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André Maia em Marienfeld, na Alemanha
Alguém alguma vez disse que Marienfeld era uma terra pacata? Esqueça essa ideia. A Seleção portuguesa chegou esta noite, pelas 21h00 (20h00 em Portugal), ao Hotel Klosterpforte e a pequena vila com cerca de 5 mil habitantes ganhou mais alguns para a receção ao autocarro luso. Uma autêntica loucura.
Os fãs da Seleção encheram a estrada que dá acesso ao hotel ao longo de mais de 700 metros, quase um quilómetro inteiro, num cordão humano que esteve de pé durante mais de três horas, algumas pessoas até mais. Mas a festa, essa, começou bem antes. E até podia ter acabado mal.
O bebé que Ronaldo pegou quer novo colo aos 18 anos
Rodrigo Romano tinha apenas 6 meses quando o passaram para os braços de um estranho. Não, não estamos a falar de um Papa a dar uma bênção na Praça de São Pedro no Vaticano. Falamos de Cristiano Ronaldo. Foi o capitão português que deu colo a Rodrigo em 2006, na última passagem de Portugal por Marienfeld. Um momento que ficou imortalizado numa fotografia, que agora o jovem luso-germânico guarda como fundo do telemóvel: “É incrível. Já disse mil vezes obrigado ao meu pai. Todos os meus amigos têm muita inveja da foto. Ainda por cima está perfeita, estamos os dois a sorrir”.
O agradecimento ao pai podia ser pela foto, mas também pelo legado: Rodrigo é filho de Daniel Romano, que é filho de Júlio Romano. O primeiro é gerente da Casa Romana, que vende produtos lusitanos em Gütersloh, o segundo é presidente da Associação de Portugueses da mesma cidade. Um legado luso que passou também para o filho e neto: “Eu sinto-me português. Eu tenho Cartão do Cidadão e Passaporte português. E passar pela cidade e ver pessoas com bonés e camisolas de Portugal deixa-me tão feliz. Porque o Euro é na Alemanha. Isto devia estar cheio de bandeiras da Alemanha. Mas não, são de Portugal e isso é muito especial para mim e para a comunidade portuguesa”.
Agora, Rodrigo, com 18 anos, vai tentar ver novamente Ronaldo e companhia. E, quem sabe, emular a fotografia que vê, cada vez que abre o telemóvel: “Isso para mim nem é pergunta. Era um sonho tirar novamente uma foto com ele. A Alemanha inteira quer tirar foto com o Ronaldo. Espero que aconteça, mas sei que é muito improvável. Mas ainda tenho esperança!”, admite.
O Chico cão que não conhece Conceição
Manuela Lança esteve em pé desde as cinco da tarde até às nove da noite junto às grades que separavam os adeptos da estrada. Para além disso, ainda fez quase uma hora de caminho, vinda de Dortmund. Na camisola: Ronaldo. No cachecol: Ronaldo. Em cada resposta: Ronaldo. Na camisola que vestiu o seu cãozinho, também o nome de Ronaldo. Mas o nome do cão: Chico. “Conceição?”, perguntámos. “Não, não. Nós também gostamos dele, mas não”. Até porque o jogador favorito do cão — sim, Manuela garante que ele tem um jogador favorito — é CR7… ainda que a escolha possa ser forçada.
“Já é o meu segundo cão e cada um teve uma camisola para apoiar Portugal. Porque nós aqui, na Alemanha, vivemos muito isto”, explica-nos. “A Seleção vir cá faz-nos sentir mais perto do nosso país. Faz-nos sentir lá. Parece que o coração fica maior”.
Mas o maior, mesmo, para Manuela, é só um. E esteve em todas respostas que nos deu: “O Ronaldo, para mim, é um exemplo. Ele é criticado, mas sabe lidar com isso”. E não tem medo que esse exemplo esteja a chegar ao fim. Aliás… duvida mesmo que a reforma esteja para chegar. “Ele não tem idade. E acho que ele joga até aos 50 anos. A não ser que lhe partam as pernas… e mesmo assim duvido”, diz entre risos. O cão não disse uma palavra ou latido, mas talvez concorde.
Por Ronaldo? “Fiz 300 kms hoje, quatro horas de viagem”
Luca passou com algo enrolado debaixo do braço. As cores deixaram a suspeita, confirmada depois: era uma camisola do Sporting. Mas não uma qualquer. Uma camisola do Sporting da época 2002/2003, a última época completa de Cristiano Ronaldo de leão ao peito. O nome nas costas não podia ser também outro. “Onde a arranjaste?”, perguntámos. “Foi numa feira de velharias em Berlim, há um mês. Havia uma banca com camisolas antigas e assim que a vi tinha de comprar”, diz Luca.
E tinha de a comprar também porque é um fã dedicado de Cristiano. Tão dedicado que tirou o dia para tentar chegar ao capitão. Luca é de Hamburgo e fez 300 km para ver apenas o autocarro passar, na esperança de um vislumbre do número 7. “Foram quatro horas de viagem de carro. Saí hoje de manhã e cheguei cá à hora de almoço. Até pode ser por uns segundos, mas claro que tinha de vir. Ele representa a mentalidade que devemos ter para chegar onde queremos”.
A camisola passou então do braço para o corpo, para Luca mostrar orgulhosamente o nome que trazia à retaguarda. A parte da frente, sempre a mais importante, aqui valia menos. Mesmo que não saiba muito sobre o Sporting, para Luca, o nome que traz nas costas vale pelo resto. “É um dos maiores clubes do mundo e um das maiores de Portugal. Mas admito que só comprei por ser o primeiro clube do Cristiano”.
Luca não conseguiu ver Ronaldo, apesar de ter conseguido um lugar na fila da frente do gradeamento que separou o povo da estrada de onde chegou o autocarro. O gradeamento não serviu de muito. A polícia alemã também não. Assim que o autocarro passou, as centenas e centenas de pessoas que esperavam pela Seleção abalroaram as grades e correram para a vedação do hotel, arrancando até as redes alusivas à Federação Portuguesa de Futebol. Um momento de descontrolo, com queda de muitos adeptos que foram chocando, mas que felizmente não acabou em desastre. No fim, e ainda bem, ficou só uma certeza: falta de apoio, a Seleção não vai ter. Com muita loucura à mistura.