A família Gonçalves regressou ao mundo autárquico. Daniel Gonçalves, pai de Rodrigo Gonçalves, foi afastado de uma recandidatura em 2017 pelo então presidente do PSD, Pedro Passos Coelho, apesar de ser presidente da junta em exercício. Desta vez, é a escolha do PSD como candidato a presidente da junta de freguesia das Avenidas Novas. O equilíbrio de poder de Luís Newton, líder concelhio, foi preponderante para este desfecho, já que o apoio e as negociações com a família Gonçalves nas eleições de julho de 2020 — que incluíram o lugar de vice-presidente do PSD/Lisboa para Daniel Gonçalves — deixaram o presidente da junta de freguesia da Estrela em dívida para com os antigos opositores.

O acordo do CDS chegou a estar tremido antes de estar finalizado porque Newton não abdicava da liderança da junta de freguesia das Avenidas Novas. O acordo acabou por ser fechado até de forma relativamente célere, mas estas jogadas foram pedras na engrenagem. Nas 24 juntas de freguesias de Lisboa, o CDS pedia apenas para ser o cabeça de lista a cinco delas: Campolide, Lumiar, Misericórdia, Parque das Nações e Avenidas Novas. Mas os centristas acabaram por ficar com nove, mais quatro do que pediram porque para os sociais-democratas havia juntas mais importantes que outras.

Destas cinco exigidas, havia uma que o PSD não podia mesmo abdicar para garantir o poder interno: as Avenidas Novas. E assim foi. Com PSD e CDS coligados, muito dificilmente não cai para a direita. Há quatro anos, o PS venceu-a por 226 votos ao CDS e os três partidos tiveram uma votação muito próxima. O socialistas conseguiram com 29,27% dos votos, mas PSD e CDS juntos tiveram quase 50% dos votos (49,67%). Ou seja: qualquer candidato da direita arrisca-se a vencer. Isso torna a junta muito apetecível para a família Gonçalves. Junto de Carlos Moedas, que não quer ser associado a caciques — mas que nada pôde fazer para travar as escolhas para as juntas — as fontes das estruturas locais do PSD têm-se esforçado por separar Daniel Gonçalves do filho, Rodrigo Gonçalves.

A influência de Rodrigo Gonçalves não termina nas Avenidas Novas e estende-se por outras zonas que pertencem Núcleo Central do PSD/Lisboa. Em Alvalade, o candidato à junta de freguesia é José Amaral Lopes, antigo secretário de Estado da Cultura, que em 2018 era o número dois da lista de Rodrigo Gonçalves à concelhia (eleições essas que perdeu). Rodrigo Gonçalves continua a ter muita influência em outras juntas de freguesia que fazem parte da esfera de influência da antiga secção A do PSD em Lisboa: Benfica e São Domingos de Benfica.

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O próprio Rodrigo Gonçalves chegou a ser falado nos corredores para liderar a corrida a uma junta ou mesmo como vereador à câmara municipal de Lisboa, mas fontes do PSD/Lisboa garantem que, para já, não se quer envolver em nenhuma corrida, partilhando com os seus mais próximos que já está “noutro patamar”. Ou seja: próximo passo será ser candidato a deputado.

A ascensão, queda e recuperação dos Gonçalves

Antes a concelhia do PSD/Lisboa dividia-se em secções que iam da letra A à H às quais acresceu, mais tarde, a secção Oriental. A secção A era uma das mais poderosas, crescendo na segunda metade da década de 1990 à boleia dos recrutamentos do seu carismático líder, António Preto — o “homem da mala”, que acabou ilibado dos crimes de fraude fiscal qualificada e falsificação de documento dos quais tinha sido acusado.

Rodrigo Gonçalves é um herdeiro de António Preto e de Sérgio Lipari na secção A, que chegou a liderar depois destes. Em 2011, as secções de Lisboa foram convertidas em núcleos: Oriental, Central e Ocidental. A secção A ficou no Central, mas em vez de Rodrigo Gonçalves, o primeiro líder do Núcleo Central do PSD/Lisboa foi o pai de Rodrigo: Daniel Gonçalves.

Em 2005, também sucedendo a Sérgio Lipari, Rodrigo Gonçalves torna-se presidente da junta de freguesia de São Domingos de Benfica. Lipari faz o seu caminho como vereador na câmara de Lisboa e, com a tutela da Gebalis, acaba por filiar vários militantes do PSD/Lisboa, como noticiou o Observador. Com a Gebalis nas mãos de Lipari terão disparado as filiações na secção A oriundas do bairro social da Boavista, em Benfica, com casos de militantes que nem sabiam ser militantes. Um militante do PCP ouvido no processo do DIAP sobre o assunto tinha inscritos na sua morada, sem saber, três falsos militantes do PSD.

Do Bairro da Boavista choveram outras denúncias, como uma feita por uma moradora em 2003 na Assembleia Municipal de Lisboa e devidamente documentada, de que eram dados vales de estadia no Algarve em nome do PSD. A estadia seria feita nos Jardins da Balaia, no Algarve, e disponibilizada pelo Montepio Comercial e Industrial, onde Daniel Gonçalves, pai de Rodrigo Gonçalves, tinha funções de gestão. As ofertas de férias no Algarve eram feitas aos moradores com a indicação: “Oferta do PSD, Benfica ― Secção A.” Anabela Leonardo, jurista e também autarca do PSD, também denunciou o caso, mas foi agredida quando o fez.

No âmbito de desvio de subsídios atribuídos (pela câmara, ainda com Lipari como vereador) à junta liderada por Rodrigo Gonçalves, Rodrigo e o pai, Daniel, chegaram a ser acusados pelo Ministério Público de corrupção passiva, mas acabaram absolvidos, como noticiou o Público. Já o antigo fiscal de obras da junta — considerado homem próximo de Rodrigo — foi condenado a quatro anos de prisão no âmbito do mesmo processo.

Depois de o Observador ter noticiado estas histórias sobre Rodrigo Gonçalves e o pai, Daniel Gonçalves, a 14 de abril de 2017, Pedro Passos Coelho começou a torcer o nariz à continuidade. Foi então que Pedro Passos Coelho decidiu retirá-lo das listas. Rodrigo Gonçalves ainda tentou provocar Passos Coelho quando organizou, antes da últimas autárquicas, um jantar com mil pessoas e sugeriu que o candidato à capital devia ser o líder do partido. Perdeu esse braço-de-ferro.

A rede da família Gonçalves: como se tornaram poderosos no PSD/Lisboa

Esse processo autárquico também levou à queda de Mauro Xavier, que discordava da estratégia nacional para a concelhia. Rodrigo Gonçalves era vice-presidente — naquilo que tinha sido uma união de várias fações em torno de Mauro Xavier — e ficou como presidente da concelhia interino. Quando houve eleições para a concelhia, em janeiro de 2018, Rodrigo Gonçalves candidatou-se, mas perdeu para Paulo Ribeiro — o agora braço-direito escolhido por Moedas para esta corrida autárquica. Paulo Ribeiro acabou por se demitir após cair numa armadilha de Luís Newton na escolha dos representantes da concelhia para as listas à Assembleia da República.

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A concelhia fez novamente eleições em julho de 2020 e Luís Newton foi eleito com o apoio de fações rivais, incluindo da família Gonçalves. O seu vice-presidente era Daniel Gonçalves. Sete meses antes, nas eleições das distrital, Rodrigo Gonçalves tinha sido eleito também vice-presidente na eleição de Ângelo Pereira contra Sofia Vala Rocha. A família Gonçalves estava de volta ao topo de Lisboa: na concelhia e na distrital.

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As fações estão agora apaziguadas, longe das guerras de cacique de outros tempos, mas é uma paz podre, que pode eclodir a qualquer momento.

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Lumiar para Ricardo Mexia (uma vitória para Paulo Ribeiro)

Além dessa junta de freguesia, os sociais-democratas quiseram também ficar com o Lumiar. Razão? Apesar de ser difícil destronar o vice-presidente da bancada do PS e “jovem turco” Pedro Delgado Alves, o lugar de candidato a presidente de junta do PSD ao Lumiar estava já reservado para o diretor de campanha de Carlos Moedas, Ricardo Mexia. Esta é, na verdade, uma recandidatura.

Embora em 2017 fosse um desconhecido, Ricardo Mexia ganhou muita visibilidade durante a pandemia (como presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública) e alimenta a ideia de poder vir a vencer esta junta de freguesia. Quando PSD e CDS foram coligados, em 2013, a junta foi perdida por apenas 1438 votos. Nas legislativas de 2019, o PSD ganhou mesmo ao PS, sem a ajuda do CDS.

Esta quinta-feira foi divulgada a lista completa dos candidatos a presidentes da junta de freguesia ou primeiras indicações :

Ajuda*: Luís de Almeida (primeira indicação do PSD — candidato a presidente é do CDS)

Alcântara*: Filipa Sequeira (primeira indicação do PSD — candidato a presidente é do CDS)

Alvalade:  José Amaral Lopes

Areeiro: Fernando Braamcamp

Arroios*: Maria Manuel Barroso (primeira indicação do PSD — candidato a presidente é do CDS)

Avenidas Novas: Daniel Gonçalves

Beato: Lisa Pereira

Belém: Fernando Ribeiro Rosa

Benfica*: Andreia Pinto-Bastos (primeira indicação do PSD — candidato a presidente é do CDS)

Campo de Ourique*: Mafalda Ascensão Cambeta (primeira indicação do PSD — candidato a presidente é do CDS)

Campolide*: Maria Fezas Vital (primeira indicação do PSD — candidato a presidente é do CDS)

Carnide: José Morgado

Estrela: Luís Newton

Lumiar: Ricardo Mexia

Marvila: Patrícia Cipriano

Misericórdia*: Nuno Luz (primeira indicação do PSD — candidato a presidente é do CDS)

Olivais: Celina Videira

Parque das Nações*: Afonso Costa (primeira indicação do PSD — candidato a presidente é do CDS)

Penha de França*: Maria Dionísio Borges (primeira indicação do PSD — candidato a presidente é do CDS)

Santa Clara: Mafalda Lobo

Santa Maria Maior: Gonçalo da Câmara Pereira

Santo António: Vasco Morgado 

São Domingos de Benfica: José da Câmara

São Vicente: Filipa Pinto Machado