que tem coisas que propõe que são boas. Há-as em todos os lados. Hoje em dia já se percebeu que a política varia consoante o que dá jeito fazer, a lógica da ideologia já não faz grande sentido. Vou bebendo daqui e dali e vou percebendo se esta pessoa é válida ou não é válida. Já votei em várias frentes, tento votar ao máximo. Já nos enganámos todos aqui ou ali, mas não tenho nenhuma bandeira, nenhum cartaz. Não posso dizer que sou deste ou daquele partido.
Obrigado, Nilton.
Obrigado eu.