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AFP via Getty Images

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O que muda na guerra quando a Ucrânia passa a poder atacar a Rússia à distância de 300 quilómetros?

Os EUA autorizaram e o chefe da diplomacia europeia espera que também os países europeus deem permissão. Kiev vai poder usar armas de longo alcance para atacar a Rússia, que já respondeu com ameaças.

A administração Biden, prestes a ser substituída na Casa Branca, terá tomado uma decisão pela qual a Ucrânia lutava há longos meses. Perto do 1.000.º dia de guerra, os EUA terão dado autorização à Ucrânia para que sejam usadas armas de longo alcance (fornecidas pelos EUA) para atacar o território russo, uma informação que ainda não foi confirmada oficialmente mas que a imprensa norte-americana dá como certa. A reação de Moscovo não se fez esperar, com o Kremlin a dizer que esta é uma decisão “irresponsável” que só irá “atirar achas para a fogueira“.

A decisão de Washington foi anunciada no domingo pelos meios de comunicação social norte-americanos e confirmada à AFP por um membro da administração Biden. Se for oficialmente confirmada por Washington, esta autorização conduzirá a “uma situação fundamentalmente nova em termos de envolvimento dos EUA neste conflito”, alertou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. Já em meados de setembro, o próprio Vladimir Putin tinha avisado que essa autorização ocidental “significaria nada menos do que o envolvimento direto dos países da NATO na guerra na Ucrânia”.

Duas reações importantes: o líder norte-coreano, Kim Jong-un criticou os EUA por, na sua análise, fomentar uma “situação de segurança internacional mais perigosa”. “À medida que os belicistas dos EUA continuam a prestar apoio militar à Ucrânia e a Israel, mais países são apanhados na guerra e a situação de segurança internacional torna-se mais perigosa, aumentando a ansiedade de que a Terceira Guerra Mundial possa eclodir”, avisou Kim Jong-Un.

Outra: Josep Borrell, chefe da diplomacia europeia, espera que haja um consenso europeu para que o mesmo tipo de armas de longo alcance, fornecidas pelos estados-membros, possam ser usadas por Kiev. “Tenho dito várias vezes que a Ucrânia deveria poder utilizar as armas que lhe são fornecidas, não só para neutralizar as flechas mas, também, para poder atingir os arqueiros”, afirmou Borrell à entrada para uma reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia, em Bruxelas.

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O que está em causa com esta decisão que os EUA terão tomado após meses de hesitação e receio de que pudesse fazer escalar a guerra? Em causa está a utilização dos mísseis ATACMS, feitos nos EUA (cada um custa 1,42 milhões de euros), e que são a sigla por que é conhecido o sistema de lançamento de mísseis (Army Tactical Missile System) que já há mais de um ano é usado pela Ucrânia para atacar alvos na Ucrânia ocupada.

O que a Ucrânia nunca pôde fazer – mas poderá fazê-lo agora, depois da confirmação oficial da autorização – é usar esses mísseis para atacar território russo.

Em que é que estes mísseis são diferentes dos outros?

Estes mísseis, produzidos pela “gigante” do armamento Lockheed Martin, conseguem viajar numa distância até 300 quilómetros. Podem ser disparados a partir dos veículos HIMARS, de que a Ucrânia também já dispõe.

Esses HIMARS já estão a ser usados pela Ucrânia mas apenas para disparar mísseis que não são capazes de viajar mais de 80 quilómetros, cerca de um quarto da capacidade dos ATACMS. A Ucrânia também usa os M777 Howitzer para atingir alvos a uma distância máxima de 40 quilómetros.

epa10854507 M142 High Mobility Artillery Rocket System "HIMARS" at the Artillery and Armaments Training Center in Torun, Poland, 11 September 2023. A framework agreement for the procurement of M142 HIMARS rocket launcher elements for the HOMAR-A system has been approved.  EPA/Tytus Zmijewski POLAND OUT

Mísseis produzidos pela "gigante" do armamento Lockheed Martin conseguem viajar numa distância até 300 quilómetros. Podem ser disparados a partir dos veículos HIMARS

Tytus Zmijewski/EPA

A Rússia tem vindo a usar, sobretudo, os BM-30 Smerch, mísseis capazes de viajar cerca de 70 quilómetros e, também, os 2A36 Giatsint-B Howitzer, com máximo de 40 quilómetros, segundo a britânica BBC.

O que é que a Ucrânia vai fazer com eles?

Volodymyr Zelensky não confirmou oficialmente a decisão norte-americana, notando no seu “diário de guerra” nas redes sociais que tem havido “muita conversa nos meios de comunicação social” sobre a possibilidade de a Ucrânia “receber permissão” para levar a cabo essas ações ofensivas contra a Rússia.

“Os ataques não são levados a cabo com palavras. Essas coisas não são anunciadas. Os mísseis vão falar por si. Certamente vão”, assegurou, no entanto, Volodymyr Zelensky.

Com estes mísseis – e confirmando-se a autorização – a Ucrânia irá passar a poder atingir alvos bem dentro do território russo. A expectativa é que os ucranianos poderão atingir, em primeiro lugar, a região de Kursk, que fica a cerca de 180 quilómetros, em linha reta, da cidade de Sumy (Ucrânia).

A distância entre Kursk (Rússia) e a cidade ucraniana de Sumy ronda os 180km em linha reta, o que está bem dentro dos limites dos novos mísseis.

Esta região, onde os ucranianos controlam mais de 1.000 quilómetros quadrados de território, pode ser palco de uma contra-ofensiva russa com a ajuda dos soldados norte-coreanos. Estes mísseis podem ser decisivos a deter essa possível investida, já que permitem atingir as bases militares e infraestruturas de armazenamento de armas da Rússia.

Ainda assim, como explica a BBC, de um ponto de vista mais geral, a importância destes mísseis na guerra também não se deve sobrevalorizar – já que a Rússia já tem movido importantes infraestruturas e equipamentos (como caças) para regiões mais distantes da Ucrânia, precisamente a antecipar que esta decisão pudesse ser tomada.

Mas estas novas armas – ou, em rigor, a possibilidade de estas armas poderem ser usadas de outra forma – poderão dar à Ucrânia alguma vantagem numa altura em que as tropas russas têm vindo a ganhar terreno no leste do país. “Não creio que seja decisivo”, disse um diplomata ocidental em Kiev à BBC, pedindo o anonimato devido à delicadeza do assunto. “No entanto, é uma decisão simbólica” que vem “demonstrar [a robustez] do apoio militar à Ucrânia” e, além disso, leva diretamente a um aumento do custo da guerra para a Rússia, o que também não é um fator de somenos.

Ainda não é claro quantos mísseis é que estão (ou vão estar) ao dispor da Ucrânia. Mas a expectativa é que, uma vez aprovando-se o uso destes mísseis, também a Europa (Reino Unido e França) possam permitir que a Ucrânia use os Storm Shadow, que têm limites semelhantes aos ATACMS norte-americanos. O ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Noel Barrot, reiterou nesta segunda-feira que a possibilidade de a Ucrânia utilizar mísseis franceses contra território russo ainda não foi descartada.

Usar estes mísseis irá levar, inevitavelmente, a uma escalada na guerra?

Era disso, claramente, que a administração Biden tinha medo, ao longo dos últimos meses, quando hesitou na tomada desta decisão que, de acordo com a imprensa, foi mesmo tomada. Em meados de setembro, o Presidente russo, Vladimir Putin, avisou que essa autorização ocidental, a confirmar-se, “significaria nada menos do que o envolvimento direto dos países da NATO na guerra na Ucrânia”.

“Seria algo que alteraria significativamente a própria essência do conflito. Significaria que os países da NATO, os EUA e os países europeus, estariam a lutar diretamente contra a Rússia“.

Mas estas são declarações que não são muito diferentes daquelas que o Kremlin fez antes de se ultrapassarem outras “linhas vermelhas” nesta guerra. Também quando se entregaram tanques de guerra mais modernos e caças à Ucrânia Putin fez declarações semelhantes, sem que por causa disso se tenha iniciado uma guerra direta entre a Rússia e a NATO. Esta é uma decisão, porém, que tem contornos simbólicos diferentes: já que se trata de permitir que a Ucrânia use armas ocidentais para atacar território russo.

A incerteza é ainda maior dado que a decisão é tomada menos de dois meses antes de o Presidente que a toma (Joe Biden) abandonar o cargo, dando lugar ao regressado Donald Trump. A própria Ucrânia tem noção de que a decisão pode ter efeitos limitados no tempo: “Estamos preocupados, esperamos que Trump não reverta esta decisão“, afirmou Oleksiy Goncharenko, um deputado ucraniano.

Trump tem dito que quer acabar rapidamente com a guerra na Ucrânia e o seu vice-presidente-eleito, JD Vance, já assumiu publicamente a oposição a que se preste mais ajuda militar à Ucrânia. Mas outros membros da futura administração Trump, e pessoas próximas do Presidente eleito, têm uma posição diferente: deve-se aumentar o fornecimento de armas à Ucrânia para forçar a Rússia a negociar de forma mais séria.

A reação mais imediata, porém, veio de Donald Trump Jr., filho de Trump, que escreveu nas redes sociais que “o complexo industrial militar parece querer garantir o início da Terceira Guerra Mundial antes que o meu pai tenha a oportunidade de criar a paz e salvar vidas”.

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