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Numa conferência de imprensa em novembro de 2023 Benjamin Netanyahu lançou um repto: as forças especiais israelitas iriam “agir contra os líderes do Hamas onde quer que estes estivessem”. A frase do primeiro-ministro israelita, na sequência dos ataques terroristas de 7 de outubro que desencadearam a guerra e a crise humanitária que só teve breves paragens para a troca de alguns reféns, já deixava antever um escalar do conflito para lá da faixa controlada pelo grupo radical islâmico. Um escalar que, esta quarta-feira, se veio a confirmar com a morte de Saleh al-Arouri, o número dois do Hamas: o “pai” das Brigadas al-Qassamnum, o braço armado do grupo, não morreu em Gaza. Foi alvo de ataque de drones de Israel em Beirute, capital no Líbano, onde vivia desde 2015.
E o Hamas não deixou passar esse grande detalhe. Além de ter confirmado a morte de Al-Arouri, descreveu o ataque israelita como uma “ação terrorista”, mas também uma violação da soberania do Líbano. Telavive ainda nada disse, mas ao Washington Post, fontes norte-americanas confirmaram a autoria israelita do ataque, que além do responsável palestiniano, matou ainda mais seis pessoas, todas elas do grupo radical — três combatentes e três líderes militares das Brigadas al-Qassam.
يعمل عناصر من الدفاع المدني في هذه الاثناء على نقل عدد من الإصابات وإخماد الحرائق التي اندلعت جراء الإنفجار في #الضاحية_الجنوبية pic.twitter.com/3bVzEfcJxh
— هنا لبنان (@thisislebnews) January 2, 2024
E o Líbano também já retirou uma conclusão, que pode ter consequências nos próximos dias. Numa mensagem na rede social X, o primeiro-ministro do país, Najib Mikati, responsabilizou Israel e disse que o ataque tinha “como objetivo puxar o Líbano para uma nova fase de confrontos à luz dos ataques diários em curso no sul do país”.
Afinal, Israel atacou na capital do Líbano alguém a quem o governo do país dava proteção. E Al-Arouri não era um qualquer, para o Hamas e para os que o apoiam. Tido como uma das grandes figuras do grupo terrorista e o líder efetivo da organização na Cisjordânia, era, para todos os efeitos, o número dois dos radicais islâmicos (apenas atrás do próprio Yhayha Sinwar), e uma figura-chave na reconciliação do Hamas com o restante mundo árabe, tudo sobre a mesma bandeira: o combate a Israel.
O “pai” das Brigadas al-Qassam e o grande negociador do Hamas
Nascido em 1966 numa pequena vila perto de Ramallah, na Cisjordânia, o percurso de Al-Arouri cedo se entrelaçou com os vários movimentos islâmicos do mundo árabe. Líder do movimento estudantil islâmico na década de 1980, entrou para o Hamas em 1987, assumindo-se ao longo dos anos como um importante elemento diplomático e político da organização — é a ele a quem se atribui, por exemplo, a conversão do Hamas numa força militar, através da criação do braço armado do grupo, as Brigadas al-Qassam, em 1991.
A sua cada vez maior preponderância não passou despercebida em Telavive. Ao longo das décadas, foi várias vezes detido pelas autoridades israelitas, incluindo duas longas estadias na prisão, uma de sete e outra de dezoito anos. Contudo, mesmo atrás das grades, Al-Arouri continuou envolvido nas operações dos radicais islâmicos.
Em 2010, foi libertado e deportado para a Síria. A sua saída teve sobretudo um objetivo diplomático: facilitar as negociações entre o governo israelita e o Hamas com vista à libertação de Gilad Shalit, o soldado israelita raptado em 2006 pela organização palestiniana e feito refém durante mais de cinco anos.
Al-Arouri acabou por sempre uma peça-chave no acordo, que viu ser permitida a saída de um total de 1.027 prisioneiros palestinianos em troca da libertação de Shalit.
Após ser libertado, o responsável do Hamas estabeleceu-se na Turquia, onde continuou envolvido com as operações do Hamas. Em 2014, as autoridades acusaram-no de ter ajudado a planear o rapto de três adolescentes israelitas — o que contribuiu para a invasão israelita de Gaza em 2014. No mesmo ano, foi implicado numa tentativa de golpe contra o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas.
Paralelamente foi o principal rosto do movimento de aproximação do Hamas com as restantes forças políticas e militares do Médio Oriente. Foi ele quem, em 2014, liderou as negociações que culminaram na reconciliação do grupo com a Fatah.
Três anos depois, em 2017, levou a cabo duas importantes visitas diplomáticas: a primeira ao Irão, onde se encontrou com o chefe de segurança nacional do país, Ali Shamkhani; a segunda, meses depois, ao Líbano, onde foi publicamente recebido pelo líder do Hezbollah, Hassam Nasrallah. Um par de deslocações que simbolizaram a reaproximação do Hamas com os dois países, depois do envolvimento destes na guerra na Síria a favor do regime de Bashar al-Assad.
Radicado no Líbano com cabeça a prémio por cinco milhões
Foi precisamente na capital libanesa que, em 2015, Al-Arouri se veio a estabelecer após ser forçado a abandonar a Turquia, quando os turcos reataram as relações diplomáticas com Israel (cortadas na sequência de uma operação israelita que resultou na morte de civis turcos).
No Líbano, Al-Arouri continuou a coordenar as operações militares e políticas do Hamas na Cisjordânia, onde era visto como o líder “de facto” da organização na região. Veio ainda a estabelecer uma força local do Hamas no Líbano, recrutando refugiados de campos libaneses e dando-lhes treino militar. Em 2017, foi oficialmente nomeado vice-presidente do braço político do Hamas.
À medida que aumentava a sua influência no Hamas e nos grupos radicais islâmicos, crescia proporcionalmente, de forma inversa, o seu cadastro junto das autoridades ocidentais. Em 2015, o Departamento de Estado norte-americano classificou Al-Arouri como terrorista procurado, oferecendo uma recompensa de até 5 milhões de dólares por quaisquer informações sobre as suas atividades.
A reação de Telavive aos ataques de dia 7 de outubro, que resultaram na morte de mais de 1.200 pessoas e no rapto de centenas de reféns, chegou mesmo à casa de família de Al-Arouri, na Cisjordânia: foi demolida com recurso a explosivos por ordem do comando das Forças de Defesa de Israel.
Ainda assim, de longe, o líder radical islâmico foi um dos negociadores responsáveis pelos acordos de trocas de reféns e prisioneiros com Telavive. Em dezembro, em entrevista à Al Jazeera, disse que os restantes reféns, que estão ainda detidos pelo Hamas, eram soldados ou antigos soldados [não se sabe quantos são, se são só homens ou se há mulheres e crianças, e quanto terão morrido nos ataques israelitas] e que a sua libertação só iria ocorrer quando Israel parasse os ataques à Faixa de Gaza.
Logo na sequência do ataque, aliás, Al-Arouri encontrou-se com o líder do Hezbollah e com Ziad Nakhale, secretário-geral da Jihad Islâmica palestiniana (também baseada em Gaza). O encontro, de acordo com a televisão oficial do Hezbollah, serviu para coordenar esforços no sentido de “atingir a vitória total e acabar com os brutais ataques do povo oprimido de Gaza e da Cisjordânia”.
Foi acima de tudo um sinal da ação coordenada entre as forças radicais árabes na região, que nos últimos meses têm resultado num progressivo alastramento do conflito em Gaza para os restantes países vizinhos de Israel. A luta entre Telavive e o Hezbollah já vinha sendo regular nas fronteiras, levantando receios quanto à probabilidade de uma guerra mais abrangente com grupos armados financiados pelo Irão na Síria, Iraque e Iémen. Probabilidades que, com o ataque israelita que vitimou Al-Arouri, podem ter aumentado esta quarta-feira.