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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O discurso de Isabel Camarinha no 1º de maio em cinco pontos

A luta em tempos de Covid-19, bazucas armadilhadas de Bruxelas e as exigências para a retoma. O discurso de Isabel Camarinha no 1º de Maio descodificado em cinco pontos.

Os palcos da CGTP costumam estar repletos de dirigentes nos discursos, sejam os do 1.º de maio, do 25 de abril ou de outras manifestações organizadas pela central sindical. Desta vez, foi diferente. E Isabel Camarinha, que fez o primeiro discurso de um 1.º de maio como secretária-geral da CGTP, esteve sozinha em palco — para garantir as distâncias de segurança que também iam sendo cumpridas pelos sindicalistas que a escutavam. Falou pouco no passado e focou-se, sobretudo, no presente – nos tempos de pandemia que, defende, exigem medidas como a proibição dos despedimentos ou o pagamento do salário integral do layoff aos trabalhadores.

Em pouco mais de 20 minutos de discurso, Isabel Camarinha afirmou-se contra a austeridade, palavra que é repetida “insistentemente por muitos” e admitida “pontualmente por outros”, disse 14 vezes a palavra luta (ou derivados) e rejeitou bazucas vindas de Bruxelas, que “servem para atacar direitos e deixar o país mais dependente”. Mas ainda teve tempo para os mantras das alocuções da CGTP. O discurso da líder da Intersindical em cinco pontos.

Não nos calamos, estamos na rua

A frase: “Alguns queriam calar-nos. Mas não nos calamos. É um direito de que não abdicamos

Isabel Camarinha não deixou de aludir aos que criticaram a realização da manifestação do 1.º de maio, mesmo com normas de distanciamento social e o uso de máscaras. A secretária-geral da CGTP frisou que “estamos na rua”, não por “direito”, mas também “por dever com aqueles que representamos  e que enfrentam uma brutal ofensiva, que estão a ser sujeitos ao aproveitamento que alguns fazem do vírus para acentuar a exploração”.

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Quem são os “alguns” que queriam “calar” a CGTP? Isabel Camarinha, diplomática, não os enumerou, mas talvez estivesse a pensar na UGT, e o seu secretário-geral, Carlos Silva, que se recusou a fazer ações de rua, sob o argumento de que seria uma “irresponsabilidade”. A central sindical justificou com o “estado de alerta”, as “medidas excecionais” e a necessidade de“evitar riscos de propagação e contaminação”. Por alternativa, preferiu assinalar a data com “iniciativas online” — a transmissão de mensagens de sindicalistas nacionais e estrangeiros.

Talvez Isabel Camarinha tivesse ainda em mente um grupo (uma minoria) de sindicalistas da Inter do Bloco de Esquerda, que enviou uma carta à direção da CGTP a defender que as celebrações fossem simbólicas e nas redes sociais.  “Num momento de crise sanitária, crise social e económica provocada por um vírus, as respostas aos trabalhadores revestem-se de uma importância muito grande”, mas “tal como em todos os momentos de celebração pública desde o início da pandemia, são necessárias medidas excecionais”.

Os bloquistas pediram que fossem respeitadas “as condições de segurança e saúde, conforme a DGS determina, por forma a não potenciar a propagação do vírus”, escreveram. E deixavam mesmo um desafio à CGTP: que aproveitassem a oportunidade para “ensaiar novos formatos e novas formas de contacto” com os trabalhadores.

A manifestação da CGTP este ano implicou apertadas medidas de distanciamento social. 3 metros entre cada sindicalista.

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Contra “a austeridade admitida pontualmente por alguns”, marchar marchar

A frase: “Não estamos condenados a anos e anos de sacrifícios, a uma recuperação lenta, a um processo doloroso que implicará ‘mais austeridade’, como é repetido insistentemente por muitos e admitido pontualmente por outros!”

Ao contrário do seu antecessor no cargo, Isabel Camarinha nem uma única vez se referiu ao Governo PS. Falou do governo, mas sem nunca o associar ao partido socialista. Também não falou de António Costa, nem de qualquer um dos ministros do atual executivo. Talvez a referência mais insidiosa a Costa tenha sido quando recordou que a austeridade é admitida pontualmente por alguns. A frase fez lembrar a (pequena) polémica de há umas semanas, quando o primeiro-ministro deu três entrevistas no espaço de sete dias. Na primeira, à agência Lusa, Costa recusou a “austeridade” como caminho incontornável para os anos da recuperação económica pós-Covid-19. Dias depois, ao Observador, o primeiro-ministro foi ainda mais claro. “Medidas de austeridade seriam contraproducentes para a retoma”, disse Costa.

O problema surgiu no sábado seguinte, quando saiu uma terceira entrevista, desta vez ao Expresso, em que António Costa parecia estar a matizar as suas palavras, ao dizer que é demasiado experiente para dar respostas definitivas de “sim ou não” à austeridade, rematando com “é preciso lembrar que a despesa de hoje são os impostos de amanhã”, uma frase que ministro da Economia também tinha usado na mesma semana. As diferenças no discurso foram notadas e os deputados na Assembleia da República, no debate seguinte com o primeiro-ministro, deram conta disso mesmo. Costa reagiu com violência, responsabilizando o Expresso por um título erróneo acerca das suas palavras e garantindo que nunca saiu da mesma posição: “austeridade, não”. As palavras de Isabel Camarinha colocam-na no grupo que não comprou a explicação.

Para a secretária-geral da CGTP, “está em marcha uma ampla campanha ideológica que pretende incutir que os direitos dos trabalhadores são inimigos da recuperação económica do país”, com o “capital” a procurar “acentuar o empobrecimento e a exploração da maioria, para garantir mais acumulação e centralização da riqueza”.

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Uma figura de estilo com exigências

A frase: “Exigimos (…), exigimos (…), exigimos (…)” — a proibição de despedimentos, o pagamento integral do layoff, salários a tempo e horas, respeito pelos horários de trabalho.

Isabel Camarinha recorreu a uma figura de estilo que consiste em repetir a mesma palavra no início de várias frases, conhecida por anáfora — e que é aliás muito usada em discursos, sejam ou não políticos. Neste caso, a palavra escolhida pela sindicalista foi “exigimos”.

Em primeiro lugar, Isabel Camairinha reafirmou uma reivindicação, que é, aliás, já uma realidade em Itália e em Espanha: “exigimos” a proibição dos despedimentos durante a pandemia. Mas vai mais longe e pede a “reversão dos que já aconteceram nos últimos meses”. Estas exigências, afirma, teriam impedido “a perda de emprego para muitos milhares de trabalhadores, a maioria dos quais com vínculos precários”. A precariedade — a que Isabel Camarinha aludiu pelo menos seis vezes ao longo discurso — “é um flagelo que fragiliza a vida e promove a instabilidade em tempos normais, e que, em situações especiais como a que atravessamos, é usado sem parcimónia para liquidar o direito ao emprego”.

Em nome da central sindical, Isabel Camarinha seguiu com a anáfora do “exigimos”, deste vez para que o layoff (redução do horário de trabalho ou suspensão do contrato) seja pago não a dois terços do salário bruto — como prevê a lei — mas na totalidade, assim como os apoios para quem fica em casa a tomar os filhos devido ao encerramento das escolas e creches (que é de 66%). Camarinha apontou o dedo às grandes empresas, “as que distribuem centenas de milhões de euros em dividendos”, por terem recorrido ao layoff. Mais tarde, em declarações à rádio Observador, concretizou a quem se referia — “o Grupo Pestana [Hotelaria], a Bosch, a FNAC, a Renault, a Visteon, várias empresas de têxteis de grande porte e que não estão em situação difícil. Tudo empresas com milhões e milhões de euros de lucros”.

O terceiro “exigimos” foi para que os salários sejam pagos “a tempo e horas para fazer face às despesas que não diminuíram”. Um aviso deixado depois de várias empresas terem visto o pagamento do valor do layoff pela Segurança Social atrasado alguns dias, o que, admitiu o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, à SIC Notícias, podia levar a atrasos no pagamento de salários.

A anáfora termina com um “Exigimos o respeito integral pelos horários de trabalho”, designadamente dos trabalhadores que estão na “linha da frente da resposta à crise sanitária e nos setores que mantêm a atividade”, e que são “fustigados pela intensificação dos ritmos de trabalho”. São trabalhadores que estão “esgotados fisicamente”. Mas também lembrou quem está em teletrabalho e que, por poder aceder a este regime, não tem direito ao apoio destinado aos pais pelo encerramento das escolas. Estas pessoas estão “com uma pressão crescente que se acumula com as necessidades e direitos das crianças”.

Já fora de figuras de estilo, e como tem sido reivindicado ao longo dos anos, a CGTP não deixou de pedir a revogação de normas como a caducidade na contratação coletiva e a negação do princípio do tratamento mais favorável. E voltou a pedir a reposição das 35 horas semanais no setor privado, como acontece no público.

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Os mantras da CGTP

As frases: “O direito a organizar, unir e juntar a força dos trabalhadores, conquista indelével de Abril”; A CGTP-IN foi forjada na noite fascista” ; “a luta”

Não há discurso de um secretário-geral da CGTP que não as tenha. São frases que se repetem nas sucessivas alocuções dos dirigentes da Intersindical, e que – muitas vezes – são correspondidas, a intervalos regulares, por aplausos dos sindicalistas que as ouvem. É nestas frases-mantra que se inclui a ideia recorrente de que o “direito a organizar, unir e juntar a força dos trabalhadores” é uma “conquista indelével de Abril”; ou que a CGTP-IN “foi forjada na noite fascista”. Foi assim no discurso de tomada de posse de Isabel Camarinha no XIV Congresso da Intersindical em fevereiro e foi assim no primeiro discurso do Dia do Trabalhador como secretária-geral.

Há outras. “Lutar pela revogação das normas gravosas da legislação laboral”, nomeadamente as que condicionam a contratação coletiva, repete-se desde, pelo menos, os tempos de Arménio Carlos, que assistiu ao discurso nas laterais da manifestação, a cerca de 50 metros da nova líder. E nem sequer faltou uma saudação de Isabel Camarinha à luta dos povos da Síria, da Palestina e da Venezuela “contra as agressões do imperialismo” ou a “ofensiva do grande capital”. Não é feitio, é mantra. Mas algumas frases primaram pela ausência.

Ou pelo menos pela menor frequência. No discurso do 1.º de Maio do ano passado, Arménio Carlos usou a expressão “luta” ou derivados 24 vezes. Este ano, Camarinha ficou-se pelas 14, num discurso sensivelmente do mesmo tamanho. No ano passado, Arménio Carlos terminou com uma frase de Karl Marx: “A história da sociedade até aos nossos dias é a história da luta de classes”. “Luta de classes”, este ano, não constou da alocução de Isabel Camarinha.

Não à “bazuca” de Bruxelas

A frase: “Estamos de novo reféns de uma ‘bazuca’ vinda de Bruxelas, mas nós sabemos que dali, as “bazucas” são sempre rápidas para atacar direitos e deixar o país mais dependente”.

Isabel Camarinha retoma nesta passagem uma das linhas vermelhas da CGTP. Da Europa nem bons ventos, nem bons casamentos, muito menos bons apoios ou ajudas gratuitas. Para a Intersindical, mesmo quando os chefes de Estado e de Governo se reúnem por videoconferência (e nem chegam a ir a Bruxelas) para acertar um pacote de ajuda aos países mais fustigados pela Covid-19, algo de mau está prestes a acontecer. Após várias reuniões-maratona do Eurogrupo, os ministros das Finanças dos 27 acertaram um pacote de 540 mil milhões de euros com medidas de apoio às empresas, aos trabalhadores e aos Estados. E abriram caminho para um Fundo de Recuperação que pode chegar aos 1,5 biliões de euros, com dívida mutualizada (é a Comissão Europeia que vai aos mercados endividar-se).

A Comissão Europeia está a desenhar esse fundo, ficando em dúvida como é que os vários Estados podem aceder a esses montantes, se através de transferências (a fundo perdido) ou através de empréstimos (com prazos de devolução longos, ainda que não seja dívida perpétua).

Sobre este fundo, António Costa recuperou uma expressão já usada na crise financeira de 2008, 2009 até 2014, a bazuca. Na altura era a bazuca do Banco Central Europeu, de Mario Draghi. Agora Costa retomou a expressão, chegando a dizer que a Europa tinha de decidir se, confrontado com uma crise como esta, queria uma fisga ou uma bazuca.

A secretária-geral da CGTP não quer nada disto: de Bruxelas as bazucas servem para atacar direitos e deixar o país mais dependente. Sim, se estes apoios contarem para o rácio da dívida de Portugal, sim, deixam-no mais dependente. Mas isso ainda não está decidido.

De qualquer forma, Camarinha prefere – como tem sido apanágio da CGTP – outra via: abandonar o euro e voltar a ter na mão “instrumentos de política monetária”, ou seja uma moeda própria. “Para crescer de forma coesa, quer social, quer territorialmente, o país precisa de recuperar os instrumentos da política monetária e o governo tem a obrigação de empreender esforços neste sentido”, disse a líder da CGTP.

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