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O Apple Watch é "uma sandes de torresmos"

As relojoarias na Baixa lisboeta não são muitas, mas dão prova de vida. E não temem a concorrência dos novos dispositivos, que fazem muita coisa. Até dão para ver as horas.

Não faltou muito para que este artigo fosse um nado-morto, um aborto espontâneo em fase de gestação não muito avançada. Eis a reportagem do Observador a descer do Bairro Alto à Baixa de Lisboa em busca de relojoarias. Eis a reportagem a calcorrear ruas e ruas sem ter sucesso. Rua dos Fanqueiros, nada. Rua da Prata, nada. Rua da Vitória, nada (a que havia aqui já fechou). Mesmo na Rua Augusta já só há uma aberta. Sinal dos tempos de crise? Ou será que as pessoas se desinteressaram definitivamente de relógios?

Rua da Palma. Sabe onde é? Fica entre a Praça da Figueira e a Almirante Reis e é onde está instalada, desde o longínquo ano de 1924, a Ourivesaria 13. O nome não tem mistério: é o número da rua. A loja nem sempre foi onde está hoje, antigamente era do lado oposto da rua, naquilo que é atualmente o Hotel Mundial. Eládio Simões, com cinquenta anos de casa, não tem memória desses tempos, mas recorda-se de outras felicidades. O negócio anda mau. “Nossa, se tem piorado! A malta não tem dinheiro”.

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Na loja, as prateleiras estão quase exclusivamente preenchidas por peças em prata e ouro. São anéis, baixelas, pratos, caixinhas. Os relógios, esses, têm direito a pouco destaque: meras duas prateleiras, a um canto da montra. E é tudo da marca Casio. “Tivemos Rolex, mas não tínhamos quem pegasse nisso”, conta Eládio, que aponta para rua, onde diz estar parte do problema. Mesmo à porta da loja, dois indivíduos parecem fazer uma transação. É coisa habitual ali, diz o relojoeiro, que levanta a voz quando fala da concorrência. “A concorrência? É tudo! Vai ali ao Centro Comercial da Mouraria e há lá tudo: Rolex, Breitling, Omega… não é nada disso”. Mas os clientes não se parecem importar. “As pessoas o que querem é chegar ao Intendente e comprar relógios por três ou quatro euros”.

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Então e esse famoso relógio daquela marca que é uma maçãzinha já com uma trincadela e que, prometem, faz quase tudo? Eládio ri-se, mas não de satisfação. O Apple Watch não é concorrência para a Ourivesaria 13, nem o parece ser para nenhuma das relojoarias que o Observador visitou esta terça-feira, um dia depois de a marca norte-americana ter anunciado que vai começar a vender o seu relógio a 24 de abril. O que preocupa Eládio, e outros, é a falta de dinheiro no bolso dos clientes, mas não só.

Cada um tem o marisco que quer

Amândia Fernandes, gerente de relojoaria numa rua que parece esquecida pelo mundo, a dos Douradores, junto à igreja de São Nicolau, não perde muito tempo a falar do relógio da maçã. “Estão a dar cabo do comerciante pequeno”, atira, acusando não sabe bem quem de estar a deixar que a Baixa se torne quase exclusivamente num bairro de hotéis e para turistas. “A Baixa, que devia ser um centro de serviços, está a perder essa qualidade. Abrem hotéis uns em cima dos outros.” E nem os 48 anos que já leva de loja lhe garantem segurança. O prédio onde está instalada a sua relojoaria – que se chama Quartzo, já agora – é um dos que a Santa Casa da Misericórdia quer reabilitar. E Amândia tem medo que o senhorio, de um momento para o outro, a obrigue a encerrar portas.

“Ainda não me sinto velha para ir para casa”, comenta. E a prová-lo estão os comentários que faz à tecnologia do Apple Watch, um relógio que promete fazer chamadas, mandar mensagens, medir os passos dados, calorias queimadas e pulsação, bem como aceder a um sem-número de aplicações na internet. Ah, e ver as horas. “Já há esse tipo de produto”, diz Amândia, referindo-se aos relógios que leem os sinais biométricos do utilizador. Na Quartzo, ela e o marido têm à venda diversas marcas, mas é a Citizen, de gama média, que tem destaque. “As pessoas vão atrás da moda”, mas Amândia não crê que dispositivos como o Apple Watch tragam “grandes problemas para a relojoaria”, até porque “a pessoa que gosta de relógios, pode não ter dinheiro para mais nada… mas compra”.

"É muito desagradável um lojista dizer ao cliente 'olhe, já não há peças para isso'". E é o que vai acontecer a quem comprar Apple Watch, acredita Amândia.

Dos comerciantes com quem o Observador falou, quem talvez tenha a melhor comparação entre relógios normais e o Apple Watch para fazer é Pedro de Nunes, funcionário da Ourivesaria Dólar, casa da Praça da Figueira onde é possível comprar relógios e outras peças de joalharia em segunda mão. Aqui, é de Rolex para cima. Não se encontra nenhum relógio abaixo dos mil euros e o mais comum é custarem para cima de cinco mil. O modelo mais caro do Apple Watch vai custar 10 mil euros. Mas as semelhanças (se as há), acabam aí. “Não tem nada a ver. É como comparar um arroz de marisco com uma sandes de torresmo”. Dependerá do gosto de cada um, mas depreende-se aqui que a sandes de torresmo é o relógio da marca da maçã.

Pedro de Nunes já tinha perdido dois ou três minutos a tentar encontrar a metáfora perfeita, mas só lhe tinha saído que o Apple Watch “é engraçado, mas é um brinquedo” que não atrairá os verdadeiros amantes da arte de bem ver as horas. “Temos relógios e, depois, instrumentos que medem as horas”, diz. “É um segmento distinto”, remata o colega de loja, Aníbal Carrasqueiro. E o seu riso denota um certo escárnio pelas marcas mais baratas.

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Relógios low cost

De marcas baratas sabem as relojoarias da Rua Barros Queirós, aquela que vai do Teatro D. Maria II ao Martim Moniz, rente à igreja de São Domingos. Nesta artéria lisboeta, há cinco ourivesarias, mas só três vendem relógios. Fora as lojas chinesas, que vendem os instrumentos que medem as horas a três euros cada. E o negócio?, perguntamos na Ourivesaria Joaquim Baptista da Silva. “Está fraco. Ponto final.” Quem fala não é o homem que deu nome à casa, é Luís Simões, que está ali já há quase quarenta anos. Na montra, só Casios. “Há Casios de culto, enquanto a Apple… bom, pode ser de culto, mas é mais novidade”, diz o ourives, que também dedica pouco espaço da montra aos relógios. Mais uma vez, o Apple Watch não parece assustar, até porque não se assusta quem já está amedrontado.

“A zona está degradada, mataram a Baixa”, acusa Luís, que aponta o início da decadência das relojoarias não para o início da crise financeira mas para o aparecimento dos centros comerciais. “Barcelona, Madrid, Londres, Paris… não se vê isto. Na rua é que se faz o comércio”. Quase literalmente, como já vimos. Aristides Marques, há 46 anos responsável pela Ourivesaria São Domingos, junto ao largo homónimo, também se queixa de quem usa o meio da rua para compras e vendas ilegais. Por pouco, conseguem-se “relógios que pouco mais são do que uma pilha”, mas a clientela parece contentar-se.

O relógio da Apple vai começar a ser vendido em abril

LOIC VENANCE/AFP/Getty Images

Que o digam Sara e Sandra, empregadas da Barateira de São Domingos, a poucos metros. O nome diz tudo: “o cliente aqui quer o mais acessível”. E o mais acessível são os relógios Casio que enchem a montra, a custar entre os vinte e os trinta euros. “Não há semana nenhuma que não se mexa na montra Casio. É o que vai mexendo.” Ainda esta terça, dizem, vendeu-se um relógio e um despertador dessa marca. E Apple Watch é coisa que as faz rir. Não há ali ninguém que queira tal.

E o negócio de Aristides, pode sair prejudicado? Ele é o único que, naquela rua, tem Seiko à venda, uma marca mais cara do que a Casio. Mas não, nada teme. “Quem compra, sabe o que vem comprar. Connosco não vai colidir, é um tipo de relógio que não nos afeta, não é um relógio vulgar.” E com esta justificação, ri-se, perante a perspectiva de um futuro que mantenha a loja a trabalhar. Ou a sonhar com um arroz de marisco, quem sabe.

Fotografias de André Correia

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