Em condições normais, Miguel Oliveira não terá um grande resultado no Grande Prémio do Qatar. Em condições normais, Miguel Oliveira fará tempos melhores uma semana depois no mesmo circuito, no Grande Prémio de Doha. Em condições normais, Miguel Oliveira será um dos favoritos na primeira prova em solo europeu, o Grande Prémio de Portugal. Em condições normais, andará em várias corridas na luta pelos lugares cimeiros, ficando no top 10 da classificação geral. Tudo porque, em condições normais, o Mundial de MotoGP terá 19 e não 14 corridas como no ano passado. E, em condições normais, será a regularidade a fazer a diferença nas contas finais.
Miguel Oliveira espera “fazer melhor do que em 2020” no Mundial de MotoGP
“Tecnicamente, acredito que sou um piloto muito completo. Também acredito que a nossa mota é muito completa. Poderá haver algum circuito ou alguma característica que não se adapte tão bem à nossa máquina, como é o caso da pista do Qatar, mas acredito que somos muito completos e tentaremos capitalizar as oportunidades. A preparação está feita, acreditamos no nosso trabalho. A equipa é muito competente e acredito que, juntos, vamos alcançar o resultado que merecemos e que ambicionamos”, destacou o piloto português numa conferência virtual durante a preparação para a nova temporada. Desta vez, e ao contrário do que aconteceu em 2020, não traçou uma meta concreta de classificação. Aí, ao Observador, apontou para o top 10. Acabou em nono. Ganhou duas corridas, acabou mais de metade entre os seis primeiros (algo que nunca fizera em 2019), fez mais 92 pontos comparando com a época de rookie. No entanto, com uma parte de adaptação, por ter mudado de equipa. Por isso, fala no sonho do título com total convicção de que chegará lá com a KTM sabendo que é um processo em evolução.
“Como se constrói um campeonato é corrida a corrida. É pontuarmos, é vermos as circunstâncias em que nos encontramos em cada prova e em cada momento, e extrairmos o máximo daquele momento. Se isso for uma vitória, será vitória, se for um quinto lugar, será o quinto lugar ou pior, o que é certo é que temos sempre de adaptar as nossas expectativas à realidade e às circunstâncias em que nos encontramos e nunca atirar a toalha ao chão. O campeonato é longo e teremos, sem dúvida alguma, muitas oportunidades para capitalizar e mostrar o nosso potencial em muitas corridas”, destacou. “Evoluímos em tudo, um bocadinho em tudo. Tentámos focar-nos em todos as áreas da mota, porque já tínhamos um pacote muito competitivo em 2020, e a única coisa que tentámos fazer foi levar motor, chassis, braço oscilante e aerodinâmica um pouco mais acima, para ganharmos performance e, noutros casos, para aumentarmos a nossa baliza de trabalho em termos de setup em circuitos em que não tenhamos corrido e termos mais margem de manobra para a afinar”, acrescentou à agência Lusa.
De forma prática, uma época em que fizesse mais do que os 171 pontos (média de nove por prova, que foi o que conseguiu em 2020) e entrasse no top 8 da classificação já seria um ano bom porque melhorava o que tinha feito no segundo ano de MotoGP e mostrava uma boa adaptação à nova realidade da equipa de fábrica da KTM. No entanto, Miguel Oliveira sonha com mais. Ambiciona mais. Quer mais. E são cinco as chaves para essa meta, sendo que o ano de 2021 vai sobretudo mostrar a que distância estão os cálculos no Einstein do título. “Sinto-me capaz de ser campeão. Mais tarde ou mais cedo, vai acontecer”, disse em agosto, após a vitória no Grande Prémio da Estíria. E agora começa esse novo capítulo de um sonho no MotoGP dentro de uma realidade diferente.
A importância de haver Portimão logo depois das duas corridas no Qatar
Estive sempre no limite mas vi que o Miguel Oliveira era intocável. Hoje não era possível acompanhar o Miguel, estava demais!”, Franco Morbidelli (piloto da Yamaha), 22 de novembro
Austrália, Malásia, Argentina, Américas, Tailândia, Japão. Em Moto3 e Moto2, Miguel Oliveira conseguiu chegar ao pódio com a KTM em várias provas não europeias do calendário. Uma das exceções foi o Qatar. E deverá ser o Qatar, um traçado que não encaixa com as características que a marca procura nas motos. A preparação durante as várias sessões de treino que antecederam o primeiro Grande Prémio foram positivas para o desenvolvimento da moto mesmo que não se tenha traduzido de forma tão expressiva nos resultados mas será sobretudo no Grande Prémio de Portugal que vai começar mais a sério uma temporada de 2021 com Miguel Oliveira a lutar pelos lugares cimeiros. E é também aí que o português coloca as fichas na primeira vitória da época, repetindo o feito de 2020 onde conseguiu pela primeira vez na carreira pole position, vitória, melhor volta e liderança do início ao fim.
Caso consiga esses 25 pontos, e fazendo o melhor possível nas primeiras corridas no Qatar, o piloto português da KTM entra na fase europeia do calendário com outra motivação e num contexto diferente, procurando de seguida fazer resultados tão bons ou melhores do que no ano passado em que acabou em oitavo no Grande Prémio de Espanha (conseguiu depois no mesmo circuito de Jerez-Ángel Nieto a segunda melhor qualificação da carreira só superada por Portimão mas saiu da corrida após ser tocado no pneu traseiro pelo agora companheiro de equipa), em sexto no Grande Prémio de França e em primeiro no Grande Prémio da Estíria, em Spielberg (após ter sido atirado para fora de prova por uma culpa mal medida de Pol Espargaró). Ao todo, e contando com o circuito do Algarve, serão 12 corridas na Europa incluindo o Algarve onde Miguel Oliveira se tem dado melhor.
O ano 0 da fase 2 de uma KTM que superou as suas expetativas em 2020
A jornada no MotoGP tem sido um sonho até agora mas o projeto começou com o sonho de conseguirmos uma vitória nesta categoria, pelo que é espantoso olharmos para trás e vermos o que já alcançámos. Candidatura ao título? Acho que essa pressão deve estar nos ombros de outros no paddock. As vitórias aconteceram, queremos mais”, Pit Beirer (diretor geral da KTM), 12 de fevereiro
Pit Beirer assumiu que não esperava um ano de 2020 com tanto sucesso, naquele que era apenas o quarto ano da equipa no MotoGP, mas as três vitórias alcançadas por Miguel Oliveira (Estíria e Portugal) e Brad Binder (Rep. Checa), a par dos cinco pódios de Pol Espargaró (que saiu para a Honda), elevaram a fasquia da KTM no Mundial que agora arranca. “O objetivo no início do ano era lutar pelo top 5 em condições secas e talvez aproximarmo-nos de um pódio, ganhar três corridas foi dar um passo importante e adiantou-nos no processo”, assumiu em entrevista ao jornal Record. No entanto, o alemão pretende fazer de 2021 uma espécie de “ano 0 na fase 2”.
O Falcão no Algarve como chefe de fila da KTM em 2021 não é apenas possível – é mesmo provável
Depois de não ter sido aposta no início de 2020 para a equipa de fábrica, Miguel Oliveira conseguiu com a Tech3 uma época fantástica que fez com que tivesse as mesmas condições de Brad Binder. Mais do que isso, conseguiu por mérito próprio colocar-se como líder natural da equipa depois da saída de Pol Espargaró sem a pressão de ter de alcançar resultados a breve prazo mas com a certeza de que faz parte de um projeto montado para que sejam criadas as condições para um dia lutar com as mesmas armas pelo título. “O Miguel é um campeão. Olha para cada detalhe, é muito exigente e nós adoramos pessoas como ele. Tem um plano claro, sabe o que quer. Todos gostamos dele, percebemos que ele é um tipo muito inteligente e que quer ser o mais completo possível. Quando as coisas não estão bem num determinado dia, não vamos ver uma grande prestação dele, porque ele não vai arriscar de forma estúpida. É isso que também já aprendemos com ele em Moto2 e Moto3. Quando ele está bem e rápido, é tão forte que se torna muito difícil de derrotar. Tem um talento incrível e fisicamente é impressionante”, destacou.
Um ponto fundamental: criar uma química que fazia a diferença na Tech3
Diria que a grande diferença entre esta moto (da versão de 2020) era perceber de melhor forma as necessidades do piloto, além do desenvolvimento do motor e do chassis. Esta combinação foi como magia para os nossos pilotos”, Mike Leitner (team manager da KTM), 21 de fevereiro
A vitória de Miguel Oliveira no Algarve teve um significado especial, diferente do Grande Prémio da Estíria. Porque corria em casa, porque conseguiu festejar com a família, porque era a despedida da Tech3. E as palavras do dono da equipa, Hervé Poncharal, a esse propósito mostraram bem um dos segredos para a época de 2020 que conseguiu fazer. “Estamos orgulhosos pela forma como a KTM evoluiu a moto, estamos orgulhosos da nossa equipa que conseguiu encontrar a configuração certa mas, acima de tudo, estamos muito orgulhosos do Miguel que foi um piloto fantástico: ganhou duas corridas, mostrou maturidade e profissionalismo, é uma pessoa fantástica”, frisou, antes de falar na véspera de alguém que foi “um jogador de equipa, um grande piloto, uma boa pessoa com grande sentido de humor, alguém com a atitude certa, muito focado mas nunca sem um sorriso na cara”.
É esse trabalho que Miguel Oliveira tem feito nas últimas semanas: “conhecer” a nova equipa, criar dinâmicas que estavam assimiladas na Tech3, perceber as melhores formas de trabalho. Foi isso que se viu nas duas primeiras sessões de treinos livres do Grande Prémio do Qatar, com muito diálogo com Paul Trevathan, chefe dos mecânicos da KTM. O português é um piloto que desde pequeno, quando era ainda o pai a fazer as afinações, tenta adaptar a moto às suas necessidades e necessita que seja assim para evoluir não só durante a temporada mas em todos os fins de semana de competição. “O meu chefe de mecânicos está sempre aberto a adaptar o plano de acordo com as nossas necessidades. É muito bom, estou a gostar bastante destes primeiros dias e sinto mesmo que temos uma equipa vencedora”, destacou há duas semanas. Muito do sucesso de 2021 depende desta adaptação.
2021 #MotoGP: Next Level! #KTM #ReadytoRace @BradBinder_41 @_moliveira88 @Petrux9 @LecuonaIker @Tech3Racing @redbullmotors pic.twitter.com/hp9whCtuzq
— Red Bull KTM Factory Racing (@KTM_Racing) February 12, 2021
Um campeão que olha para outros e a importância da regularidade em pista
Favoritos? Não gosto muito de fazer isto, vou fazê-lo porque no desporto nunca se sabe, como já demonstrámos. Muitos vão enganar-se… Vou dizer quem vai estar no top 5: Rins, Morbidelli, Marc Márquez e Quartararo. E eu também”, Joan Mir (piloto da Suzuki e campeão em 2020), 1 de março
O ano de 2020 foi particularmente atípico por ter perdido logo na primeira corrida da época aquele que era de longe apontado por todos como o grande favorito ao título, Marc Márquez. E as apostas foram mudando de sentido com o evoluir da temporada, com Fabio Quartararo e Maverick Viñales a começarem como os melhores da Yamaha antes da consolidação de Franco Morbidelli, Takaaki Nakagami a apresentar resultados que permitiam fazer sonhar com o pódio no Mundial (até pela evolução de Álex Márquez) na Honda antes de duas corridas falhadas que deitaram tudo a perder e as Ducati de Andrea Dovizioso e Jack Miller com grandes oscilações consoante os traçados. Joan Mir acabou por vencer o título beneficiando a par de Álex Rins de um ponto fundamental a partir do Grande Prémio da Estíria: regularidade. E foi assim que as duas Suzuki terminaram ambas no pódio.
Miguel Oliveira também não tem dúvidas em apontar Marc Márquez como “claro candidato ao título”, mesmo sem participar nas duas primeiras corridas da temporada no Qatar (substituído por Stefan Bradl), e aponta para uma competitividade crescente numa época de motas oficiais e com muitos campeões e vice-campeões em Moto2 que evoluíram com o tempo, mas sabe também que essa questão da regularidade será fundamental para chegar aos lugares cimeiros. Nesse ponto entronca uma aposta forte em 2021 – afinal, é preciso recuar à primeira época em Moto2, no ano de 2016, para encontrar uma temporada com tantos abandonos como em 2020. Em 14 provas feitas no último ano na Tech3, Miguel Oliveira ganhou duas e terminou mais de metade entre os seis primeiros lugares, fazendo aí 112 pontos; sem essas desistências, ou a prova para esquecer da KTM em Aragão, teria acabado no mínimo no top 5 do Mundial. E são esses pormenores que irão definir em grande parte a classificação.
A valorização do eterno ídolo de Miguel Oliveira: Valentino Rossi
Na minha opinião, [Miguel] Oliveira vai ser um candidato ao título em 2021 porque no ano passado já venceu duas corridas e este ano está a correr pela equipa de fábrica”, Valentino Rossi (piloto da Yamaha e grande ídolo do português no paddock), 3 de março
Miguel Oliveira sempre foi apontado como um piloto com futuro no MotoGP quando andava em Moto3, onde foi vice-campeão mundial atrás de Danny Kent em 2015, e quando estava em Moto2, onde acabou por uma vez na terceira posição em 2017 (atrás de Franco Morbidelli e Thomas Lüthi) e outra como vice-líder em 2018 superado por Pecco Bagnaia. E foi nessa perspetiva que fez um primeiro ano quase de aprendizagem em 2019 no MotoGP, onde teve a oitava posição na Áustria como o melhor resultado de um ano que acabou com a 17.ª posição e uma lesão complicada no ombro que lhe retirou as últimas três provas da época. Em 2020, aí, a realidade mudou. E as duas vitórias, na Estíria e em Portugal, colocaram o antigo rookie num patamar mais alto, não suficiente para o atual campeão Joan Mir considerar que está nos favoritos mas capaz de merecer elogios de outro antigo campeão, Valentino Rossi, o ídolo do português desde pequeno que saiu agora da equipa principal da Yamaha.
“No ano passado, o campeonato foi muito apertado. Numa temporada em que não há um líder claro, alguém que se isola, dá a ideia aos outros pilotos que podem lutar pelo campeonato. Acredito em mim e que tenho o que é preciso para lutar pelo campeonato, preciso é da consistência de campeão. É o que é preciso para ser campeão”, destacou o piloto português durante a preparação para a terceira temporada no MotoGP, a primeira onde sai com uma fasquia mais alta em termos de expetativas mas aquele onde tem mais trabalho de início para fazer por forma a adaptar-se a uma nova equipa, a novos mecânicos e à nova moto. Mais um desafio para o Falcão de Almada.
Livro. Miguel Oliveira, as primeiras sensações no Moto GP e a relação com o ídolo Rossi