Dasha demorou cinco dias para percorrer mais de quatro mil quilómetros — a distância entre a Ucrânia, o país onde nasceu, e Portugal, o país que lhe deu abrigo quando quis fugir da guerra –, mas o regresso à cidade ucraniana de Ivano-Frankivsk demorou apenas dois. “Primeiro, apanhei um avião, depois um autocarro e depois um comboio. Queria chegar o mais rápido possível, porque esta é a minha casa”, explicou a jovem de 20 anos, que fugiu da Ucrânia quase um mês depois do início da guerra. A 22 de março, Dasha partiu com a mãe em direção a Portugal, onde não tinham ninguém conhecido à sua espera.
A partir de sua casa, já em território ucraniano e na companhia do seu cão, Dasha recorre a uma comparação para mostrar a razão pela qual o seu regresso faz sentido: “Quando viajamos para outro país, acabamos sempre por voltar para a nossa casa. Estas não são umas férias, nós saímos da Ucrânia porque tínhamos medo, mas quando a família está longe, estás sempre a pensar em voltar. Estava em Portugal, mas o pensamento e o meu coração estavam sempre aqui, na Ucrânia.”
A jovem ucraniana deixou a mãe em Portugal, cumprindo a sua vontade. E, tal como Dasha, já saíram de Portugal, pelo menos, 310 ucranianos – é esse o número de pessoas que cancelaram os respetivos pedidos de proteção temporária desde que a Ucrânia foi invadida pela Rússia, a 24 de fevereiro. Os dados avançados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ao Observador revelam ainda que já foram emitidos 34.544 certificados de autorização de residência ao abrigo do regime de proteção temporária, o que significa que estas pessoas já têm o respetivo número de utente de saúde, de segurança social e de identificação fiscal.
Os números em Portugal são, no entanto, muito reduzidos quando comparados com os restantes países da Europa, sobretudo aqueles que fazem fronteira com a Ucrânia, como é o caso da Polónia. Olhando para os dados que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) tem atualizado desde o início do conflito – e os últimos referem-se ao dia 27 de maio –, já regressaram ao país quase dois milhões e 300 mil ucranianos e saíram quase sete milhões. Apesar de milhares de ucranianos continuarem a querer sair da Ucrânia, o fluxo de migração está a mudar de direção.
Na última atualização, feita na passada sexta-feira, o ACNUR referiu que, em média, entravam na Polónia 100 mil pessoas por dia e, neste momento, estão a passar a fronteira cerca de 20 mil diariamente. Por exemplo, nas duas últimas semanas, entraram na Polónia 253 mil ucranianos e cruzaram a fronteira de regresso à Ucrânia 345 mil pessoas. “Os refugiados mais recentes vêm, geralmente, de zonas mais afetadas do conflito, alguns passaram semanas escondidos dos bombardeamentos em abrigos. Muitas vezes chegam em estado de stress e ansiedade, deixaram a família para trás, sem planos concretos para onde ir e com poucos recursos económicos.”
Registos diferentes tem o Governo ucraniano que, através do seu ministro da Administração Interna, Victor Andrusiv, adiantou esta segunda-feira que perto de 60% dos ucranianos que deixaram o país desde que Putin enviou as tropas russas para a Ucrânia já regressaram. Através do Telegram, o ministro referiu que, “em muitos casos, é preciso alugar casas caras, viver em ginásios, ou algo semelhante”, o que faz com que as pessoas queiram voltar.
O ACNUR, que tem apoiado quem foge da guerra desde o primeiro dia, explica que têm sido registados “mais movimentos pendulares, em que as pessoas vão e voltam através da fronteira com a Ucrânia por várias razões, incluindo visitas a familiares, verificar as suas propriedades ou regressar aos seus empregos”.
Estas três razões indicadas pelo Alto Comissariado são exatamente as mesmas que Dasha enumera quando tenta explicar o que a fez voltar a um sítio onde os bombardeamentos são uma possibilidade e a segurança não é garantida. O namorado, o pai e a irmã ficaram na Ucrânia quando conseguiu convencer a mãe a viajar com ela até Portugal. Dasha regressou recentemente à Ucrânia, e está de volta a Ivano-Frankivsk, enquanto o resto da família vive em Dnipro, cidade que fica praticamente no centro da Ucrânia, a pouco mais de 80 quilómetros de Zaporíjia e que tem sido palco de vários bombardeamentos russos. “Quando começou a guerra, ligava à minha mãe todos os dias, durante três semanas, e dizia ‘Mãe, por favor, arruma as tuas roupas e vem ter comigo’.”
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O namorado e o pai (um com 23 anos de idade, o outro com 53) não foram autorizados a sair do país. A lei marcial em vigor desde fevereiro proíbe a saída de homens entre os 18 e os 60 anos, uma vez que podem ser chamados para combater. Até agora, nenhum deles vestiu o uniforme militar – o pai continua a trabalhar como segurança e o namorado como fotógrafo freelancer. Já a irmã não quis abandonar o namorado e a sua casa, apesar de reconhecer que este não é um sítio seguro.
As dificuldades de integração
Quando passou um mês da sua estadia em Portugal, Dasha decidiu que queria regressar ao seu país. Planeou a viagem com outra jovem que conheceu na Polónia, quando estava à espera do autocarro para Portugal e que também quis voltar – neste caso para Kiev, a capital ucraniana.
Apesar de ter gostado de Portugal, a jovem reconhece que uma das dificuldades, além de recomeçar uma vida a partir do zero, é encontrar trabalho na sua área. “Sou professora de ioga e sou fotógrafa. Eu e a minha mãe tínhamos trabalho, mas era numa quinta e esse trabalho não é para mim, é muito difícil. Trabalhei durante três dias e achei que era demasiado para mim”, contou.
Dasha e a mãe viveram durante um mês num parque de campismo, em Cascais e, neste momento, a mãe vive com uma família portuguesa no mesmo concelho. E foi também sobre estas dificuldades que o ministro da Administração Interna ucraniano falou esta semana, e que justificam o regresso de muitos ucranianos. “Encontrar um emprego qualificado também é um problema, porque é preciso conhecer o idioma e, ainda por cima, num nível profissional. É por isso que devemos temer que os ucranianos não voltem para casa”, disse Victor Andrusiv.
Ivano-Frankivsk, a cidade que Dasha encontrou quando regressou, não é a mesma que deixou em março. “Há muitas pessoas de outros sítios da Ucrânia, porque é muito perto da fronteira. É mais seguro. Muitas pessoas estão a viver nas escolas, porque deixaram as suas casas, sobretudo de Kiev e de Kharkiv”, explicou. Ainda assim, conta a jovem, o comércio está a funcionar e “estão todos a tentar ter uma vida normal”.
Sair da Ucrânia contra a sua vontade
Dasha explica ainda que os seus amigos e pessoas que vai encontrando nas redes sociais, que fugiram da guerra para outros países, também estão a regressar. Daria, 20 anos, é outro exemplo. Foi obrigada pelos pais a fugir da cidade de Dnipro com a irmã. Foram para a Roménia — país escolhido por quase um milhão de ucranianos que decidiram sair da Ucrânia —, e estavam no caminho de regresso a casa quando Daria falou com o Observador. O objetivo nunca foi ficar muito tempo fora do país.
Eu não queria ir, mas os meus pais insistiram. Os meus pais e os meus avós ficaram na Ucrânia, o que me partiu o coração. Na primeira semana, chorei sem parar, tudo estava muito pouco claro. Era como se tivesse traído os meus pais e os meus amigos.”
Quando começaram os bombardeamentos, a depressão tomou conta da sua cabeça durante dois meses. Não conseguia fazer nada, faltavam as forças — foi como se a vida tivesse parado, contou ao Observador a jovem que saiu esta terça-feira da Roménia. Ainda hoje, num momento em que já deixou para trás as semanas negras que passou no país vizinho, “dói só de recordar o que sentiu”. E a dor volta quando diz que, mesmo estando em casa, sente que não pode ajudar o exército ucraniano a combater a Rússia.
“Esta é a nossa terra. Temos família na Ucrânia, os nossos amigos e a nossa casa. Por melhor que seja outro país, nada substitui a nossa casa. Temos saudades infinitas da nossa terra e estou pronta para voltar, mesmo apesar do perigo, porque amo muito a Ucrânia.”