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Três anos de Crato. Orgulho de quê?

Ainda antes de ser ministro, Crato já falava em "implodir" o Ministério da Educação. Com o programa de Governo seguido praticamente à risca, diretores de escola acusam-no de ter centralizado tudo.

Este último mês foi, provavelmente, o mais difícil e desgastante do percurso do ministro da Educação e Ciência. Ao ponto de Nuno Crato ter desabafado publicamente que não tem um trabalho “confortável” e ter pedido desculpa à comunidade educativa. Em privado, apresentou a demissão ao primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, que o segurou e reforçou a confiança no governante.

A polémica está bem presente na memória sobretudo dos alunos, dos pais, dos professores e dos diretores de escola. Um erro na fórmula de cálculo de ordenação dos docentes na Bolsa de Contratação de Escola (utilizada por escolas com autonomia e em territórios de intervenção prioritária) levou a um atraso sem paralelo no arranque das aulas em cerca de um terço das escolas e criou situações de injustiça que, entretanto, o Ministério tem estado a tentar resolver.

Ao longo do último mês, várias foram as manifestações contra o atraso no arranque do ano letivo

As acusações ao ministro sucederam-se por parte da comunidade educativa, que em várias ocasiões gritou “demissão“, bem como da oposição. Passos Coelho entrou em cena, em defesa do ministro Nuno Crato, elogiando-o. “Tenho muita honra em poder dizer que o senhor ministro da Educação, tendo-me colocado na altura o lugar à minha inteira disposição, nunca evitou lavar as mãos, ou melhor nunca evitou agarrar o problema e nunca procurou lavar as mãos do assunto. Isso só significa que acertei quando o escolhi para ser ministro da Educação”, revelou o chefe de Executivo no passado dia 20 de outubro, numa visita a um centro escolar no concelho de Esposende.

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Uma posição de defesa e elogio, que não encontra eco nas escolas. Mas porquê? Terá Nuno Crato feito pouco pela Educação? A verdade é que não se pode acusar o ministro de pouco ou nada ter feito. O Observador foi ver, uma a uma, as mais de 50 medidas inscritas no programa de Governo no capítulo da Educação, excluindo a Ciência, e os vistos (de concretizado) superam as cruzes, quando ainda lhe resta um ano de mandato pela frente. Terá então o ministro feito tudo mal? Aí as opiniões dividem-se, com maior ênfase na crítica negativa.

"Garanto que não é o trabalho mais confortável do mundo ser ministro da Educação"
Nuno Crato, ministro da Educação e Ciência

“Admito que o ministro Nuno Crato não tenha feito tudo mal e que até tenha adotado medidas positivas, mas essas acabam por ser ofuscadas pelos erros graves cometidos, como este na colocação de professores que deixou tantas crianças sem aulas por mais de um mês”, refere António Parente, vice-presidente da Confederação Nacional de Associações de Pais e Encarregados de Educação (CNIPE), que utiliza as palavras “atribulado”, “incerteza”, “ansiedade” e “stress” para resumir estes três anos e quatro meses de mandato.

Já Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof e principal rosto da oposição ao ministro, considera que “Nuno Crato tem pouca força no seio do Governo” e vai mais longe: “ele nunca chegou a ser bem ministro”. O sindicalista recorda a primeira reunião que os juntou à mesa e as palavras de Nuno Crato. “Disse-nos que na verdade aquilo não era um ministério, era um mega-ministério, e que ele era uma espécie de coordenador de ministros”, relata Mário Nogueira, acrescentando que um coordenador “tem de mexer cordelinhos e, neste caso, em muitas situações, o ministro está completamente por fora dos assuntos”. Uma crítica reforçada por Adelino Calado, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), que afirma que “o Dr. Crato não conhece o funcionamento das escolas e isso não tem ajudado na tomada de decisões”.

A maior autonomia das escolas que … “não passa de retórica”

Uma das bandeiras deste ministro foi desde sempre, e continua a ser, a avaliar pelo discurso, a autonomia das escolas, a par da maior descentralização do poder. Só no programa de Governo uma mão não chega para contar as medidas com esse propósito. E olhando para o que foi feito até aqui seria “injusto” dizer que o ministro não fez nada neste sentido, frisam os diretores de escola. Com Nuno Crato aumentaram de 21 para 212 o número de escolas com contrato de autonomia, foi dada uma maior liberdade na definição do tempo de cada unidade letiva e da carga horária anual de cada disciplina, cumprindo os limites mínimos, e assegurando que disciplinas como o Português e a Matemática ficassem reforçadas, foram também atribuídos mais créditos horários às escolas que tiveram melhores resultados escolares e que mais reduziram o abandono escolar para poderem utilizar como bem entendam, no apoio aos alunos.

"Com a centralização que existe neste momento a autonomia é retórica. Se queremos comprar uma simples caneta temos de lançar concurso público que pode levar meses"
Filinto Lima, vice-presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e das Escolas Públicas

Mas foram “passos tímidos”, sublinha Filinto Lima, vice-presidente da ANDAEP. “Com a centralização que existe neste momento a autonomia é retórica”, garante o também diretor do Agrupamento de Escolas Costa Matos, dando um exemplo simples de como tudo está mais centralizado: se uma escola precisar de uma caneta tem de lançar um concurso público, cujo procedimento pode demorar meses. Antes deste Governo assumir funções, a escola podia comprar diretamente o material em falta. “Com a ânsia de quererem controlar tudo e mais alguma coisa para não derrapar a despesa não têm em conta a qualidade do material, nem o preço” e acaba por “afetar a qualidade de ensino”, acusa o diretor.

escolas

Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional dos Diretores Escolares (ANDE), reclama que apesar do aumento da autonomia em termos curriculares, “a sensação que temos é que as escolas têm hoje menos autonomia”. E porquê? “Cada vez as coisas estão mais burocratizadas nas escolas. A nossa vida é completamente infernizada com papéis. Isto é o reino dos papéis e com este Governo também dos sistemas informáticos, as chamadas plataformas”, resume o dirigente.

Este é o Ministério do “até às 23h59”, ironiza Adelino Calado, da ANDAEP, depois de confirmar que o “maior problema nas escolas é a limitação do ponto de vista administrativo e a exigência de informação até à hora e a toda a hora”. Uma pressão que supera os “pequenos” ganhos de autonomia curricular.

“O Ministério [da Educação] é uma máquina gigantesca que se acha dona da Educação em Portugal. Eu quero acabar com isso”
Nuno Crato, ministro da Educação e Ciência, durante a apresentação do programa de Governo, em 2011

Em 2011, na apresentação do programa de Governo, no Parlamento, Crato disse que o Ministério da Educação era “uma máquina gigantesca que se acha dona da Educação em Portugal” e que queria “acabar com isso”, repetindo a ideia que tinha antes de ser governante e que era a necessidade de “implodir” o Ministério da Educação.

Estas palavras ficaram na memória dos diretores de escola que agora as relembram para fazerem um balanço. “O senhor ministro não implodiu com o Ministério da Educação. Quanto muito ainda vai implodir é com o sistema educativo. Não acho que a educação tenha melhorado”, remata Manuel Pereira, secundado por Filinto Lima: “Nuno Crato queria implodir com o ministério da educação mas não conseguiu fazer isso. Não implodiu, nem organizou”. Os diretores reclamam que com o fim das direções regionais de educação tudo se centralizou em Lisboa e que é “muito difícil” ou até mesmo “impossível” comunicar com as direções gerais.

"O senhor ministro não implodiu com o Ministério da Educação. Quanto muito ainda vai implodir é com o sistema educativo"
Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares

Também o ex-ministro da Educação Roberto Carneiro, numa análise ao estado da escola pública e evolução dos últimos anos, centra-se no problema da falta de autonomia. “Sendo certo que algum avanço tem sido registado, a verdade é que a pulsão centralizadora, fruto de uma longa tradição administrativa jacobina e napoleónica, tem prevalecido”, resumiu, apontando para o exemplo da colocação de professores, que foi ainda mais “centralizada”, quando na verdade a seleção e recrutamento dos professores deveria caber aos estabelecimentos de ensino. Mas isso não acontece porque há “desconfiança” nas instituições e nos diretores.

Crato colocou professores à prova, contra ventos e marés

Outra das tónicas deste ministro foi posta na avaliação e na formação. Não só de alunos, mas também de professores. E aqui reside a causa de outra das grandes dores de cabeça deste governante. A polémica Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) que motivou protestos, greves, providências cautelares, mas que acabou por avançar, embora tarde, e deixando de fora do concurso de colocações deste ano alguns milhares de docentes. A prova estava prevista desde 2007 e só Crato a levou por diante, tal como estava escrito no programa.

A 22 de Julho, vários professores tentaram boicotar a realização da nova PACC

Daí Mário Nogueira achar que “Nuno Crato não está a desiludir”. “Crato tentou cumprir a missão que tinha em mãos. E o problema é que fez exatamente o que disse que ia fazer”, levando por diante “medidas que este Governo tanto criticou quando estava na oposição”. “Afastou professores, reduziu pessoal às escolas, enfraqueceu currículos. Três anos e meio depois o que podemos dizer é que na Educação as coisas estão piores”.

professores

E será que a autoridade dos docentes está hoje mais reforçada, fruto das medidas tomadas, tal como era objetivo do Governo? A resposta a esta pergunta é personalizada por Raquel, professora de Matemática e Ciências, que afirma sem hesitação “que os professores têm hoje é cada vez menos autoridade”, desde logo por causa da PACC e da exposição que houve perante o País por parte dos governantes, “ridicularizando a figura do professor”.

E o rigor na sala de aula aumentou? Estão os alunos mais bem preparados?

Há mais avaliações. Esse facto é inegável. Os programas sofreram alterações, tornaram-se mais exigentes, e pôs-se fim a algumas disciplinas, reforçando outras nucleares, frisa o ministério. Mas quem está no terreno faz um resumo diferente. “Os alunos passaram a ter mais companheiros na sala de aulas, encerraram escolas primárias, agregaram-se outras em mega-agrupamentos, os exames do 4º ano são em maio, quando as aulas ainda estão a decorrer”, sublinha o diretor Manuel Pereira. Quanto à redução do abandono escolar, que Crato tanto apregoa, os agentes do setor sublinham que essa evolução se deve não tanto a medidas do presente mas do passado.

E em relação à mudança de programas, a professora Raquel dá a sua opinião, focando-se na disciplina de Matemática do quinto ano. “É ridículo. Parece que estou a lecionar para alunos do terceiro ciclo”, avança, acrescentando que isso em nada melhora a qualidade de ensino.

"É ridículo [a mudança do programa e das metas curriculares]. Parece que estou a lecionar para alunos do terceiro ciclo"
Raquel, professora de Matemática e Ciências do 2º e 3º ciclos

Em relação às provas finais também muitas dúvidas se levantam, na comunidade educativa sobre a eficácia de um exame e da influência do mesmo na qualidade de ensino. E ter mais horas a português, matemática, história ou geografia, em prol de outras disciplinas não é visto com bons olhos por muitos diretores, que não querem assumir a responsabilidade da escolha.

De forma diferente pensa Rodrigo Queiroz e Melo, diretor executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, que diz que foi dado um “passo importantíssimo no sentido da maior autonomia curricular” nos privados, com o novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, lamentando porém o Governo ainda nada ter feito em relação ao reforço da liberdade de escolha, que, no guião para a Reforma do Estado, foi atirada para o próximo ano e seguintes.

alunos

Outro dos pontos importantes, e “positivos, não fossem as limitações”, diz Manuel Pereira, seria o do ensino vocacional e profissional no ensino básico e no secundário. Crato desenvolveu esta via de ensino alternativa para alunos que, por exemplo, chumbem anos seguidos no ensino regular, mas os diretores apontam falhas nos recursos humanos e materiais.

Mexidas no ensino superior continuam em estudo

Passando do ensino básico e secundário, para o ensino superior, há muito menos a dizer. Desde logo porque várias das medidas que o Governo inscreveu no programa também eram menos ambiciosas. O Governo dizia, por exemplo, que ia proceder ao “estudo de possíveis medidas conducentes à reorganização da rede pública de instituições do ensino superior” e à “discussão do modelo de financiamento do ensino superior”. E a verdade é que estes pontos, que seriam os verdadeiramente revolucionários, continuam “em curso”, segundo o Ministério de Nuno Crato, que até já apresentou um plano estratégico de reforma do Ensino Superior.

ensino_superior

De resto foram criados este ano os cursos superiores técnicos de dois anos nos politécnicos e em breve iniciar-se-á a discussão sobre a criação de consórcios, que permitirão fusão de instituições e sinergias em termos de recursos humanos (desde logo docentes) e materiais.

Com poucas ou nenhumas medidas a causarem polémica no setor, estes três anos não deixaram de ser problemáticos no que diz respeito às universidades e politécnicos, sobretudo por causa dos cortes orçamentais, com os reitores a chegarem mesmo a suspender diálogo com o Governo, e a alertarem para situações de rutura. Nenhum reitor ou presidente de instituto politécnico, contactado pelo Observador, quis fazer um balanço destes três anos, nem falar da atuação do ministro Nuno Crato.

"Colocar mais recursos na educação não é melhorar a sua qualidade. Ao contrário do que certo tipo de debate nos pode levar a crer, nem tudo são recursos"
Nuno Crato, ministro da Educação e Ciência

Aliás, os cortes orçamentais estarão na origem ou no culminar de muitas das medidas tomadas ou continuadas por Crato. Encerrar escolas, agrupar outras, aumentar o número de alunos por turma e acabar com algumas disciplinas, permitiu reduzir a necessidade de professores. Mas, segundo os agentes do setor, os cortes orçamentais – e que entre 2011 (de acordo com a despesa consolidada) e 2015 (de acordo com a proposta de orçamento) deverão superar os 1,1 mil milhões de euros – não podem justificar a quebra na qualidade do ensino.

O ministro, que esta sexta-feira, 24 de outubro, discursou no Parlamento no âmbito das jornadas parlamentares conjuntas do PSD e do CDS, referiu que “colocar mais recursos na educação não é melhorar a sua qualidade. Ao contrário do que certo tipo de debate nos pode levar a crer, nem tudo são recursos”. O ponto está na “boa utilização desses recursos”.

Um ano pela frente. Será que ainda há tempo?

Com um ano de mandato ainda pela frente, resta saber se o ministro vai a tempo de dar algum passo no sentido da maior liberdade de escolha na educação preconizada no Guião para a Reforma do Estado. E de mudanças na organização da rede e no financiamento do Ensino Superior.

A tempo irá certamente de avançar com o Programa Aproximar, transversal a todos os serviços de atendimento da administração pública, e que se prende com a descentralização de competências neste caso na área da educação para as autarquias. Aliás, já estão a ser discutidos projetos-piloto.

"Na preparação do próximo ano lectivo não vamos fazer experimentalismos. A preparação do próximo ano lectivo vai ser mais atempada do que é habitual"
Nuno Crato, ministro da Educação e Ciência

2015 poderá ainda ser o ano em que se avançará com a discussão alargada sobre o sistema de colocação de professores, que tanto tem sido reclamada quer pela oposição, quer pela comunidade educativa, no sentido de melhorar os arranques de ano letivo. Crato já disse que no próximo ano “não haverá experimentalismos” nas colocações e prometeu, no Parlamento, que o próximo ano letivo será preparado de forma mais “atempada” do que o habitual.

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