Índice
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A história dos 100 anos do Partido Comunista Português tem sido essencialmente escrita em torno de Álvaro Cunhal e dos seus rivais políticos (que foram sendo sucessivamente apagados ou condenados ao esquecimento). O que corresponde a um exercício narrativo que está longe de incluir a realidade histórica. O primeiro século do comunismo em Portugal terá um dia também de ser escrito com as biografias de dezenas (centenas?) de pessoas que se entregaram a uma causa e que por motivos diferentes foram sendo relegados para as notas da rodapés. Estes, são apenas os “primeiros sete”.
Carlos Rates
(1879-1945)
Serviu na marinha de guerra, trabalhou na indústria conserveira de Setúbal e chegou a secretário-geral da União de Sindicatos da cidade, em 1911. Integrou as chamadas brigadas operário-camponeses a partir do ano seguinte, tendo desenvolvido uma intensa actividade de propaganda sindical um pouco pelo país inteiro. Destacou-se no Congresso Nacional Operário de 1914 e posicionou-se entre os principais sindicalistas do movimento operário português. Apareceu entre os fundadores do PCP fora do núcleo da Federação Maximalista Portuguesa, o que lhe permitiu afirmar que os maximalistas haviam aparecido para “fazer a propaganda do bolchevismo das massas populares” e por isso transformaram-se “modestamente” num “simples agrupamento de esforçados militantes”. Já o PCP representava uma nova etapa por via do seu principal objectivo: “Adaptar a nação ao novo regime de instituições proletarianas sucessor do podre e combalido sistema burguês”. Chegou a secretário-geral do PCP por imposição de Humbert Droz no I Congresso (1923), tendo acabado por ser afastado e expulso do partido dois anos mais tarde. Haveria de tornar-se funcionário corporativo e membro da União Nacional confirmando um percurso político flutuante merecedor de um considerável desprezo pela historiografia filo-comunista.
Bento Gonçalves
(1902-1942)
A queda de Carlos Rates em 1925 acentuou a “debandada dos elementos juvenis” e “a Juventude, como organização, desapareceu”, constata Bento Gonçalves em escritos retrospectivos. Foi exactamente a reorganização que o próprio implementou a partir de 1929 que permitiu domar a desordem revolucionária e desenvolver depois o PCP com consistência ideológica e novas práticas conspirativas, tendo como base o movimento sindical libertado das paixões anarquistas. São esses tempos que fazem brotar dirigentes que interpretam a mudança em curso com a necessidade de forçar uma “viragem radical” na actividade do PCP. O mestre do Arsenal da Marinha haveria de tornar-se no “pai fundador” do PCP pelo trabalho desenvolvido e pelo exemplo do seu percurso: operário e autodidata, aproximou-se do comunismo através da Internacional Sindical Vermelha, visitou a pátria do socialismo em 1927, tendo lá voltado em 1935 como líder do partido. Haveria de ser preso no regresso a Portugal e deportado para o Tarrafal, onde morreu com uma biliosa. Foi tornado mártir do comunismo português.
Francisco Paula de Oliveira (Pavel)
(1908-1993)
Cruzou-se com Bento Gonçalves no Arsenal da Marinha, tendo integrado de imediato as estruturas sindicais e assumido um papel relevantíssimo no levantamento do PCP como partido revolucionário da classe operária (através de uma aproximação inicial por via do Socorro Vermelho Internacional). Assumiu a liderança da Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas no início da década de 30, passou a integrar o secretariado do comité central e celebrizou-se pela coragem física nos chamados comícios-relâmpago. A prisão de Bento Gonçalves abriu um período de contornos ainda pouco claros. Pavel (o seu pseudónimo) regressou de Moscovo, onde havia sido instalado como representante permanente do PCP, mas foi detido pouco tempo depois. Na sequência de uma fuga audaz, tentou regressar de imediato à União Soviética, mas acabou por ficar retido em Paris em circunstâncias que merecem mais estudo. O processo de suspeição decorrente das circunstâncias da fuga condenou-o ao ostracismo e lançou o PCP numa mal fundamentada suspeita generalizada junto do movimento comunista internacional, tendo forçado Pavel a exilar-se no México.
Júlio de Melo Fogaça
(1907-1980)
Filho de proprietários abastados do Cadaval, Júlio de Melo Fogaça (1907-1980) converteu-se ao comunismo quando foi viver para Lisboa e cruzou caminhos com Bento Gonçalves. O processo de ascensão no PCP começou pela Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas, tendo consolidado a sua posição junto do mestre arsenalista durante a década de 30. Deportado por duas vezes para o Tarrafal, liderou a reorganização de 1940-41 e aproximou-se da liderança do PCP numa altura em que Álvaro Cunhal assumira natural destaque com uma orientação política baseada na ideia do levantamento nacional. Fogaça haveria de recuperar a ideia da desagregação do regime na década de 50 e assumir o poder na ausência do seu rival. Preso no Verão de 1960, acabou por ser esquecido na prisão pelo PCP e votado ao esquecimento num processo político que mistura dimensões pessoais e políticas. Cunhal acusou-o de defender uma saída doce para o Estado Novo e de desviar o PCP da sua origem e tradição revolucionária. Expulso do PCP, o seu papel continua por ser reconhecido pelos comunistas portugueses apesar dos esforços de Fogaça depois do 25 de Abril.
Carolina Loff
(1912-1999)
A PIDE deitou pela primeira vez a mão a Carolina Loff numa manobra de perseguição aos grupos comunistas mobilizados para as acções de agitação e propaganda, mas o golpe do acaso permitiu à polícia prender uma das mais importantes activistas desse período. Após cumprir pena, o PCP deslocou-a para Moscovo (provavelmente por iniciativa de Pavel), tendo sido posteriormente enviada para Espanha durante o período da guerra civil, mas num papel de um certo destaque atribuído por Moscovo. Regressou ao interior para operar em proximidade com Álvaro Cunhal (que também passara pelo conflito espanhol), tendo sido presa numa ofensiva policial que visava precisamente o futuro secretário-geral do PCP. Os investigadores sabem pouco sobre o que se passou depois desta prisão. À semelhança de Júlio Fogaça, também Carolina Loff se envolveu em circunstâncias pessoais que atravessaram directamente a sua actividade política, tendo o PCP em ambos os casos decidido a expulsão, mas sem que os fundamentos sejam ainda hoje conhecidos (para que possam assim ser estudados).
Militão Ribeiro
(1896-1950)
Salvaguardas as necessárias diferenças em relação da Bento Gonçalves, trata-se de um mártir da história do comunismo em Portugal. Militão Ribeiro entrou no PCP na célebre década de 30 e exerceu elevadas funções de direcção em períodos intermitentes entre as prisões, o desterro nos Açores e no Tarrafal e a liberdade na clandestinidade. Estava com Álvaro Cunhal e Sofia Ferreira quando a PIDE tomou de assalto a casa clandestina no Luso em 1949. Haveria de morrer no ano seguinte em circunstâncias dramáticas resultantes da fortíssima debilidade física e mental causada por sucessivas prisões e privações. Antes da greve de fome que haveria de agravar fatalmente a sua saúde, Militão Ribeiro escreveu alguns bilhetes que o PCP transformou nas cartas da resistência e da denúncia da repressão. O conteúdo realista do conteúdo talvez dispensasse que fosse dito que uma das cartas foi escrita “com o seu próprio sangue obtido depois de ter produzido dois golpes no braço esquerdo”.
Cansado Gonçalves
(1903-1984)
A historiografia tem acantonado o papel de Cansado Gonçalves nos estudos de carácter global sobre o PCP, relegando para segundo plano a sua intensa actividade como dirigente político e como intelectual. Entrou para o partido em 1931, na sequência das funções que exerceu como presidente da Associação da Faculdade de Letras e organizador de uma greve reprimida pela polícia. Após uma temporada em Espanha no início da década de 30, acabou por ser novamente preso, tendo voltado à liberdade para exercer funções num período de enorme fragilidade política do PCP. A expulsão do partido provocou uma dolorosa marginalização social e cívica que forçou ao seu exílio em Moçambique, onde leccionou até às vésperas do 25 de Abril.
Adelino Cunha é historiador, professor associado da Universidade Europeia, investigador do IHC da Universidade NOVA de Lisboa, autor das biografias “Júlio de Melo Fogaça e Álvaro Cunhal – Retrato Pessoal e Íntimo” e da história do PCP no exílio “Os Filhos da Clandestinidade”