“Isto faz-me lembrar a minha candidatura. Era mais velho do que tu”. O independente Pedro Santana Lopes chega para um apoio ao independente Sebastião Bugalho, que passou na quinta-feira da semana passada cirurgicamente pela Figueira da Foz. Já esteve naquele lugar de cabeça de lista às Europeias, aos 31 anos. Mas na altura já tinha muito caminho feito no PSD e passado no Governo (aos 29 anos). Não é, por isso, o paralelismo perfeito para Sebastião Bugalho, mas é lembrado no partido que não nega futuro ao candidato que roda o país nos últimos dias com promessas de regresso aos autarcas e dirigentes por aí fora.
Nem como jornalista Sebastião Bugalho tinha feito a politicamente conhecida volta da carne assada pelo país, saiu diretamente do comentário político nas televisões para a estrada eleitoral logo como cabeça de cartaz de AD. A escolha de Luís Montenegro deixou parte do PSD boquiaberto e só contido porque o partido está no poder, como contou o Observador no dia do Conselho Nacional do partido que avaliou esta opção. “Um risco enorme” , comentava-se então à margem dessa reunião do partido. Há riscos eleitorais com esta escolha que o próprio Luís Montenegro admite ser “arrojada”, mas há também outras contas futuras que não deixam de cruzar as cabeças sociais-democratas nesta altura.
Bugalho é bem relacionado no partido e não é de hoje, tanto que partiu para esta campanha com desejos de boa sorte (alguns deles menos públicos) de todos os ex-líderes do partido. Luís Marques Mendes disse-o mesmo na mesa de comentário que o candidato da AD conhece bem, ao avaliá-lo como “uma boa escolha, um jovem de um talento político invulgar” e que “vai muito longe”, no seu espaço dominical na SIC. Na estrada tem mostrado que essa afinidade partidária tem, em alguns casos, história, ainda que a sua seja ainda muito curta.
“Não é um caso sério para o futuro. Já é um caso sério”
Será este o nascimento de uma figura política com futuro? “Ele é forte”, comenta com o Observador Telmo Faria, deputado e ex-presidente da Câmara de Óbidos, em pleno Mercado da Fruta nas Caldas da Rainha. “Não é um caso sério para o futuro, é já no presente”, diz, mais a sul, Cristóvão Norte, presidente do PSD-Algarve. “Tem capacidade políticas claras e evidentes”, observa o deputado Hugo Carneiro que passou pela caravana da AD em Paços de Ferreira. O PSD sabe que há um risco eleitoral inerente a esta experiência, mas sabe que se ganhar a eleição de domingo, Bugalho “está lançado”, como descreve um social-democrata que acompanha a previsão com a mão a riscar no ar uma linha de subida até ao topo. “Tem é de se aguentar“, comenta outro social-democrata que conhece bem o candidato.
Numa eleição onde a abstenção é sempre assunto, está nos livros da política partidária que a mobilização das bases é ponto essencial para conseguir apelar ao voto localmente e tentar levar às urnas o maior número de eleitores. Pode tornar-se tarefa difícil se o candidato não tiver tração no partido e um independente é sempre um independente. Bugalho tem investido nesse campo, explorando qualquer proximidade local, num verdadeiro namoro ao aparelho do partido que pode não ficar pela simples leitura da mobilização.
Na Guarda, prometeu a Júlio Santos (suplente na sua lista) voltar ali para campanha das autárquicas de 2025, depois de o ouvir desafiá-lo a isso mesmo e perdoar-lhe as investidas televisivas contra o seu PSD. O presidente da concelhia do partido na Guarda brincava aquela vez em que ouviu o comentador Bugalho dizer que “Montenegro tinha estado menos possante” num debate: “Não me vi nem revi nesse discurso, mas como diria o poeta ‘errar é humano e perdoar é divino”. Não vamos falar mais nisso, estás perdoado.”
Estas bênçãos partidárias repetiram-se por todo o caminho eleitoral, mas o flirt de Bugalho com o PSD não é menos comum. Em Óbidos, mostra aos presentes num almoço partidário com empresário, uma fotografia sua, com sete anos de idade, ao lado de Telmo Faria, a provar boas e antigas relações. Em Vila Verde contou como o eurodeputado e agora ministro da Agricultura, José Manuel Fernandes, o levou ali a “comer uma cabidela” há uns anos.
Em Paços de Ferreira elogiou Alexandre Costa, o líder da concelhia que quer conquistar a Câmara. “É tão certo que serei eurodeputado como serás um dia presidente da Câmara de Paços de Ferreira”, namora o cabeça de lista independente. Em Santa Maria da Feira saudou o sue “amigo Amadeu Albergaria” de quem “sempre soube que tinha o sonho de ser presidente da Câmara da sua terra. Fico feliz que tenha cumprido o seu sonho” — no discurso anterior o autarca tinha tratado Sebastião por tu. Em Lamego, o candidato declarou-se “lamecense”, depois de ouvir Francisco Lopes lembrar que a 25 de abril de 2023 convidou Bugalho para “curador convidado na sessão solene da Assembleia Municipal. Foi quase premonitório“, disse no comício o dirigente local.
Nesta troca de afetos partidários, tem recebido outros, como o de Pedro Pimpão, esta terça-feira a noite e com Luís Montenegro na sala, a chamar-lhe “o furacão Sebastião, porque por onde ele passa não deixa ninguém indiferente”. “Estávamos à espera disto na política”, disse mesmo o presidente da Câmara de Pombal num comício. Muitos são os que revelam que já o conheciam pessoalmente, como Cristóvão Norte fez há semanas no Algarve que contou como conheceu o candidato no início da sua carreira jornalística, quando ele fez o obituário do seu pai, Cristóvão Guerreiro Norte, fundador do PPD/PSD no Algarve.
Noutros casos, revela que não conhecia os dirigentes locais antes deste capítulo da sua vida, mas há sempre qualquer ponte que faz com a terra, seja ela familiar ou profissional. Em Barcelos disse sentir-se “em casa” porque a candidatura de Mário Constantino à Câmara “é precursora da AD, porque se juntou a um movimento independente” para conquistar o município. E no caso de Sérgio Humberto, presidente da Câmara da Trofa que a distrital do Porto indicou para a lista das Europeias, revelou que não se conheciam quando estiveram juntos no encontro da candidatura e recebeu o seu alento: “Chegou à minha beira e disse ‘olha, isto não vai ser fácil, mas vamos ganhar’”.
Em Santa Maria da Feira tinha na plateia “o engenheiro Salvador Malheiro, antigo vice do partido e um homem que conhece bem a máquina do partido, e aproveitou para revelar um ensinamento que este lhe deu “há muitos anos”: “Olhou para mim e disse-me ‘há uma coisa que tu tens de perceber sobre a política e o PSD que ainda não percebeste — foi há alguns anos eu entretanto já percebi — agarrou-me pelos braços e disse-me: isto é povo, o PSD é povo, a social-democracia é povo. Obrigado por isso”, agradeceu ao deputado sentado numa das filas do comício.
O candidato cultiva a ideia de uma proximidade que não é de hoje com o partido e enturma-se como pode. Foi neste mesmo comício de Santa Maria da Feira deixou mesmo escapar um “nós” quando falou num tempo em que ainda nem jornalista era para lembrar: “Quando nos impediram de governar em 2015”.
Validar Montenegro e preparar o futuro
Bugalho é o mais novo delfim do líder que está na mó de cima (reconquistou o poder depois de oito anos de secura) e uma escolha arriscada, pelo que o partido vai também dando nota da sua validação. E quando o assunto Bugalho é colocado a apontar para o futuro do partido, o partido é mais contido. Hugo Carneiro fala mesmo em “ruído que não interessa” nesta altura do campeonato, embora elogie a “atitude” do candidato nesta campanha. “Mostrou que está talhado para a campanha de rua”, acrescenta Cristóvão Norte. “Tem margem para progressão que um tipo de 60 anos não tem”, acrescenta-se no PSD.
Santana Lopes, que no PSD tem o antológico “escrito nas estrelas” (que se referia a um duelo pela liderança entre si e Durão Barroso), prevê que a Bugalho “basta a proteção do Atíssimo para que isso [o futuro político] possa vir a acontecer. É preciso é saúde”, rematou aos jornalistas na Figueira depois de um breve encontro/apoio ao candidato. Não descartou combinar com ele a filiação ao mesmo tempo, no seu caso é um regresso: “Vamos ver”.
Dias antes, em Évora, Montenegro tinha lançado a escada ao seu independente do momento. Ainda que essa característica do candidato tenha sido repetidamente usada como trunfo nestas eleições, o líder do PSD desafiou logo no primeiro comício: “Ele é independente, logo veremos por quanto tempo”. Nos dias seguintes, Bugalho foi confrontado com essa provocação, fugindo sempre.
Em entrevista ao Observador, disse que não é a sua “prioridade neste momento”. Cingiu-se ao politicamente correcto de um independente em plena campanha eleitoral: “A minha prioridade é o programa e a eleição.” Justificou que Montenegro “sente muito o PSD, é militante desde os 18 anos, desde que ele pôde ser militante, foi militante. Portanto, foi um momento de entusiasmo no seu discurso, de companheirismo.” Certo é que já depois desse momento o próprio Sebastião Bugalho disse em Paços de Ferreira que “ainda” não é militante e já “mobiliza” o partido, concluindo: “Temos de tratar disso”.
Neste capítulo parece estar virado para fazer o percurso ao contrário de um dos seus modelos políticos, Paulo Portas, que militou na JSD antes de se mudar para o CDS que acabou por liderar durante anos. Bugalho não militou no CDS, mas candidatou-se pelo partido nas legislativas de 2019 (no círculo de Lisboa). Agora está na AD, mas parece mais próximo do PSD. Talvez entre de braço dado com Santana Lopes.