1.027 palestinianos por um soldado israelita. Em 2011, estes foram os termos acordados por Israel e pelo Hamas para a libertação do militar Gilad Shalit, raptado no kibutz de Kerem Shalom cinco anos antes. Num processo que demorou meses a ser concluído, que se dividiu em duas partes e foi acompanhado de perto pela mediação do Egito, essa foi uma das maiores trocas de prisioneiros de sempre e a primeira que envolveu diretamente o governo de Telavive e o grupo terrorista islâmico.

Durante cinco anos, Gilad Shalit foi mantido em cativeiro, em localização incerta, na Faixa de Gaza. Apesar de terem sido feito múltiplos apelos internacionais, o tempo parecia não quebrar nem a insistência de Israel nem a resistência do Hamas. Em 2011, Benjamin Netanyahu, também primeiro-ministro israelista, defendia que “a comunidade civilizada devia juntar-se a Israel e aos Estados Unidos com uma simples exigência ao Hamas: libertar Gilad Shalit”.

Agora, 12 anos depois, após o ataque planeado do Hamas que incluiu uma incursão terrestre inédita em solo israelita a 7 de outubro, causando no imediato cerca de 1.200 mortos e um número de feridos ainda por calcular, 240 civis foram levados à força para a Faixa de Gaza, ficando prisioneiros do grupo terrorista. E isso fez com que, após quase um mês e meio depois de guerra, Hamas e Israel voltassem a negociar e chegar a acordo para a troca de reféns.

50 reféns, 150 prisioneiros, quatro dias de pausa, mas os dedos continuam no “gatilho”: o que se sabe sobre o acordo entre Israel e o Hamas

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A par da mediação do Egito (a que se juntou a do Qatar e dos EUA) e do papel que Benjamin Netanyahu desempenhou, os paralelismos entre as duas operações ficam-se por aí. Mas em ambos os casos houve negociações e movimentações diplomáticas nos bastidores.

As negociações entre o Hamas e Israel para a libertação de Gilad Shalit

Num ataque surpresa — através de um túnel — a um kibutz israelita perto da Faixa de Gaza, a 25 de junho de 2006, dezenas de militantes do Hamas mataram dois soldados, feriram outros dois e Gilad Shalit acabou por ser raptado, tendo ainda ficado com ferimentos ligeiros. Numa primeira exigência a Telavive, o grupo terrorista islâmico sugeriu que todas as mulheres e crianças com menos de 18 anos que estivessem em prisões israelitas fossem libertadas, em troca de simples informações sobre o estado de saúde do militar.

Israel rejeitou a proposta e enviou militares para a Faixa de Gaza para tentar resgatar Gilad Shalit. As Forças de Defesa israelitas não conseguiram alcançar o seu objetivo, nem obtiveram qualquer sucesso naquela missão, mas deixaram ameaças. O “céu ia cair”, caso o Hamas matasse ou ferisse com gravidade o militar. O Hamas mantinha a exigência de libertação de todas as mulheres e menores, acrescentando depois mais dois pontos para libertar o soldado: o fim da incursão terrestre dos israelitas em Gaza e a libertação de mil prisioneiros palestinianos.

Mas Telavive não cedia e rejeitava categoricamente quaisquer negociações, preferindo agir no campo diplomático, tentando que os mediadores — como o Vaticano e Egito, na altura — e a comunidade internacional pressionassem o Hamas a libertar o soldado. O impasse manteve-se e o grupo terrorista, em janeiro de 2007, ameaçou que podia manter Gilad Shalit em cativeiro “durante anos”. “Queremos a libertação de mil palestinianos, para além de todos os menores e mulheres. A nossa posição não vai mudar e Israel vai eventualmente sucumbir às nossas exigências porque a procrastinação e a arrogância não trarão o soldado de volta a casa.”

Funcionando como uma eventual moeda de troca para a libertação de palestinianos, o Hamas foi enviando sinais, ao longo de vários anos, de que Gilad Shalit continuava vivo. Por exemplo, um ano após o rapto, o grupo islâmico divulgou um áudio no Youtube para provar que o soldado continuava vivo.

A promessa que o Hamas manteve — de que Gilad Shalit ficaria em cativeiro durante anos — acabou por ser eficaz. Só em 2011 Israel admitiu abrir negociações. A 12 de outubro daquele ano, Benjamin Netanyahu anunciou o acordo para a sua libertação à sociedade israelita. “É uma decisão difícil, mas a liderança é examinada em momentos como estes, sobretudo a habilidade de tomar decisões difíceis. Eu vou trazer Gilad Shalit para casa.”

Mas, para isso, o Hamas também baixou as exigências: nem todas as mulheres nem menores saíram das prisões israelitas. A troca ficou-se pelos 1.027 palestinianos e uma sondagem mostrou que, apesar deste número elevado de prisioneiros, mais de 79% dos israelitas concordaram com o acordo. Mesmo assim, surgiram algumas críticas, associadas ao facto de Israel se ter submetido às condições de um grupo terrorista.

A troca de 2023 e o passado

Ao longo da história, desde a fundação do Estado de Israel em 1948, houve outras libertações de prisioneiros, que envolveram não só o Hamas, como outros antecessores daquele grupo, e mesmo do Hezbollah, a organização terrorista de pendor militar e político, com base no Líbano, que mantém igualmente em aberto um conflito com os israelitas.

Em 1985, por exemplo, assistiu-se àquela que ficou conhecida como a “mãe de todas as trocas de prisioneiros” — os acordos de Jibril. Com um passado mais radical, a Frente Popular para a Libertação da Palestina raptou três soldados israelitas durante a Primeira Guerra do Líbano. Após negociações, Telavive concordou com um acordo em que libertava 1.150 prisioneiros palestinianos em troca daqueles três militares. Quase a mesma proporção de pessoas libertadas do lado de Israel, face às negociações por Gilad Shalit.

Durante as guerras que Telavive manteve no Líbano e em Gaza ao longo dos anos, houve uma série de troca de prisioneiros e de reféns — quase todos militares e, em alguns casos, apenas os corpos de militares, combatentes mortos durante os confrontos entre os dois lados que Israel procurou recuperar.

Agora, em 2023, tudo é diferente. O facto de se tentar a libertação 240 civis, nos quais se incluem mulheres e crianças, não tem paralelo na história de Israel. Esta quarta-feira foram anunciados os “primeiros contornos” de uma operação — que se antevê complicada — para a retirada de pelo menos 50 reféns, mulheres e crianças das mãos dos terroristas do Hamas. Em troca, serão libertados 150 prisioneiros palestinianos, também mulheres e crianças. Para já, ao que se sabe, homens ficam de fora (pode haver idosos e doentes incluídos, mas isso não foi divulgado; aliás, nenhuma lista de reféns a ser libertados é conhecida, nem pelos próprios familiares).

A troca será feita por fases e não de forma direta. O Hamas anunciou a operação para esta quinta-feira, a partir das 8h00 da manhã. Israel iniciaria seis horas de cessar-fogo. E aí começaria a troca de reféns que deveria acontecer em três fases (12 ou 13 de cada vez, até às 14h00). Mas também poderiam ser libertados todos de uma só vez. As informações foram poucas. Sabia-se apenas que seriam primeiro entregues ao Crescente Vermelho e só depois a Israel. E que, só depois, o governo israelita libertaria os prisioneiros palestinianos, de que também se desconhece a identidade. Ao fim da noite, Israel disse que o processo se atrasou, e que só acontecerá sexta-feira.

Depois, o Hamas poderá ainda libertar mais dez reféns em troca de mais seis horas de cessar-fogo diário, que incluem ainda a entrada de combustível e ajuda humanitária em Gaza, além da suspensão de outras intervenções militares israelitas. Mas os dados continuam a ser poucos e pouco conhecidos. E a moeda de troca também. Porque um acordo assim nunca tinha acontecido. O que se sabe é que o Hezbollah já disse que concorda com os termos definidos nas negociações. Mas Netanyahu avisou também ao final da tarde desta quarta-feira que a guerra não terminará até todos os reféns serem libertados.