Discreto, poliglota, filho de um comunista ferrenho, Carlos Moedas, de 44 anos, entrou tarde na política, mas teve uma rápida ascensão. Esta segunda-feira começa uma nova etapa como comissário europeu para a Investigação, Inovação e Ciência.
Conhecido como o homem da troika, por ter sido responsável pelo acompanhamento da execução do memorando de entendimento enquanto secretário de Estado, a sua recente nomeação surpreendeu muitas pessoas, até porque é o comissário com menos experiência política, mas não os amigos.
“Lembro-me de ele na escola ser bom em tudo, até em desenho. Mas não era um tótó, Tinha uma vida muito preenchida e já era extremamente culto”, afirma ao Observador António Pereira, engenheiro agrónomo que conhece Carlos Moedas desde os 12 anos. Foram colegas de carteira desde o 7º ano e a cumplicidade manteve-se até ao primeiro ano de faculdade em Lisboa. “Era irrequieto, estava sempre a fazer perguntas. Lembro-me que era muito bom a francês, mas não tinha explicações”, conta o antigo colega de escola.
No que diz respeito à política, António Pereira envolveu-se muito cedo na JSD e afirma ter tentado convencer durante cinco ou seis anos Carlos Moedas a juntar-se a ele. “Ele era da minha linha política e tínhamos longas discussões políticas mas nunca consegui convencê-lo”, assume. Pensa que a mudança ocorreu quando percebeu que podia ser útil ao país e a sua ascensão não o surpreendeu. “Se o Carlos Moedas trabalhasse para mim, ia promovê-lo na minha empresa. Para onde quer que vá faz um brilharete porque é multifacetado”, afirma.
Carlos Moedas entrou tarde na política. Apesar do assédio na juventude para se juntar à JSD e até simpatizar com as ideias do partido – que tinha uma vida difícil em Beja nos anos 80 -, preferiu manter-se neutro nas disputas políticas e apostar no futuro académico. Passados mais de 20 anos, regressou à sua terra natal como deputado social-democrata eleito por este círculo eleitoral. Ficou conhecido durante os anos da governação de Passos Coelho por ser o homem mais próximo da troika e acabou por perder a pasta quando o resgate de Portugal terminou.
“Não estranhei a sua indigitação para candidato português na Comissão Juncker, nem que ele tenha passado brilhantemente na audição do Parlamento Europeu”, disse ao Observador Eduardo Catroga, presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, que conheceu Carlos Moedas em 2010 quando chefiou uma delegação do PSD mandatada pelo então novo líder Pedro Passos Coelho que negociou junto do PS, então Governo, a viabilização do Orçamento do Estado para 2011. “Até então não o conhecia, mas já era um elemento ativo no PSD, especialmente no Gabinete de Estudos do partido”, relembra Eduardo Catroga.
Moedas tinha entrado para o PSD durante a liderança de Manuela Ferreira Leite, pela mão de António Borges, que tal como ele também trabalhara na Goldman Sachs. Nessa altura já vivia em Lisboa com a família (mulher e três filhos) depois de um percurso académico e profissional que o levou ao estrangeiro.
Nascido em Beja, tirou o curso de Engenharia Civil no Instituto Técnico de Lisboa e um último ano de Erasmus, em 1993, em França. Foi nesse país que conheceu a mulher e onde ficou a viver depois do curso, seguindo depois para os Estados Unidos (onde tirou o MBA na Harvard Business School) e depois para o Reino Unido (onde entra como estagiário na Goldman Sachs, no setor de fusões e aquisições). No regresso, liderou a consultora imobiliária Aguirre Newman em Portugal – entre 2004 e 2008.
Catroga voltou a encontrar Carlos Moedas pouco tempo depois “numa altura em que já se percebia que o Governo de Sócrates estava a chegar ao fim”, depois de ser anunciada a necessidade de intervenção externa no país e na elaboração do programa de ajustamento externo que trouxe a troika a Portugal. “Foi o meu braço direito, trabalhámos durante dois ou três meses. Tem uma formação técnica sólida e tem uma característica importante: quer sempre saber mais”, lembrou o ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva contando que uma noite ficaram a trabalhar até tão tarde, que Carlos Moedas adormeceu em cima do computador e caiu com a cabeça no teclado. “Eu dei-lhe um abanão, ele acordou e continuou a trabalhar”, contou.
A passagem para a política
Foi nesta altura que Carlos Moedas começou a aparecer nas televisões dos portugueses e, com a demissão do Governo, a distrital de Beja do PSD o escolheu como cabeça de lista na região. Apesar de ter deixado há anos a cidade, Carlos Moedas ainda tem lá família (a mãe e a irmã vivem lá) e o pai foi um conhecido jornalista que fundou o Diário do Alentejo. “Tinha assumido protagonismo com as negociações da troika, ganhou notoriedade, a família era toda de lá e é uma família conhecida em Beja”, diz ao Observador Mário Simões, líder do PSD-Beja e deputado – substituiu Moedas na Assembleia depois de este ser nomeado como secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro.
Apesar de terem a mesma idade, Mário Simões diz só ter conhecido bem Carlos Moedas durante a campanha para as legislativas de 2011. “Só o conhecia de vista, tínhamos amigos diferentes por volta dos 17, 18 anos”, conta.
Durante a campanha, o deputado Mário Simões afirma ter testemunhado muitas das características que apontam a Moedas. “É um homem simples, humilde, de fácil trato, que fala com todos e que tem uma capacidade invulgar de trabalho”, diz Simões, que lembra as viagens de automóvel no distrito para chegar aos vários eventos de campanha em que Carlos Moedas falava “três línguas diferentes” ao atender chamadas, trabalhava no computador e respondia a e-mails. Após uma ação de campanha, em maio de 2011, Mário Simões conta que o perdeu de vista durante uns minutos no meio da confusão e o encontrou sentado nas escadas da igreja, de computador aberto e responder a e-mails de Eduardo Catroga.
A cara da troika no Governo
Essa capacidade de trabalho também impressionou no Governo de Pedro Passos Coelho, onde Moedas ficou com a missão de coordenar com os restantes ministros a execução do programa de ajustamento e fazer o acompanhamento da troika em Portugal. Paula Teixeira a Cruz, ministra da Justiça, só conheceu Carlos Moedas no Executivo, mas ficou bem impressionada. “É muito competente, muito metódico, eficaz no planeamento e um bom gestor de equipas”, afirma a ministra ao Observador, dizendo que apesar de verificar a ação de cada ministério, Carlos Moedas “nunca fez ultrapassagens”, olhando para as soluções que lhe eram apresentadas e “estudando os dossiês”.
Segundo a ministra, Moedas tentava no seio do Governo manter “uma atitude positiva” e resolver problemas mesmo perante “as avaliações mais difíceis da troika”. Paula Teixeira da Cruz diz que Moedas “está longe da visão tecnocrata” que se possa ter dele. “Falamos muito de viagens, cinema, livros. É um homem e cultura e com uma mundivisão que faz parte da sua estrutura”, afirmou a ministra.
Teve um trabalho “difícil” dentro do Governo, “servindo de esteio” entre o FMI, o BCE e a Comissão e o Executivo, o que levou a “discussões duras”, relembra Catroga. Uma das maiores polémicas em que esteve envolvido aconteceu em 2012, quando a TVI noticiou que o relatório entregue pelo gabinete do secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro à troika sobre rendas excessivas no setor da energia divergia do que tinha sido elaborado pelo então secretário de Estado da Energia, Henrique Gomes – este, aliás, demitiu-se passado pouco tempo.
Para além do trabalho de bastidores, Carlos Moedas chegou a elogiar várias vezes em público a troika. Em maio de 2011, quando ainda era candidato a deputado, Moedas disse que o não cumprimento do acordo “seria fatal para Portugal”. Já em 2013, o então secretário de Estado elogiou um relatório FMI que apontava ao Governo onde deveria cortar 4 mil milhões de euros, sugerindo cortes de 20% nos vencimentos da função pública e declarando que professores ou polícias tinham “demasiadas regalias”.
“A importância deste relatório é que realmente é um relatório quantificado, muito bem feito, muito bem trabalhado, e que eu espero que seja lido por todos, pelos partidos políticos, pela sociedade civil em geral, porque ele é importante”, disse então Carlos Moedas, o que lhe valeu críticas violentas.
As afirmações do governante criaram mal-estar dentro do próprio Governo, com o ministro da Segurança Social, Luís Pedro Mota Soares, a dizer que o relatório partiu de pressupostos errados. Argumento rebatido por Moedas, que defendeu então que o relatório envolveu consultas com todos os ministérios do Executivo e que não compreendia a posição do centrista.
Carlos Carreiras, presidente da Câmara de Cascais e vice-presidente da Comissão Política Nacional do PSD, pediu mesmo a demissão de Carlos Moedas nessa altura, defendendo na sua página de Facebook que “um membro de um qualquer Governo que tem a ‘inteligência’ de produzir uma afirmação desta natureza, perante um relatório com este teor, só pode ter uma atitude – abandonar as funções governativas”.
“Eu, enquanto social-democrata, não gostei de ver um secretário de Estado de um Governo liderado pelo meu partido… e confesso que, do ponto de vista simbólico, também me chocou porque havia um sorriso nos lábios”, disse o vice-presidente do PSD, Carlos Carreiras, sobre Carlos Moedas.
Durante o seu mandato, Carlos Moedas escreveu vários artigos em jornais internacionais para rebater críticas feitas ao próprio país. Num deles, publicado no The Wall Street Journal em 2012 explicou as reformas que estavam em curso em Portugal e noutro, que data do final de 2013, publicado no Financial Times, responde ao jornal que dias antes tinha questionado se Portugal precisaria ou não de um segundo programa de ajustamento.
De Lisboa a Bruxelas foi um programa de ajustamento
No fim do programa de ajustamento, Moedas lançou o livro “A Gestão do Programa de Ajustamento – 1.000 dias, 450 medidas cumpridas” que dedicou aos seus colegas de Governo e onde o primeiro-ministro parece já estar a fazer uma carta de recomendação para Jean-Claude Juncker sobre as capacidades do seu secretário de Estado.
“Com qualidade técnica e política invulgar, conseguiu coordenar e responder pelo essencial da interação com a Troika, tanto ao nível do chefes de missão, como das respetivas equipas. […] Carlos Moedas e a sua equipa foram, fundamentalmente, quem articulou quase tudo no seio do Governo e quem lidou com a Troika no dia-a-dia durante estes três anos. Souberam antecipar muitos dos problemas e ajudaram toda a gente a resolver todos os que sobraram, e que foram sempre muitos”, escreveu o primeiro-ministro no prefácio deste documento.
Apesar de não ter havido um anúncio formal da nomeação de Moedas como comissário, os membros do Governo apoiaram a decisão do primeiro-ministro. Já a oposição condenou a nomeação do “senhor troika em Portugal”, como disse Mariana Mortágua, deputada do Bloco de Esquerda.
Em Bruxelas, na audição perante o Parlamento Europeu, Moeda disse que a sua história “era uma história europeia”, impressionou ao falar perfeitamente em quatro línguas – português, inglês, francês e espanhol -, mostrou conhecimento sobre os programas de investigação em vigor, especialmente no que diz respeito às possíveis utilizações do fundo Horizonte 2020 para a ciência – que vale 80 mil milhões de euros -, embora não se tenha comprometido com quaisquer promessas ou linhas de ação. Os próprios eurodeputados portugueses da oposição não questionaram a sua capacidade, mas sim a sua linha política – o comissário português foi aprovado sem dificuldades pelos eurodeputados dos 28. Carlos Moedas é o primeiro aluno de Erasmus a chegar a comissário e o segundo elemento mais jovem na equipa de Juncker.
Sobre a sua capacidade em Bruxelas, Eduardo Catroga diz que Moedas vai ser um comissário “low-profile, mas muito eficiente”. “No seio da União Europeia há um processo de negociação permanente e ele é um negociador que sabe encontrar pontes”, aponta o presidente da EDP.
Uma capacidade de gerar consensos que lhe vem desde que era muito novo e estudava em Beja. “Lembro-me de estar a colar cartazes do PSD nas ruas de Beja e choverem pedregulhos. Era um mundo muito diferente, mas o Carlos sempre teve amigos de várias correntes ideológicas e é uma pessoa de consenso”, afirma António Pereira, dizendo que é algo que esta é uma das principais características de Moedas. “Há algo que sempre admirei nele. O pai dele era um homem muito inteligente, respeitado e comunista. Achei sempre de uma grande nobreza como é que o Carlos que não tinha a mesma posição que o pai, geria aquilo tão bem, com respeito”, afirma.
Sobre o desempenho em Bruxelas, o amigo de infância diz que Carlos Moedas não vai para lá para se reformar. “É a antítese, vai para lá para trabalhar. Ele sempre soube o que queria e nada aconteceu por acaso”, remata.