Uma já está. A primeira semana de campanha oficial de Ana Gomes chegou ao fim com um apoio de peso: a comunidade cigana do bairro dos Navegadores, em Porto Salvo, Oeiras, fez de Ana Gomes estrela anti-Ventura, garantiu-lhe “um milhão de votos” e só faltou esmagar a candidata com abraços. Uma moradora, de máscara, ainda tentou esticar-lhe os braços, mas a candidata ficou a meio caminho. Há regras e, apesar de tudo, algum distanciamento tem de ser cumprido.
Foi a machadada final num dia em que Ana Gomes procurou fazer o pleno: foi ao terreno dos temas de André Ventura e, pisando chão da direita, fez questão de não perder uma oportunidade de atacar Marcelo, enquanto, pelo meio, foi piscando o olho à esquerda lembrando a igualdade de género, a inclusão, o anti-racismo e o combate às desigualdades sociais. Três em um.
Foi nessa lógica que, este domingo, a candidata que viaja praticamente sem comitiva visitou a esquadra da PSP de Póvoa de Santo Adrião, em Odivelas (na quarta-feira já tinha ida a um comando distrital da PSP em Santarém), onde disse que não se conforma com o “tremendo desinvestimento” nas forças de segurança que resulta de décadas de “políticas neo-liberais”; visitou dois quartéis de bombeiros onde apelou a melhores condições e à inclusão dos bombeiros no grupo dos prioritários do plano de vacinação, e terminou no bairro onde lembrou que é chamada de “a candidata cigana”.
Em todo o lado, Marcelo Rebelo de Sousa estava omnipresente. Não só quando os jornalistas lhe perguntavam sobre o caos na saúde, e a culpa continuava a ser apontada ao “preconceito ideológico” do PR num momento em que é preciso “união” na utilização de toda a capacidade instalada, como também quando foi instada a comentar o facto de Marcelo alertar para os perigos de mudar de liderança a meio de uma pandemia e Ana Gomes comparava-o — “com as devidas distâncias” — a Donald Trump. É que, indiretamente, Marcelo também é “responsável pela subida dos adeptos de Trump no nosso país”. Porque deixou muitos problemas do país a descoberto ao longo dos últimos 5 anos de mandato, e o descontentamento foi subindo, subindo. (Mais uma vez a culpa desse descontentamento não é do Governo de António Costa, que “mudou algumas coisas”, embora também tenha “alguma” responsabilidade. É de Marcelo).
Foi, de resto, isso que Ana Gomes disse a um dos moradores da comunidade cigana do bairro dos Navegadores, que lhe assegurou o voto de toda a sua família com o objetivo de ver a candidata chegar ao “segundo lugar”. Ao segundo, sim, porque o primeiro é difícil de alcançar. Olhe que não, olhe que não. É que Marcelo Rebelo de Sousa…. Lá vinha o argumento da praxe: “Marcelo Rebelo de Sousa tem responsabilidade por ele [Ventura] estar onde está”. Por causa do descontentamento e por causa dos Açores, onde “normalizou” um partido de extrema-direita.
“A candidata cigana”
Eram 15h30 em ponto quando Ana Gomes chegou ao bairro dos Navegadores, em Porto Salvo, Oeiras. Daí até o relógio bater nas 17h30, foram duas horas de passeio pelo bairro a ouvir os moradores. O afeto no bairro onde comunidade cigana e comunidade africana estão em estreita articulação não podia ser maior. Ana Gomes está sempre a criticar Marcelo dizendo que não basta “abraços e beijinhos”, mas sabe que o “afeto também importa”. Não podia abraçar, mas quase. Aceitou todo o afeto que os moradores tinham para lhe dar. Afinal, chamam-lhe “candidata cigana”, mas Ana Gomes não se importa com o rótulo — até gosta. É candidata de todos, independentemente da raça ou da etnia, vai dizendo pelo caminho, enquanto ouve os moradores criticar duramente André Ventura, a quem chamou de “aldrabão de feira”. Ou “Hitler”, como ali é conhecido.
“Doutora, o voto cigano é todo para si”. Objetivo: o segundo lugar
Marcelo ou Ventura? Eis a questão
A ideia de ir a um bairro dominado pela comunidade cigana não foi inocente. O objetivo era responder a André Ventura, que tem na comunidade cigana um dos seus maiores alvos, e a resposta ficou à vista. Já na véspera, na habitual conferência online ao fim da tarde, o deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro tinha procurado desmontar os argumentos do deputado do Chega dizendo que apenas menos de 6% dos beneficiários do rendimento social de inserção são ciganos, e Ana Gomes “não podia concordar mais com ele”. Mas é impossível passar um dia de campanha sem que Ana Gomes ataque Marcelo em todas as frentes — e hoje não foi exceção. No final do dia, até pôde dizer ‘missão cumprida’, já que ouviu o Presidente da República prometer que o Governo iria incluir alguns bombeiros no grupo prioritário de vacinação, depois de Ana Gomes ter passado o dia a defender isso mesmo. Se o objetivo era marcar o ritmo da passada, pode-se dizer que Marcelo foi a reboque.