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"No Labels". Nem Biden, nem Trump: eles não querem que nenhum deles seja Presidente — e estão a preparar uma alternativa

Grupo que se diz "centrista" e "apartidário" quer responder aos eleitores que rejeitam Biden e Trump e nomear um terceiro candidato à presidência. Já há nomes a circular. Mas resultará?

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O eleitor Randy Johnson resumiu o sentimento geral: “Acho triste que estas sejam as nossas melhores escolhas.” Há cerca de um mês, este republicano de 64 anos, do Missouri, falava assim à Associated Press sobre a perspetiva provável de ter de escolher entre Joe Biden e Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos no próximo mês de novembro: “Estamos reduzidos ao menor de dois males.”

Randy não é o único a pensar assim. As sondagens nos EUA mostram que a grande maioria dos norte-americanos não aprova os dois candidatos, que produzem grandes taxas de rejeição entre os eleitores. De acordo com dados do Centro de Pesquisa Política da Universidade de Suffolk, dois terços dos norte-americanos não querem ver um novo confronto entre Biden e Trump a 4 de novembro. E os dois políticos não são queridos sequer dentro dos próprios partidos: um estudo da CNBC diz que 70% dos eleitores (democratas e republicanos) acha que Biden não se devia recandidatar; 61% considera que Trump não devia voltar a concorrer.

É no meio deste clima que um grupo sentiu haver uma aberta para a sua proposta: “Se a América quer outra escolha, vamos oferecê-la”, resumiu Joe Cunningham, diretor da “No Labels” (Sem Rótulos). A iniciativa existe desde 2010, promovida por um grupo que inclui figuras do Partido Republicano e do Partido Democrata, mas ganhou novo fôlego nos últimos meses. À sua frente estão Nancy Jacobson (antiga responsável financeira do Comité Nacional Democrata) e Mark McKinnon (estratega republicano). Muitas das sondagens que têm sido divulgadas sobre a rejeição de um novo confronto Biden-Trump têm sido feitas por Mark Penn, antiga estratega dos Clinton que é casado com Jacobson.

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Dois terços dos eleitores dizem que não querem uma nova eleição entre Biden e Trump

Los Angeles Times via Getty Imag

Em concreto, o grupo tem estado a tentar obter autorização para apresentar um candidato independente às presidenciais em todos os estados do país.O plano já está traçado: “Neste momento estamos em 14 estados e a crescer todas as semanas. Vamos esperar pela Super Tuesday [5 de março], quando saberemos quem são os presumíveis nomeados, e se a América continuar a querer outra opção, vamos oferecê-la no boletim de voto”, afirmou numa entrevista ao The Hill no final de janeiro.

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Os especialistas ouvidos pelo Observador sublinham que esta corrida não corresponde à visão que os próprios norte-americanos têm de si próprios, com ideias de “dinamismo e renovação, ascensão social, uma fronteira em expansão”, aponta Geoffrey Kabaservice, analista político do think tank Niskanen Center. “Trump e Biden já estiveram no poder e têm marcas muito definidas que não trazem novas ideias entusiasmantes para o futuro”.

O diretor do Centro de Pesquisa Política da Universidade de Suffolk, David Paleologos, concorda: “Uma repetição de Trump contra Biden não oferece nada de novo aos eleitores, só os antigos temas requentados dos velhos candidatos.”

Um candidato “velho” e “confuso” contra um “corrupto” e “desonesto”

O adjetivo “velhos” não é usado por acaso. Joe Biden tem neste momento 81 anos, Donald Trump terá 78 quando for a eleição. E isso incomoda os eleitores, sobretudo no que diz respeito a Biden: se 70% dos inquiridos numa sondagem da NBC dizem que o Presidente não se devia recandidatar, 69% invoca a idade como um dos fatores para sustentar essa opinião.

Apesar de ter apenas menos três anos, Trump não goza da mesma perceção de que é demasiado velho para o cargo — “é como Mick Jagger, ele vai ser jovem para sempre”, dizia um eleitor à mesma cadeia de televisão em setembro. Mas está longe de ser um rosto jovem e refrescante, com muitos eleitores preocupados com a possibilidade de os dois candidatos não terem energia para enfrentar mais quatro anos de mandato. “Mais de 90% dos norte-americanos são mais novos do que Trump e Biden”, resume o professor Paleologos. “Em suma, a maioria dos americanos é mais jovem e tem dificuldades em relacionar-se com eles.”

“Para Biden, a idade é um fator, a inflação é outro e ele também se tem chegado à esquerda desde 2020, especialmente em questões culturais, o que afasta muitos moderados. No caso de Trump, temos o seu estilo inflamatório e pouco presidencial, a sua retórica cultural, a sua política de imigração, o seu comportamento após a eleição de 2020 e o ataque ao Capitólio, bem como os seus problemas jurídicos.”
Grant Reeher, professor de Ciência Política e antigo colaborador da "No Labels"

E se Biden é frequentemente associado às palavras “velho” e “confuso” nas sondagens, esse não é o único tema que leva muitos a rejeitarem estes candidatos — Trump, por exemplo, é frequentemente associado às palavras “corrupto” e “desonesto”, em parte devido às 91 acusações judiciais que enfrenta atualmente, incluindo a de incitamento à rebelião por causa do ataque ao Capitólio.

“Para Biden, a idade é um fator, a inflação é outro e ele também se tem chegado à esquerda desde 2020, especialmente em questões culturais, o que afasta muitos moderados”, resume ao Observador Grant Reeher, professor de Ciência Política da Universidade de Syracuse, que chegou a fazer alguns estudos para a “No Labels”. “No caso de Trump, temos o seu estilo inflamatório e pouco presidencial, a sua retórica cultural, a sua política de imigração, o seu comportamento após a eleição de 2020 e o ataque ao Capitólio, bem como os seus problemas jurídicos.”

Em suma, diz o académico, estamos perante um país completamente “polarizado”. “Metade do país não quer que o candidato do outro partido concorra”, resume. E, com exceção de uma base eleitoral mais convicta, a maioria também não tem particular entusiasmo pelo candidato do seu próprio partido. No meio, há todo um mar de indecisos que, como dizia o eleitor Ryan Johnson, sentem que têm de escolher o mal menor.

Joe Manchin, o moderado com ambição que pode ser candidato

É perante este cenário que a “No Labels” se apresenta com o que considera ser uma nova solução: um candidato “centrista” que consiga agradar a eleitores democratas e republicanos e que, por isso, se distingue dos restantes terceiros candidatos que já se apresentaram — o ativista de esquerda Cornel West, o sucessor da dinastia Kennedy anti-vacinas Robert Kennedy Jr. e os nomeados do Partido Verde e do Partido Libertário.

Apesar de oficialmente o grupo não querer divulgar nenhum nome antes da Super Tuesday, há já claramente um possível candidato destacado: Joe Manchin, antigo senador democrata da Virgínia Ocidental, que entrou várias vezes em choque com Joe Biden em matérias como o combate às alterações climáticas.

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O ex-senador democrata Joe Manchin tem mantido em aberto a possibilidade de concorrer com a "No Labels"

Bloomberg via Getty Images

Manchin tem-se multiplicado em entrevistas onde pisca o olho à possibilidade. “Nunca me considerei um democrata de Washington, sou uma pessoa muito independente”, afirmou em novembro, por exemplo. Nos últimos meses, tem-se desdobrado em críticas a Biden, que acusa de se ter movido demasiado para à esquerda, mas também diz amar “demasiado” o país para votar em Trump.

Recentemente, decidiu fazer uma série de encontros com eleitores no New Hampshire, durante as primárias. “Não estou aqui em campanha, estou só preocupado com o meu país, como vocês”, disse aos eleitores. Questionado sobre se está a considerar concorrer à presidência, Manchin evitou sempre comprometer-se: “Se houver a necessidade de uma opção, vocês saberão. Em março, já teremos uma noção do que temos e do que pode ser oferecido”, respondeu.

O professor Grant Reeher diz que há outros possíveis candidatos como o republicano Larry Hogan ou a democrata Kyrsten Sinema, mas não tem dúvidas de que Manchin é “o candidato destacado”. “Ele é sem dúvida moderado e está frustrado com a falta de centrismo do seu próprio partido. E calculo que também seja ambicioso”, afirma.

Uma avaliação com que todos os que conhecem Manchin concordam. É o caso de Ry Rivard, jornalista do Politico que acompanhou toda a carreira do ex-senador da Virgínia Ocidental. Mas, num artigo publicado em dezembro, Rivard alertou que é precisamente essa ambição que torna difícil prever que Manchin aceitasse concorrer a uma eleição que dificilmente venceria: “Não consigo imaginá-lo a terminar a sua carreira política com um tal golpe no seu ego.” Já Geoffrey Kabaservice aponta que pode ser precisamente o ego a levar Manchin a arriscar: “Nunca subestimem o ego de um político, esteja ou não no poder”, avisa.

Com Manchin ainda a considerar as suas opções, a “No Labels” vai estudando alternativas. Já este mês, um dos presidentes do grupo, Joe Lieberman, aventou uma outra hipótese: a do grupo avançar com uma candidatura da republicana Nikki Haley, se esta perder a nomeação do partido para Donald Trump. Ao Politico, duas fontes próximas do grupo dizem que a “No Labels” gostaria que Haley derrotasse Trump e que, nesse caso, não avançaria com um candidato próprio.

Oficialmente, a candidata rejeitou a proposta e diz-se focada nas próximas primárias, no seu estado da Carolina do Sul. Mas se, como indicam as sondagens, perder contra Trump, a “No Labels” pode ser uma opção.

“Se há eleição em que um candidato verdadeiramente moderado e centrista podia ser bem sucedido, é esta”. Mas…

Se Trump parece indiferente ao grupo, o mesmo não se pode dizer de Biden, que até já falou em público sobre o assunto: “Lieberman tem direito a fazê-lo. Mas vai ajudar o outro tipo e ele sabe isso”, declarou o Presidente numa entrevista à ProPublica, ecoando as críticas de vários senadores democratas.

E não é só à esquerda que se admite que uma candidatura de uma figura como Joe Manchin, por exemplo, poderia prejudicar a votação de Biden. Geoffrey Kabaservice, próximo do Partido Republicano, elogia o papel que a “No Labels” teve noutros momentos, como quando ajudou a fundar o grupo parlamentar bipartidário “Solucionadores de Problemas” na Câmara dos Representantes, mas diz que, desta vez, fica no ar a ideia de que o objetivo pode ser apenas o de “virar a eleição a favor de Trump, afastando eleitores indecisos de Biden”. “Se eles avançarem com um candidato, o resultado será semelhante ao de Ralph Nader no ano 2000, que muitos acreditam ter feito virar a eleição a favor de George W. Bush”, resume. “É por isso que a ‘No Labels’ é vista por muitos operativos em Washington como uma iniciativa pró-Trump disfarçada e não como uma verdadeira tentativa de incentivar a moderação.”

“Todos os que eles estão a considerar ou já votaram no Congresso ou tomaram posições públicas, que seguem linhas partidárias. De uma maneira ou de outra, vão sempre ser interpretados dessa forma.”
David Paleologos, diretor do Centro de Pesquisa Política da Universidade de Suffolk

É por essa razão que vários grupos pró-democratas têm movido uma campanha cerrada contra a “No Labels”, que enfrenta processos judiciais por parte de organizações locais e de antigos doadores. Muitos acusam o grupo de ser uma organização republicana encapotada, com o único objetivo de prejudicar a reeleição de Biden.

O académico Grant Reeher, que trabalhou com a “No Labels”, não concorda: “Sinto que são verdadeiramente moderados”, afirma. “Muitos observadores acham que eles prejudicam mais Biden do que Trump e por isso são pró-Trump e muitos dos que os financiaram pensam o mesmo. Eu não acho que seja essa a sua motivação.”

David Paleologos, contudo, diz “ninguém na política é totalmente apartidário”. Se o grupo escolher um candidato à presidência, diz, por muito que este se assuma como “centrista” será sempre visto à luz das suas posições anteriores: “Todos os que eles estão a considerar ou já votaram no Congresso ou tomaram posições públicas, que seguem linhas partidárias. De uma maneira ou de outra, vão sempre ser interpretados dessa forma.”

E o investigador lembra que a influência dos “terceiros candidatos” no sistema partidário não é de somenos. Como exemplo, vejamos os dados apontados pelo seu Centro de Pesquisa relativamente à eleição de 2020: em três estados (Wisconsin, Arizona e Geórgia), o Partido Libertário obteve um número de votos quase três vezes superior à diferença de votos entre Biden e Trump.

Outros, contudo, lembram que essa influência nunca se traduziu numa eleição vencida por um independente. Jim Messina, antigo membro da equipa de Barack Obama, escreveu um artigo de opinião onde relembra que até o “terceiro candidato” mais bem sucedido da História norte-americana, Ross Perot, não conseguiu ir longe: “Apesar de fundos ilimitados e de enfrentar um Presidente impopular como George H. W. Bush e um quase-desconhecido Bill Clinton, Perot não venceu num único estado”, nota. “Pode a ‘No Labels’ torcer os dados e apresentar o argumento de que Perot podia ter vencido se tivesse feito as coisas de forma diferente? Claro! Mas é como eu dizer que podia ter sido o quarterback dos Denver Broncos — tecnicamente é verdade, mas vá lá…”

Em teoria, o apetite por um “terceiro candidato” no sistema norte-americano existe, mas a probabilidade de ser bem sucedido é ínfima, nota Reeher: “Se há eleição em que um candidato verdadeiramente moderado e centrista podia ser bem sucedido, é esta. Mas é um obstáculo demasiado grande.

Em vez disso, nota Paleologos, o máximo a que o grupo pode almejar é apresentar um candidato que tenha uma votação tão boa que consiga obter alguns dos votos do colégio eleitoral num estado: “Estados como o Maine e o Alasca usam um tipo de votação que abre a porta a que um terceiro candidato consiga obter alguns votos”, diz.

Esse pode ser mesmo o plano do “No Labels”, cujo principal estratega já admitiu que os possíveis votos obtidos pelo seu candidato no colégio eleitoral poderiam ser oferecidos a um dos dois candidatos em troca de concessões, formando assim uma espécie de “governo de coligação” — algo nunca visto no sistema norte-americano.

Por enquanto, tudo continua em suspenso. As ideias inicialmente previstas de fazer uma convenção em Dallas em abril já ficou pelo caminho e continua por se perceber como é que o grupo vai decidir que candidato apresentar. Os dirigentes do grupo, contudo, continuam firmes a dizer em público que, depois da Super Tuesday, tudo se clarificará.

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O "terceiro candidato" mais popular nas sondagens é Robert Kennedy Jr.

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Certo é que qualquer influência que um independente possa ter na eleição esbarra com a perspetiva de “voto útil” — e, numa sociedade polarizada com dois candidatos que desagradam, a perspetiva de ver o adversário odiado no poder pode bem fazer os eleitores ultrapassarem a falta de entusiasmo com o seu próprio candidato. “No final, votamos sempre no ‘D’ ou no ‘R’”, resumiu a especialista em sondagens Karlyn Browman ao New York Times.

A que se junta um outro detalhe muito relevante: o de que já existem terceiros candidatos na corrida. “Vamos ter um nomeado do Partido Verde, um nomeado do Partido Libertário e há dois independentes [Cornel West e Robert Kennedy Jr.] a concorrer”, resume David Paleologos. “E, quando olhamos para todos eles, o que tem melhores número é Kennedy. Não é Manchin ou qualquer outro nome da ‘No Labels’.”

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