Os negócios secretos e os ativos ocultos de algumas das pessoas mais ricas e poderosas do mundo foram revelados naquilo que é considerado uma das maiores revelações da história no que diz respeito à offshores. É desta forma que o The Guardian caracteriza os “Pandora Papers”, a maior investigação de sempre do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ), realizado por 600 jornalistas em 117 países e territórios.
Os “Pandora Papers” surgem cinco anos depois dos “Panama Papers” e a investigação, que visa atuais e antigos líderes políticos, mas também celebridades ou banqueiros, foi baseada em 11,9 milhões de ficheiros confidenciais e expõem os negócios secretos e o património oculto de mais de 330 políticos, incluindo 35 atuais ou antigos primeiros-ministros ou chefes de Estado em mais de 90 países. Os documentos em causa abrangem cinco décadas e a maioria foi produzida entre 1996 e 2020, incluindo informações sobre 29 mil beneficiários efetivos de offshores. Entre os jornais que fazem parte do ICIJ está o Expresso, o El País, o The Guardian, o Le Monde, o The Washington Post, entre muitos outros.
Nos documentos analisados, o Expresso descobriu três políticos portugueses: o ex-ministro e atual vice-presidente do PSD Nuno Morais Sarmento, o ex-deputado e governante socialista Vitalino Canas e o ex-ministro Manuel Pinho. Todos eles esclareceram ao jornal Expresso as (diferentes) razões das suas ligações a paraísos fiscais.
As offshores são empresas criadas num país diferente daquele onde reside o seu beneficiário. Ter uma offshore não é ilegal, o problema surge quando estas empresas são utilizadas para criar paraísos fiscais que facilitam a evasão fiscal, a fraude ou a lavagem de dinheiro. O problema com essas empresas é quando elas são criadas em paraísos fiscais em busca de pouca ou nenhuma carga tributária e sigilo, e não são declaradas ao fisco do país de origem de seus donos. Segundo cálculos da Comissão Europeia, noticiados pelo El Pais, o equivalente a 10% do PIB europeu circula por estes veículos na UE. E por causa disso Bruxelas estima perder a cada ano 46 mil milhões de euros em impostos. Um valor, aliás, próximo dos 50 mil milhões de euros que os portugueses colocaram em offshores entre 2001 e 2016 — tornando-se o terceiro país da União Europeia que mais riqueza transferiu para paraísos fiscais.
O círculo íntimo de Vladimir Putin
O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, não é referido nos “Pandora Papers”, mas os nomes de várias figuras que lhe são muito próximas aparecem referidas. Entre eles está o seu amigo de infância, Petr Kolbin, que morreu em 2018, e é considerado como a “carteira” da riqueza do líder russo, ou Svetlana Krivonogikh, uma mulher com quem Putin terá tido uma relação amorosa.
Em 2003, Svetlana Krivonogikh, na altura com 28 anos de idade e oriunda de um meio modesto, comprou um luxuoso apartamento no Mónaco por 3,6 milhões de euros. A identidade da compradora só foi possível descobrir graças ao trabalho dos jornalistas do ICIJ, uma vez que o apartamento em causa foi adquirido pela Brockville Development Ltd, uma offshore com sede nas Ilhas Virgens Britânicas. No ano em que comprou o apartamento, Svetlana Krivonogikh teve uma filha e o site de investigação Proekt diz o pai da criança poderá ser Putin. Por explicar fica a origem do dinheiro que permitiu à mulher comprar aquele luxuoso apartamento.
Outros dos nomes referidos nos “Pandora Papers” é o do empresário e produtor de televisão russo Konstantin Ernst, apontando como um dos principais responsáveis pela criação da imagem de Putin no exterior. A informação avançada pelo consórcio de jornalistas revela que após os jogos Olímpicos de Inverno em Sochi, na Rússia, em 2014, organizados pelo produtor de televisão, que melhoraram a imagem de Putin interna e externamente, Ernst tornou-se no “parceiro silencioso” do Presidente russo, atrás de empresas offshore, com negócios patrocinados pelo Estado russo que ultrapassaram os 140 milhões de dólares.
Tony Blair e o imóvel de 7,5 milhões de euros
O antigo primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair, e a mulher, Cherie Blair, são mencionados nos “Pandora Papers” no âmbito da compra de um edifício vitoriano em Londres por um valor de 6,5 milhões de libras (cerca de 7,5 milhões de euros).
Conforme explica o The Guardian, o negócio remonta a 2017 e o edifício em causa viria a servir como sede do escritório de advocacia de Cherie Blair. Para o comprarem, os Blair adquiriram uma imobiliária offshore que pertence à família do ministro da Indústria e do Turismo do Bahrein, Zayed bin Rashid al-Zayani, proprietária daquele imóvel. Tony e Cherie Blair pouparam assim cerca de 312 mil libras em impostos.
Cherie Blair aceitou falar sobre o negócio e explicou que o vendedor a quem compraram o referido imóvel só estava disponível para vender a companhia offshore que o detinha. Consequência: como não houve escritura, não houve pagamento ao equivalente no Reino Unido dos impostos devidos pela compra do imóvel, o que significou uma poupança de 345 mil euros.
Os Blair garantiram desconhecer que o verdadeiro dono do edifício era um ministro do Bahrain. E Cherie garantiu que o marido nada teve a ver com o negócio.
O império de mansões do rei Abdullah II
Também através de offshores nas Ilhas Virgens Britânicas, o rei da Jordânia, Abdullah II comprou três mansões em Malibu, na Califórnia, avaliadas em 59 milhões de euros.
De acordo com o ICIJ, entre 1995 e 2017, o monarca teve mais de 30 empresas em offshores que lhe permitiram comprar secretamente 14 residências nos Estados Unidos e no Reino Unido, em negócios que, no total, podem ascender a 100 milhões de euros. Muitas destas compras foram feitas pouco depois da Primavera Árabe, quando milhares de jordanos saíram às ruas para protestar contra a corrupção e o desemprego, numa altura em que os jordanos enfrentam duras medidas de austeridade imposta para combater a profunda crise ecnoómico naquele país do Médio Oriente.
Os advogados do rei Abdullah II, no entanto, dizem que o monarca não é obrigado por lei a pagar impostos e que o uso de offshores para comprar as casas de luxo deveu-se a motivos de segurança e privacidade, rejeitando qualquer ilegalidade.
O castelo de Andrej Babis
Antes de chegar ao poder, em 2017, o atual primeiro-ministro da República Checa, Andrej Babis, fez do combate à corrupção uma das suas bandeiras. No entanto, quando tomou posse, Babis não tornou pública toda a informação sobre os bens que possuía.
De acordo com portal Investigace.cz, o primeiro-ministro checo comprou, em 2009, através de empresas offshore, o Chateau Bigaud, um castelo na Riviera Francesa, perto de Cannes, por um valor de 22 milhões de dólares (cerca de 19 milhões de euros). Um ano depois, Andrej Babis, o segundo homem mais rico da República Checa, comprou outras sete propriedades próximas do castelo através de uma empresa com sede no Mónaco.
Ao esconder a luxuosa propriedade, Babis terá conseguido escapar a elevados impostos. O primeiro-ministro checo recusou comentar, mas um consórcio imobiliário ligado a Babis diz que a compra das propriedades foi feita dentro da lei.
Paulo Guedes e a offshore nas Ilhas Virgens Britânicas
Também referido nos “Pandora Papers” é o ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes. Segundo a investigação do El País e da revista Piauí, Paulo Guedes fundou em 2014 a empresa Dreadnoughts International Group, nas Ilhas Virgens Britânicas, tendo injetado 9,5 milhões de dólares (mais de oito milhões de euros) na empresa nos anos seguintes.
A compra da empresa offshore foi intermediada pela Triden Trust, uma empresa suíça que mantém filiais em vários países fiscais e que ajuda a manter atividades ocultas, à semelhança do que fazia a Mossack Fonseca.
Conforme explica o El País, no Brasil é proibido que os funcionários do governo tenham investimentos dentro ou fora do país com os quais possam beneficiar a partir de informações privilegiadas que têm. Quando tomou posse no ministério da Economia, em 2019, Guedes não fechou a empresa, embora tenha comunicado a sua existência à Comissão de Ética Pública, que não encontrou nenhuma irregularidade.
As transferências de Zelenskyi durante a campanha eleitoral
Antes de se tornar Presidente da Ucrânia, em 2019, Volodymyr Zelenskiy era um famoso ator que fazia sátira política, apontando o dedo aos políticos e aos oligarcas corruptos do país.
Durante a campanha eleitoral nesse ano, em que fez do combate à corrupção a sua imagem de marca, Zelenskiy, revela o ICIJ, transferiu 25% das ações que detinha na empresa Maltex Multicapital Corp, uma offshore registada nas Ilhas Virgens Britânicas, para Sergiy Shefir, amigo próximo e parceiro de negócios, que produzia os programas televisivos do agora Presidente ucraniano.Quando Zelenskiy chegou ao poder, Sergiy Shefir foi promovido a assessor político do Presidente.
Ao chegar ao poder, Zelenskyi declarou alguns dos seus bens privados, que incluíam carros, apartamentos e a participação em três empresas offshore, uma delas a Film Heritage, que geria com a sua mulher Olena. A transferência dos 25% da Maltex para Sergiy Shefir nunca foram comunicadas.