Esta quinta-feira, quando se sentar na sala do tribunal de Espinho para ser julgado pelos crimes de corrupção ativa, tráfico de influência, prevaricação e violação de regras urbanísticas por funcionário, o empresário Francisco Pessegueiro deverá assumir (quase) tudo: o dinheiro que alegadamente entregou aos ex-presidentes da Câmara Municipal de Espinho, Joaquim Moreira Pinto (PSD) e Miguel Reis (PS), as contrapartidas para conseguir projetos urbanísticos aprovados em contrarrelógio pelos serviços da autarquia, os contornos do esquema que o envolveria a ele, aos autarcas e a uma dezena de outros arguidos da Operação Vórtex, entre funcionários da câmara e empresários. Pessegueiro só não assume mesmo tudo aquilo de que está acusado porque contesta a versão do Ministério Público de que era ele — e não os autarcas — o proponente dos pagamentos feitos em troco das contrapartidas.
O processo, que teve origem nos autos da Operação Babel — em que também se investigavam casos de corrupção, mas na Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia –, partiu do alegado acesso a informação e benefícios ilícitos na aprovação de cinco projetos urbanísticos de habitação, um hotel e a reconfiguração urbanística de um conhecido restaurante em Espinho, adquirido pelo Grupo Pessegueiro, de que Francisco Pessegueiro é líder.
As escutas aos principais suspeitos da investigação foram fulcrais, sobretudo porque o próprio empresário terá sido apanhado a falar abertamente sobre os pagamentos aos autarcas de Espinho e sobre a forma como controlava os responsáveis políticos em benefício dos investimentos do seu grupo empresarial. Em menos de um ano, o Ministério Público tinha construído o processo e deduziu a acusação, depois de vários arguidos terem sido detidos, incluindo o então presidente da Câmara de Espinho, Miguel Reis.
As primeiras consequências políticas da investigação foram imediatas. Logo no dia seguinte à detenção, em janeiro do ano passado, Reis renunciou ao mandato como como presidente da autarquia. Cerca de um ano e meio depois, o ex-autarca do PS ainda está em prisão domiciliária.
Mas não foi apenas no PS que este caso teve impacto. O social-democrata Joaquim Pinto Moreira assumiu a presidência da Câmara Municipal de Espinho entre 2009 e 2021 e, quando o Ministério Público avançou com as buscas e concretizou as várias detenções, era também deputado na Assembleia da República. Não foi detido, mas o seu partido acabou por lhe retirar a confiança política em maio do ano passado e Pinto Moreira acabaria por renunciar ao cargo de deputado dois meses mais tarde.
Este caso junta os dois autarcas, uma vez que o Ministério Público considera que foi ainda durante o mandato de Pinto Moreira que os crimes começaram. O antigo autarca e ex-deputado do PSD terá recebido cerca de 50 mil euros pela sua influência na aprovação de dois projetos urbanísticos na Câmara Municipal de Espinho quando ainda era presidente daquele município.
Depois das eleições autárquicas, em 2021, o PS ganhou em Espinho, Miguel Reis substituiu Pinto Moreira e Francisco Pessegueiro, juntamente com outros dois arguidos que trabalhavam consigo — um arquiteto e um promotor imobiliário — terão continuado a exercer a mesma influência sobre o novo presidente do município. Segundo o MP, Miguel Reis terá recebido cerca de 60 mil euros em ‘dinheiro vivo’ para facilitar a aprovação de projetos imobiliários.
A expectativa para esta quinta-feira é, ainda assim, a de que Francisco Pessegueiro fale em tribunal para desmentir uma parte da acusação. Ao contrário daquilo que defende o Ministério Público, o empreiteiro garante que era controlado pelos políticos, que lhe exigiam dinheiro, e não o contrário. Ou seja, Francisco Pessegueiro assume os crimes de corrupção — num documento entregue esta semana no Tribunal de Espinho e noticiado pelo Correio da Manhã –, mas sustenta que “as alegadas contrapartidas prometidas a Joaquim Pinto Moreira e Miguel Reis foram solicitadas pelos próprios” e não uma iniciativa sua.
Ex-presidente da Câmara Municipal de Espinho
- Três crimes de corrupção passiva
- Um crime de corrupção passiva agravada
- Cinco crimes de prevaricação
Terá, segundo a acusação do Ministério Público, recebido vários envelopes com dinheiro e também mobiliário de luxo — num valor total de cerca de 65 mil euros. Tudo para alegadamente favorecer a viabilização de quatro empreendimentos urbanísticos do Grupo Pessegueiro, que lhe terão valido cerca de três milhões de euros em faturação.
Na altura em que exerceu o cargo de presidente da autarquia de Espinho, Miguel Reis tinha também a pasta do Urbanismo, o que lhe terá permitido, segundo o MP, contornar os regulamentos municipais em benefício dos interesses de terceiros, nomeadamente do empreiteiro Francisco Pessegueiro.
Miguel Reis abandonou o cargo de presidente da Câmara Municipal de Espinho em janeiro de 2023, quando foi detido. Continua em prisão domiciliária.
Antigo presidente da Câmara Municipal de Espinho
- Dois crimes de corrupção passiva agravada
- Um crime de tráfico de influência
- Um crime de violação de regras urbanísticas por funcionário
As escutas apanharam Pinto Moreira a pedir ao empreiteiro Francisco Pessegueiro 25 mil euros por cada “démarche para cada empreendimento” do Grupo Pessegueiro. Terá recebido, no ano de 2020 — quando ainda era presidente do município de Espinho — 50 mil euros em numerário para favorecer a viabilização do projeto “32 Nascente”. A aprovação do projeto “32 Nascente” violava o limite de 14 metros de altura permitido pelo Plano Diretor Municipal (PDM) de Espinho.
Pinto Moreira foi líder da autarquia de Espinho entre 2009 e 2021.
Empreiteiro
- Três crimes de corrupção ativa agravada
- Cinco crimes de corrupção ativa
- Um crime de tráfico de influência
- Dois crime de violação de regras urbanísticas por funcionário
- Cinco crimes de prevaricação
Líder do Grupo Pessegueiro, Francisco Pessegueiro é suspeito de subornar titulares de cargos políticos — Miguel Reis e Pinto Moreira — para conseguir a aprovação de vários projetos imobiliários em Espinho.
O empreiteiro revelou nos últimos dias que pretende falar no início do julgamento e, num documento entregue no Tribunal de Espinho, defendeu que era controlado pelos autarcas, que lhe exigiam dinheiro, e não o contrário, como consta na acusação do MP.
As ajudas na Câmara de Espinho, o arquiteto e o promotor imobiliário
Os negócios que ligam os três principais arguidos — Miguel Reis, Pinto Moreira e Francisco Pessegueiro — contam ainda com outros intervenientes, entre trabalhadores do Departamento de Urbanismo e arquitetos que trabalhavam com Pessegueiro. E há ainda cinco empresas constituídas arguidas.
Para o alegado esquema de aprovação dos projetos imobiliários, o empreiteiro Francisco Pessegueiro teria a seu lado João Rodrigues, arquiteto, e Paulo Malafaia, promotor imobiliário. Aliás, os três estão acusados dos mesmos crimes, em coautoria: três crimes de corrupção ativa agravada, cinco crimes de corrupção ativa, um crime de tráfico de influência, dois crimes de violação de regras urbanísticas por funcionário e cinco crimes de prevaricação. Para o Ministério Público, os três tentaram influenciar os antigos autarcas de Espinho para que fossem aprovados vários projetos imobiliários.
Já do lado da Câmara Municipal de Espinho, surgem ainda neste processo três arguidos que faziam parte do Departamento de Urbanismo da autarquia. José Costa — acusado de um crime de corrupção passiva, cinco crimes de prevaricação e um crime de violação de regras urbanísticas por funcionário — era o chefe do Departamento de Urbanismo e o Ministério Público defende que terá interferido em procedimentos urbanísticos, tendo mesmo chegado a ordenar a uma das técnicas de urbanismo a aprovação do projeto “32 Nascente” em novembro de 2020 tal como ele tinha sido apresentado, mesmo depois de várias rejeições por parte da Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
Já Álvaro Duarte — acusado de um crime de corrupção passiva e outro de violação de regras urbanísticas por funcionário —, que exercia funções de técnico, terá recebido um pagamento de três mil euros para viabilizar a ocupação da via pública no âmbito da aprovação de um dos projetos, mesmo contra as regras da Câmara Municipal de Espinho. E Pedro Castro e Silva, chefe de Divisão de Planeamento e Projetos Estratégicos do município e amigo de longa data de Miguel Reis, à semelhança dos anteriores arguidos, terá conseguido dar celeridade e garantir a aprovação dos procedimentos urbanísticos em questão.