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Um tem tudo certo, outro é mais desorganizado. É verdade que as declarações que José Luís Carneiro entregou no Tribunal Constitucional — por ter menos rendimentos e alterações — são mais fáceis de preencher sem erros, mas Pedro Nuno Santos tem tido um histórico de falhas e atrasos. É isso que mostram os documentos dos dois principais candidatos à liderança do PS, consultados pelo Observador no Palácio Ratton.

É, assim, do lado de Pedro Nuno Santos que se encontram mais problemas. O ex-ministro das Infraestruturas não declarou a venda de duas casas, comunicou com mais de um ano e meio de atraso a compra de um Land Rover Defender avaliado em cerca de 90 mil euros e chegou a entregar uma declaração mais de quatro anos depois do prazo.

Apesar das falhas, Pedro Nuno Santos nunca chegou a incorrer numa ilegalidade porque o Tribunal Constitucional — que ao longo dos anos esteve com reduzidos meios de fiscalização — não detetou esses erros. De acordo com a lei, quando as falhas são sinalizadas, o TC informa o político e este tem 60 dias para retificar tudo. Só se não o fizer é que incorre num processo administrativo que pode levar à perda de mandato. A ineficácia na fiscalização poupou o governante — que demonstra alguma desorganização ao longo dos últimos anos no processo da entrega de declarações de rendimentos.

O caso do Land Rover Defender declarado com um ano e meio de atraso

Um dos poucos registos de perguntas dirigidas pelo Tribunal Constitucional a Pedro Nuno Santos aconteceu em março de 2023 — já depois do turbilhão da demissão do ex-ministro. O Palácio Ratton fez questões sobre alterações nas contas à ordem e a prazo (devidamente justificadas a 16 de maio pelo próprio como uma simples transferência entre contas) e também sobre a compra de um jipe Land Rover Defender, relativamente ao qual Pedro Nuno Santos fez questão de enviar a fatura da compra para o tribunal com o valor visível.

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Porém, os serviços (sem que o próprio tivesse qualquer culpa), rasuraram o valor do veículo (contra o espírito da lei). É possível constatar, no entanto, nessa resposta do ministro, que o carro custou um “valor superior a 50 salários mínimos”. O preço de mercado do Land Rover Defender em julho de 2020 — quando foi comprado — estava entre os 89 mil euros e os 110 mil euros.

O ex-ministro devia ter declarado a compra do carro em agosto/setembro de 2020 e só o fez em junho de 2022, quase dois anos depois. Pedro Nuno Santos não reconhece esta como uma falha e diz que “no primeiro momento em que foi necessário apresentar uma declaração por cessação de funções esse facto foi declarado”.

O antigo ministro das Infraestruturas entende assim que só tinha de declarar o carro quando entregasse a declaração de fim de mandato, mas a lei é clara a dizer que “sempre que no decurso do exercício de funções se verifique um acréscimo patrimonial efetivo que altere o valor (…) em montante superior a 50 salários mínimos mensais [31.750 euros, em 2020], deve o titular atualizar a respetiva declaração [em 30 dias]”. O que Pedro Nuno Santos não fez. Já a 13 de novembro de 2017 tinha pensado e agido de forma diferente: entregou uma declaração apenas para comunicar a “venda de Porsche 997, Carrera Cabriolet- Ano 2007, por 66.000 euros”.

As duas vendas não comunicadas e o atraso de quatro anos

Outra das falhas de Pedro Nuno Santos é ter vendido duas casas e não ter declarado nem as vendas, nem o valor das mesmas. Na declaração de rendimentos entregue ao Tribunal Constitucional, a 16 de agosto de 2011, é declarado a posse de um apartamento T3 em São João da Madeira, mas na declaração de 6 de janeiro de 2015 a casa já não aparece. Não se sabe, por isso, porque valor foi vendida. Ao Observador o candidato alega que já não tem na sua posse “as declarações mais antigas entregues ao Tribunal Constitucional” e que a lei na altura não obrigava a declarar esse acréscimo patrimonial.

No entanto, a lei que valia nessa altura (ver aqui a versão então em vigor) dizia no ponto 3 do artigo 2º que “sempre que no decurso do exercício de funções se verifique um acréscimo patrimonial efetivo que altere o valor declarado referente a alguma das alíneas do artigo anterior em montante superior a 50 salários mínimos mensais, deve o titular atualizar a respetiva declaração”.

O mesmo aconteceu com o T2 que o antigo governante tinha na freguesia das Mercês, em Lisboa. Na declaração de 12 de novembro de 2018, o imóvel ainda aparece, mas já não é registado na declaração de abril de 2019. Pedro Nuno Santos diz ao Observador que a casa foi vendida em janeiro de 2019 e que “a alteração patrimonial em causa foi declarada ao Tribunal Constitucional nas declarações únicas de rendimentos e património entregues”. Ora, é verdade que a casa deixa de aparecer na declaração entregue a 18 de abril de 2009 (o que é o correto a ser feito), mas já não é igualmente verdade que foi comunicada a venda. Pedro Nuno Santos omite assim do tribunal qual a mais-valia patrimonial que obteve com a venda da habitação — certamente superior a 50 salários mínimos.

Como vendeu a casa em janeiro, tinha de comunicar o aumento de ativo patrimonial em 60 dias. Ou seja: em março, porque essa alteração deu-se ainda quando era governante. O facto de a 18 de fevereiro ter trocado de pasta (passou de secretário de Estado a ministro das Infraestruturas), obrigava-o a entregar uma nova declaração, mas não o desobrigava de entregar uma declaração ainda relativa à venda da casa, que aconteceu quando estava nos Assuntos Parlamentares. Resumindo: tinha de entregar nessa altura três declarações: uma da atualização, uma de cessação de funções e outra de início de funções. Se as duas últimas são redundantes por ocorrerem ao mesmo tempo, a primeira dava informações sobre um acréscimo patrimonial (o valor da venda da casa) obtido como governante.

O maior atraso de Pedro Nuno Santos junto do Tribunal Constitucional foi, no entanto, quando, após ser notificado, entregou a 10 de abril de 2017 uma declaração de rendimentos referente à cessação de funções de 8 de novembro de 2012. O atraso nesta entrega foi de quatro anos e quatro meses.

José Luís Carneiro e a declaração que caberia numa só página

O outro candidato à liderança do PS, José Luís Carneiro, não tem falhas na declaração, que acaba por ser de muito mais fácil leitura (e preenchimento). De uma forma sucinta, os rendimentos de Carneiro são uma casa, um carro (um Mercedes Benz – GLA 250) e uma conta à ordem (que tinha 103.324, 76 euros, a 1 de fevereiro de 2023).

Recuando para a anterior declaração só há a registar que, desde maio de 2022, José Luís Carneiro deixou de ter três carros cuja venda dificilmente iria exceder os 50 salários mínimos: um Audi A4, uma Renault 4L e um Ford Fiesta. Percebe-se igualmente que, em nove meses, as duas contas à ordem de Carneiro (uma de 129 mil euros e outra de 20,7 mil euros) passaram para uma única conta à ordem (a tal de 103,3 mil euros).

A declaração de rendimentos de José Luís Carneiro mostra ainda os cargos que ocupou nos últimos anos, desde docente da Universidade Lusíada (até 1 de setembro de 2021), a membro do Conselho do Instituto Politécnico do Porto  (até 10 de maio  de 2021) e vogal do Conselho de Administração da Fundação Eça de Queirós (até 27 de março de 2022). Um outro ponto curioso é que o candidato à liderança do PS foi presidente da Assembleia Municipal de Baião entre 2017 e 2021, mas fez questão de doar “as senhas de presença às instituições do concelho).

O património de Pedro Nuno Santos (já sem a Tecmacal)

O dossier de Pedro Nuno Santos é bem mais denso que o de José Luís Carneiro, acumulando dezenas de declarações no Tribunal Constitucional. Na última declaração, entregue a 12 de setembro de 2023, o antigo governante revela que teve rendimentos brutos como ministro em 2022 (o último ano fechado) no valor de 90.8509 euros.

Relativamente ao património imobiliário, Pedro Nuno Santos declara um apartamento em Lisboa (que a revista Sábado diz ter custado 740 mil euros) e faz questão de mostrar a caderneta predial (que revela que se trata de um T5). Além disso, o antigo governante declara uma propriedade em Montemor-o-Novo (e prédio rústico na mesma zona), em co-propriedade com a mulher. A escritura desta casa, confirmou o candidato ao Observador, foi realizada em fevereiro de 2022.

A declaração mais recente, mostra que — além do jipe Land Rover já referido — Pedro Nuno Santos tem ainda na garagem um BMW Cabrio, de 1987, e uma mota Ducati Scrambler Desert Bled.

Em termos de contas bancárias, Pedro Nuno Santos tem uma conta a prazo com o valor de 12.817 euros e declarou três contas à ordem: uma no valor de 49.906 euros, outra com o valor de 1.650,26 euros e uma outra, que pertence esta ao filho menor. O candidato à liderança do PS apresenta ainda um passivo bancário 437.957, 63 euros, referente a um crédito habitação.

Em março de 2023, o Tribunal quis saber de alterações nas contas: que passaram a ser reforçadas à ordem e ficaram mais magras a prazo. Pedro Nuno Santos explicou que a conta à ordem foi reforçada com 47.895, 82 euros, 39 mil euros dos quais estavam numa conta a prazo (que encerrou). E fez questão de acrescentar que, não obstante esse reforço, “esta conta à ordem é usada para pagamentos das despesas familiares e suportada pelos salários”.

Outro facto que se verifica na declaração de rendimentos é que, tal como o Observador, tinha noticiado, Pedro Nuno Santos já não é detentor das ações na empresa Tecmacal, detida numa percentagem maior pelo pai e na qual também tinha uma participação.

Pedro Nuno Santos desfez-se de participação que tinha na empresa de calçado do pai