“Pode parecer que estamos na reta final do Brexit mas, na realidade, estamos apenas no fim do início” e, na realidade, “tudo ainda pode acontecer — até, mesmo, o Brexit ser cancelado“. Azad Zangana, economista-chefe da gestora Schroders, atribui uma pequena probabilidade a que o Brexit seja cancelado — “talvez 5%” — mas “não é um cenário que se possa excluir”, porque, se houver um novo referendo, há muitos jovens que, três anos depois, já têm idade para votar (e, tendencialmente, votariam pela permanência) e “muitos cidadãos mais idosos, que votaram maioritariamente pelo Leave, já terão falecido”. Uma coisa é certa: se a saída do Reino Unido da União Europeia se confirmar, “veremos uma mudança profunda” na forma como as várias “tribos” europeias se equilibram em Bruxelas.
O aviso foi feito pelo economista-chefe na conferência internacional da gestora de fundos — uma das maiores do mundo, com quase 500 mil milhões de euros sob gestão. Antes de trabalhar para a Schroders, Azad Zangana trabalhou em Bruxelas, ao serviço (do Tesouro) de Sua Majestade, e testemunhou a forma como interagem e se equilibram as quatro “tribos” na União Europeia, designadamente na forma como aprovam ou chumbam iniciativas políticas. Esse equilíbrio de forças vai ser profundamente alterado, e isso está a deixar muita gente na Europa “extremamente preocupada”.
Uma primeira “tribo” é composta pelos liberais económicos, onde estão Irlanda, Holanda, Finlândia, Dinamarca, Suécia e, para já, também o Reino Unido — países que preferem uma regulação leve e que acreditam mais nos mercados livres. Um segundo grupo inclui Portugal mas, também, países como França, Espanha, Itália, e Grécia, entre outros. Esses são a “tribo” a que Zangana chama intervencionistas/protecionistas, que tendem a ter economias mais estatizadas com regulação mais apertada e intrusiva.
A terceira “tribo” inclui os membros mais recentes da União Europeia, uma longa lista que inclui Bulgária, Croácia, República Checa, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia, Roménia, Eslovénia e Eslováquia. Esses são, diz Azad Zangana, os oportunistas: “são aqueles que podem votar de uma forma ou de outra, desde que lhes deem um suborno”, diz o economista, sem meias-palavras.
O quarto grupo inclui a maior economia europeia, a Alemanha, e, também, a Áustria. Esses são os “power brokers“, uma espécie de fiéis da balança, que estão no centro do poder e conseguem ser decisivos, com o seu peso e influência, para a forma como as iniciativas políticas na Europa avançam ou se acabam na sarjeta. Tipicamente, a Alemanha e a Áustria tendem a ouvir as partes e, a certa altura, juntar-se a uma das posições. E, na maioria dos casos, juntam-se aos liberais do que os intervencionistas/protecionistas.
Ora, Azad Zangana recorda-se de quando fazia a viagem de Londres para Bruxelas, no Eurostar, e recebia, por exemplo, um e-mail dos colegas holandeses a dizer que os franceses tinham colocado em cima da mesa uma proposta sobre harmonização fiscal — “basicamente, uma proposta em que os franceses querem, na realidade, dizer ‘nós temos aqui esta ideia, mas sabemos que vamos ficar menos competitivos por causa disto, portanto queremos que toda a gente aplique o mesmo'”, recorda Azad Zangana, meio a brincar.
Não era pouco comum, diz Azad Zangana, os colegas holandeses dizerem aos britânicos: “vocês importam-se, por favor, de se opor a isto e, depois, nós juntamo-nos a vocês?“. O Reino Unido tem sido o ponta de lança dos liberais na Europa e, quando se juntavam, depois, os outros países — incluindo a power broker Alemanha — isso cria uma minoria capaz de bloquear qualquer proposta legislativa (isto porque uma maioria qualificada necessita de 16 estados-membros e 65% da população representada).
Qual é o problema? É que, “com o Reino Unido fora, deixa de existir essa minoria qualificada, os liberais vão ficar desamparados e não vão conseguir bloquear propostas mesmo que consigam que a Alemanha vote com eles”, diz Azad Zangana. Resultado: “se o Reino Unido sair, França vai tornar-se uma potência muito mais poderosa e isso irá fazer com que a Europa sofra mudanças dramáticas”. Alguns exemplos do que pode acontecer: “um imposto sobre as transações financeiras vai impor-se em toda a UE, vamos ter legislação muito mais rígida não só no mercado de trabalho como em outras áreas, como a agricultura”.
A aritmética é relativamente simples: juntando os liberais e os power brokers, temos 39% da população europeia e oito países — o que é suficiente para bloquear legislação. Mas, no pós-Brexit, se juntarmos os power brokers (Alemanha e Áustria) aos liberais económicos (subtraindo o Reino Unido), temos só 30% da população — ou seja, é uma minoria que deixa de ter capacidade de veto.
“Os líderes dos países liberais estão extremamente preocupados com a direção futura da União Europeia, sem o Reino Unido, e estão a ponderar se conseguem viver com essa direção ou não“, atira Azad Zangana.
Tories à frente nas sondagens. Vitória está no papo?
Na perspetiva da Schroders, a julgar pelas últimas sondagens, “o partido conservador tem, nesta altura, uma liderança importante”, o que aumenta a probabilidade de que o acordo de divórcio atingido por Boris Johnson possa ser aprovado na Câmara dos Comuns. Mas o resultado destas eleições é, na ótica da Schroders, muito mais incerto do que possa parecer, à partida.
A média das sondagens analisadas pela gestora de ativos aponta para que os conservadores obtenham algo como 39% dos votos (contra os 28% dos trabalhistas). Numa análise simplista, isso parece apontar para que os conservadores obtenham uma maioria confortável de 40 assentos parlamentares (345 deputados). “Mas essa é uma análise simplista, provavelmente demasiado simplista — as contas podem ser muito complicadas desta vez”, diz Azad Zangana.
Tendo em conta a forma como os lugares são atribuídos, através do Método D’Hondt, a vitória dos conservadores pode muito facilmente ser muito mais curta — “se fizermos um corte uniforme de dois pontos percentuais a favor do Labour, subitamente, já temos os conservadores sem maioria absoluta, faltando um deputado para a conseguir. Nem é preciso recordar a recuperação do Labour, na reta final da campanha de 2017, para reconhecer que “esta é uma eleição com um resultado ainda muito incerto“.
O que é que isto pode significar para o processo de saída da UE? Azad Zangana salienta que “se os conservadores não conseguirem uma maioria absoluta, a oposição pode chegar a um acordo no sentido de provocar um segundo referendo“. A indicação que existe do lado do Labour é que Jeremy Corbyn quereria renegociar o acordo, obter uma versão mais “suave” do Brexit e, depois, submeter o hipotético novo acordo a uma votação em referendo, para confirmar ou cancelar o Brexit.
Caso exista, mesmo, um segundo referendo, como é que as pessoas iriam votar, perguntou o Observador na conferência. “Os estudos de opinião que têm sido feitos sugerem que cerca de 7% daqueles que votaram para sair terão, nesta altura, mudado para a permanência. Por outro lado, cerca de 5% dos defensores da permanência poderiam querer passar para o lado do leave.
“Será uma votação muito renhida, mas o que sabemos é que a vasta maioria dos jovens votou pela permanência. E, três anos depois do referendo, temos uma fileira de pessoas que, no referendo, não pôde votar por ter menos de 18 anos — agora já vai poder. “Também sabemos que a maioria dos cidadãos mais idosos votou pela saída da União Europeia e alguns desses terão, entretanto, morrido”, diz Azad Zangana, adiantando que “esta evolução da população inclina um pouco o resultado, em teoria, para a vitória da permanência. Mas tudo pode acontecer“.
“Taxas de juro altas como antes da crise? Esqueça. Isso foi-se”, diz Schroders
O jornalista viajou a Londres a convite da Schroders.