Hervé Poncharal, um antigo piloto francês sem grande currículo, tinha um sonho. Juntou-se ao engenheiro Guy Coulon e a Bernard Martignac e começaram a participar no campeonato de 250cc, utilizando motas da Honda e da Suzuki, Em 1999, juntou-se à equipa de fábrica da Yamaha no MotoGP, com pilotos como Shinya Nakano, Alex Barros, Marco Melandri, Colin Edwards, Andrea Dovizioso, Cal Crutchlow ou Bradley Smith. Alcançou mais de uma dezena de pódios e teve um momento marcante em 2010 quando o japonês Yuki Takahashi ganhou o Grande Prémio da Catalunha em Moto2. Em março de 2018, aquilo que já todos sabiam ou pelo menos desconfiavam foi mesmo confirmado: a Tech3 ia associar-se à KTM como equipa satélite, com vários elogios de Pit Beirer, director da KTM, para o trabalho e qualidade da equipa. Sem saber, Poncharal ficava mais próximo do sonho.

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Apesar das posições modestas do malaio Hafizh Syahrin em 2019, onde nunca foi além de um 13.º lugar (Grande Prémio da Grã-Bretanha) e terminou o Mundial no 23.º posto, Miguel Oliveira, que subiu ao MotoGP via Tech3 nesse ano de 2019 depois de ter sido vice-campeão no Moto2 pela KTM apenas atrás do italiano Pecco Bagnaia – e na época anterior tinha terminado o Mundial em terceiro, superado por Franco Morbidelli e Thomas Lüthi –, fez um oitavo lugar na Áustria, andou mais vezes perto do top 10 e concluiu a temporada no 17.º posto também por ter falhado as últimas três provas por lesão. Se a esperança no português era muita, o arranque de 2020 redobrou essa mesma expetativa pelo andamento que conseguiu com a sua Tech3. Para Poncharal, que teve alguns dos pilotos mais promissores nas duas décadas de Yamaha, o sonho podia estar mais perto da realidade e eram os próprios pilotos, como Dovizioso, que colocavam o Falcão de Almada entre os favoritos. No Grande Prémio da Estíria, no mesmo Red Bull Ring onde caíra com Pol Espargaró, o francês teve também o seu “prémio”.

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“Que dia incrível, com imensas emoções. Estamos há 40 anos nisto e nunca tínhamos ganho uma corrida de MotoGP. Honestamente, pensei que este dia nunca iria acontecer e hoje foi o realizar de um sonho. Aqui na Áustria, em frente aos nossos patrocinadores principais, que é a Red Bull, em frente à gestão da KTM, o nosso construtor… Para ser sincero, esta manhã estava tão desanimado depois de ver os meus pilotos de Moto3 colidirem quando lutavam pelo pódio [Deniz Oncu e Ayumu Sasaki]… Pensei que talvez fosse hora de me retirar porque quando estás tão envolvido acabas por ficar muito triste por este tipo de coisas. E agora sou a pessoa mais feliz do mundo. Só as corridas te podem dar estes altos e baixos de emoções”, comentou o patrão da equipa.

“Quero agradecer à Red Bull e KTM, pois sem eles não seria possível. Quero também dedicar a vitória ao próprio Miguel, pois tem lutado imenso. O primeiro ano não foi fácil, especialmente porque se lesionou na segunda metade da época. Temos sido rápidos desde o início, a moto evoluiu, ele evoluiu, mas nunca fomos capazes de mostrar o que valíamos por causa das circunstâncias de corrida. Agora, conseguimos! Estou muito orgulhoso dos meus dois KTM. Agora esta é uma das motos a abater. Fizemos um incrível trabalho na fábrica, com os engenheiros, com a equipa de testes juntamente com Dani Pedrosa”, admitiu também Hervé Poncharal, antes de voltar a deixar palavras de agradecimento a Miguel Oliveira pelo desempenho histórico para o próprio e para a Tech3.

“Trabalhei com várias construtoras e este grupo é ainda mais especial. Disseram que estavam prontos para competir e não é apenas um chavão, é mesmo real. Há um envolvimento muito grande, uma enorme paixão pela corrida e isso é contagiante. Vamos celebrar e esperar que surjam mais dias como este no futuro. Mas hoje quero agradecer muito ao Miguel e ao Iker [Lecuona], que fez uma fantástica corrida”, acrescentou.

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Se no Grande Prémio da Rep. Checa tinha ficado um sentimento difuso entre a alegria pela primeira vitória de sempre da KTM e do sul-africano Brad Binder, o histórico sexto lugar de Miguel Oliveira e a desistência de Pol Espargaró quando tinha tempos para ir ao pódio, agora foi festa a dobrar com o primeiro triunfo do português e da Tech3 na principal categoria, além do pódio para Pol Espargaró. Mas, por estranho que pareça, o feito acabou por trazer também “más notícias” para a própria KTM, que ficou agora sem as concessões que tinha.

Com a vitória de Brad Binder na Rep. Checa (três pontos), o triunfo de Miguel Oliveira na Estíria (três pontos) e o pódio na terceira posição de Pol Espargaró também na Estíria (um ponto), a KTM superou os pontos de concessão que foram implementados em 2016 para que novas equipas se pudessem juntar ao MotoGP com outros incentivos em relação às principais marcas. E foi isso que a marca “perdeu”, em alguns pontos com efeito imediato e noutros a partir da próxima temporada. Como explica o site oficial do MotoGP, a formação austríaca deixa de ter direito para já a dias ilimitados de testes, só pode rodar em dias oficiais de testes e o espanhol Dani Pedrosa deixará de fazer testes em pista. Já a pensar em 2021, a KTM terá de escolher três circuitos de testes, passarão a ter sete em vez de nove motores para a próxima temporada e passam a contar com três wildcards em vez de seis.

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“Só existe uma coisa que interessa que é ver o laranja da KTM este domingo no parque do pódio. Quaisquer que tenham sido os benefícios que tivemos no passado estão agora a ter a sua retribuição. Penso que está na altura de nos compararmos com as melhores marcas e ter as mesmas regras. A KTM mostrou que para onde quer quer vá, não vai para perder e é fantástico aquilo que conseguiu em tão pouco tempo no MotoGP. Devem ficar satisfeitos por isso. Não se trata apenas de ter dinheiro e recursos financeiros para fazer as coisas porque em competição interessa juntar o grupo certo de pessoas para trabalhar num projeto e fizemos isso desde início. Penso também que o Mike Leitner [diretor de corridas da KTM] tem muita responsabilidade nisso, é uma pessoa com muita experiência e que, no final do dia, levou este projeto para outro nível. Nós, os pilotos, beneficiámos disso mesmo e a partir de agora só temos de correr como qualquer outro piloto”, comentou Miguel Oliveira.