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ANA MARTINGO/OBSERVADOR

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O "saco azul" da política verde. Despesa do Fundo Ambiental dispara com socialistas, mas há riscos do lado da receita

Em cinco anos, com a gestão socialista, a despesa do Fundo Ambiental cresceu cinco vezes. Chamaram-lhe o "saco azul", mas será que o dinheiro chega para tudo? Governo diz que sim, mas há riscos.

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Ciclovias, janelas eficientes, carros elétricos, subsídios a produtores de energia (pela queima de resíduos) e aos preços da eletricidade, compra de comboios, de autocarros e expansão das redes do metro, descontos nos preço dos transportes. Esta é uma lista não exaustiva, e sempre a crescer, dos gastos que o Governo passa para o Fundo Ambiental. Este ano soube-se que será este instrumento a financiar as elétricas para dar um desconto na fatura de janeiro por causa do frio e do confinamento que custará, até ver, 10,5 milhões de euros.

Já depois da publicação deste trabalho, o Ministério do Ambienta anunciou uma ferramenta online que permite consultar as despesas e receitas anuais deste instrumento por setores.

Fundo Ambiental. Governo lança ferramenta online para consultar onde é gasto o dinheiro

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Já lhe chamaram de saco azul do Ambiente ou poço sem fundo. Na discussão do último Orçamento do Estado os partidos da oposição alertaram para esta contabilidade paralela que permite aumentar – em muito – o envelope financeiro à disposição do Ministério do Ambiente, sem passar diretamente pelo parlamento, levantando ainda dúvidas sobre a transparência no uso e controlo destes fundos que este ano voltam a ultrapassar os 500 milhões de euros. Matos Fernandes assegura que tudo é público e que as contas estão certificadas por um revisor oficial de contas. As contas do Fundo estão publicadas no site. Já o parecer sobre as mesmas não consta, mas foi enviado ao Observador depois de pedido.

De “grande saco” a “poço sem fundo”. Oposição questiona transparência do Fundo Ambiental

Antes — durante a gestão do Governo PSD/CDS —  grande parte das verbas públicos previstas para a área ambiental ficava na gaveta, com taxas de execução baixíssimas, como foi denunciado em auditorias do Tribunal de Contas. Mas desde que os socialistas chegaram ao poder – sobretudo a partir de 2017, quando foi criado o Fundo Ambiental a partir da fusão de vários fundos – parece haver dinheiro para distribuir por tudo e por todos. As taxas de execução de despesa que chegam a ultrapassar os valores orçamentados.

De acordo com dados de execução divulgados na semana passada, em cinco anos houve um salto de 100 milhões de euros em gastos anuais distribuídos por 3 fundos em 2015, para quase cinco vezes mais no ano passado, um recorde de 569,3 milhões de euros. “Passou-se do oito para o oitenta”, comenta Francisco Ferreira, o presidente da ZERO, associação ambientalista que já fez vários alertas sobre a generosidade com que este Fundo distribui fundos para todo o lado.

Mas afinal onde são gastos? Quem faz a gestão e quem os controla? De onde vêm? E vão chegar para tudo? Estas são as perguntas essenciais para as quais o Observador tentou obter respostas.

Onde são gastos os milhões

O sistema elétrico tem sido o principal beneficiário das despesas, primeiro através do Fundo de Carbono e a partir de 2017 do Fundo Ambiental. As transferências anuais foram um dos mecanismos encontrados para aliviar a fatura dos sobrecustos que estava a ser passada pelos consumidores da eletricidade, resultante dos subsídios às produção de energia renovável.

Mas estão a crescer muito as verbas para os transportes públicos. A informação disponível para o ano de 2020, indica que – entre os subsídios ao passe social e a renovação da frota de empresas públicas – foram cerca de 313 milhões de euros. O Ministério do Ambiente e Ação Climática destaca que, com as transferências para as tarifas, foi possível limitar o valor máximo do passe para as famílias a 80 euros por mês nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, o que trouxe mais pessoas aos transportes públicos e reduziu a poluição.

Há também dinheiro para projetos de recuperação de áreas ardidas ou apoio a ecossistemas e biodiversidade, para além de  projetos de educação ambiental. Outros destinos passam por coisas tão diversas como a limpeza do rio Sorraia de uma praga de jacintos ou os 1,7 milhões de euros que terão sido gastos em 2018 para remover as lamas depositadas no Rio Tejo por anos de operação da indústria de celuloses na zona de Vila Velha de Rodão e que contribuíram para um dos maiores desastres ambientais no rio.

Em 2017, o Fundo teve receitas de 150 milhões de euros. As despesas aumentaram para quase o mesmo valor, apresentando uma taxa de execução de 98%. Em 2018, as receitas do Fundo Ambiental disparam para mais do dobro, atingindo os 312,7 milhões de euros. Este aumento é possível graças ao salto dos proveitos obtidos com a venda de licenças de CO2 que, por sua vez, beneficiaram da valorização do mercado de carbono. Daqui chegaram 265,6 milhões de euros, contra 100 milhões de euros em 2017.

O grau de execução da receita foi superior a 100% e mais de 200% do estimado porque esta foi também muito superior ao previsto. Considerando os saldos de gerência transitados, que permanecem elevados, a receita total do Fundo acabou por atingir os 571 milhões de euros. A principal despesa continua a ser a transferência para a EDP, no quadro da amortização extraordinária de custos do sistema elétrico e que beneficiou de 160,4 milhões de euros.

Em 2019, a receita (e despesa) do Fundo Ambiental ambiental volta a disparar com a consignação da cobrança do adicional de carbono ao imposto sobre produtos petrolíferos. Entraram mais 104 milhões de euros. A acompanhar essa maior disponibilidade financeira está também um novo encargo da mesma dimensão, o financiamento dos descontos adicionais ao passe social dos transportes público, ao abrigo do programa PART ao abrigo do qual foram transferidos 104 milhões de euros para as áreas metropolitanas.

Em 2019, receita com licenças de CO2 caiu ligeiramente, para 257 milhões de euros. A estabilização dos custos no sistema elétrico continuou a ser o principal destino das verbas do Fundo Ambiental, com uma transferência de 152 milhões de euros. As despesas executadas em 2010 atingiram 587,5 milhões de euros, o que corresponde a uma execução de 143%, muito superiores às receitas totais previstas para o mesmo ano da ordem dos 420 milhões de euros. O Ministério do Ambiente explicou entretanto que a real despesa do fundo nesse ano foi de 387,6 milhões de euros, já que os 200 milhões de euros de diferença correspondem a aplicações financeiras realizadas em dívida pública.

Esta almofada que resulta dos avultados saldos de gerência e resultados acumulados do passado. Este valor já foi entretanto reembolsar e vai funcionar, segundo explica o Ministério do Ambiente e Ação Climática, como “uma reserva para acorrer a situações de urgência, tal como a situação pandémica que atualmente atravessamos”.

Os apoios dados em 2019 estão distribuídos por centenas de candidaturas que vão desde os incentivos à compra de veículos elétricos pelo Estado ou de baixas emissões, passando pela economia circular (a vários níveis), a descarbonização, resíduos, a sustentabilidade, as ciclovias (dotação de oito milhões de euros até 2021), a educação e desporto. Há projetos de apoio à biodiversidade e proteção ou recuperação de ecossistemas ou um financiamento de 1,4 milhões de euros ao projeto windfloat que está a construir eólicas offshore ao largo de Viana do Castelo. Há   protocolos assinados com as empresas Metro de Lisboa, Metro do Porto, Transtejo e CP para o fundo financiar a compra de comboios, carruagens e barcos e uma dotação de 4,5 milhões de euros para os projetos de melhoria da sustentabilidade energética dos edifícios.

A construção de ciclovias é um destinos dos apoios. Em 2018 foram anunciados 300 milhões de euros em 12 anos

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A lista de subvenções (subsídios anuais) pode ser consultada no site e indica que em 2019, a mais avultada (mais de 4 milhões de euros) foi atribuída à empresa pública EDM para financiar o plano de intervenção em pedreiras críticas, na sequencia do acidente que fez cair uma estrada em Borba.

Em 2020, atingiu-se o valor mais alto que esgotou praticamente as receitas do ano com uma execução de 99%, cerca 570 milhões de euros, uma subida de quase 50% face a 2019.

Quem gere o Fundo Ambiental?

O Fundo é dirigido por um diretor e coadjuvado por um subdiretor que são também o secretário-geral e o secretário-geral adjunto do Ministério do Ambiente. Ou seja, os gestores destes instrumento — que o próprio ministério descreve como “o instrumento central para o financiamento da ação climática e da política do ambiente — não exercem em exclusividade, acumulam com outras funções.

O Ministério confirma que a gestão é assegurada pela secretaria-geral do Ambiente, nos termos do decreto-lei de 2016, aprovado já pelo Governo socialista que consolidou a fusão dos vários fundos. E acrescenta que toda a atividade orçamental, financeira e contabilística é assegurada pelos serviços administrativos e financeiros da secretaria-geral. As duas atuais dirigentes do Fundo foram nomeadas para o cargos na secretaria-geral do Ministério por João Matos Fernandes em julho de 2018. Ambas têm um mandato de cinco anos, após concurso promovido pela Cresap (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública).

Não obstante a dimensão financeira e operacional que atingiu, o Fundo não tem quadro de pessoal próprio. O apoio técnico é prestado por trabalhadores em funções públicas através do recurso aos instrumentos da mobilidade geral previstos na lei. O relatório e contas de 2018 deixa no ar este desabafo: “ao longo de 2018, verificou-se alguma rotatividade de pessoal em mobilidade, verificando-se uma enorme dificuldade em captar novos elementos”.

O MAAC adianta ao Observador que na estrutura orgânica da secretaria-geral foi criado um gabinete liderado por um chefe de divisão para gerir o fundo, composto por sete trabalhadores em funções públicas. E acrescenta que, nos últimos três anos, houve uma média de dez pessoas dedicadas a tempo inteiro, a que acrescem mais seis colaboradores da secretaria-geral em tempo parcial para as áreas financeira, contratação e orçamental de suporte à gestão do FA. A mesma fonte sublinha que o Fundo pode contratar serviços para apoiar a preparação de candidaturas, a sua avaliação, bem como procedimentos para monitorizar esses serviços, existindo neste momento seis prestadores de serviços na modalidade de avenças.

João Matos Fernandes é o titular da pasta do Ambiente, e responsável máximo, pelo Fundo há 5 anos

ESTELA SILVA/LUSA

Quem manda é o ministro João Matos Fernandes. “A condução estratégica do Fundo incumbe ao membro do Governo responsável pela área do ambiente, ou seja, o ministro do Ambiente e da Ação Climática”.

O dinheiro está a ser bem gasto?

A associação ambientalista Zero tem sido uma das entidades a alertar para os riscos de um crescimento descontrolado da intervenção do Fundo Ambiental. Parece haver dinheiro a mais e uma ausência ou clarificação de critérios e prioridades. O presidente da associação, Francisco Ferreira, dá o exemplo dos resíduos importados de Itália que estavam a chegar a Portugal para tratamento e ficaram retidos nos portos porque o Governo entretanto suspendeu as importações. A fatura da sua remoção e tratamento terá de ser assumida pelo Estado, mais uma conta para o Fundo Ambiental pagar.

Governo impediu resíduos italianos de entrar, mas vai pagar a conta do seu tratamento em Portugal

Uma das preocupações manifestadas pelo dirigente da Zero é a falta de monitorização, ou dados sobre o que está a acontecer aos projetos aprovados pelo Fundo. Ainda que exista muita informação pública sobre os fundos alocados aos referidos projetos, não se sabe se os mesmos estão a ser desenvolvidos em linha com o previsto e se estão a alcançar os resultados pretendidos em matéria de benefícios ambientais, realça.

O Ministério do Ambiente e Ação Climática diz que o acompanhamento dos projetos apoiados é feito pela equipa do gabinete de gestão do Fundo Ambiental, composta por sete trabalhadores em funções públicas, e seis prestadores de serviços contratados por avença, já referidos. É ainda assinalada a colaboração permanente dos trabalhadores das equipas de serviços administrativos e financeiros de unidades orgânicas do Ministério, como as compras e a coordenação orçamental.

“Todos os contratos e protocolos celebrados entre o Fundo e os seus beneficiários incluem, expressamente, entre outras, a obrigação dos beneficiários remeterem ao Fundo Ambiental um relatório final de execução física e financeira do projeto financiado. Os contratos preveem, ainda de forma expressa a devolução de verbas não utilizadas ou para as quais não seja apresentado comprovativo da correspondente despesa”.

Outro dos pontos destacados passa pela distribuição dos verbas por várias áreas beneficiadas, algumas das quais têm receitas consignadas por lei. Com a fusão dos vários fundos num só, é mais difícil perceber se as receitas que deveriam ir para os recursos hídricos ou para a eficiência energética estão de facto a ir para o destino previsto.

O Fundo Ambiental parece servir para acorrer a todas as necessidades que vão surgindo, o que Francisco Ferreira explica com as elevadas disponibilidades financeiras. Daí a comparação com o saco azul, uma espécie de orçamento paralelo que o Ministério do Ambiente pode usar com uma grande margem para decidir onde e quanto gasta sem os constrangimentos das dotações e autorizações orçamentais definidas para um dado programa ou objetivo. Ainda que, como garanta Matos Fernandes, toda a informação sobre esses gastos seja pública (no relatório e contas, no site e em Diário da República).

"É positivo que haja mais dinheiro para gastar na defesa do ambiente", quando no Governo do PSD/CDS grande parte dos fundos ficava por gastar. "Mas passamos dos 8 para 80. E deve haver um controlo da forma como ele está a ser gasto e uma avaliação sobre se está ou não ser bem gasto"
Francisco Ferreira, presidente da Zero

Para Francisco Ferreira, “é positivo que haja mais dinheiro para gastar na defesa do ambiente”, quando no Governo do PSD/CDS grande parte dos fundos ficava por gastar. “Mas passamos dos 8 para 80. E deve haver um controlo da forma como ele está a ser gasto e uma avaliação sobre se está ou não ser bem gasto”. O presidente da Zero sugere por isso a criação de uma comissão de avaliação independente que possa fazer a monitorização do cumprimento dos objetivos ambientais e que vá além do controlo financeiro das contas prestado por um ROC.

Com exceção do ano de 2017, em que havia falta de informação conferir transferências vinda dos fundos que foram integrados no Fundo Ambiental, os pareceres anuais das contas consultados pelo Observador não apresentam reservas.

De onde vêm os milhões?

O último relatório e contas disponível de 2019 indica que são duas as principais fontes de receitas do Fundo Ambiental: transferências do Orçamento do Estado e receitas próprias. No primeiro caso, as verbas resultam da consignação de partes da receita do imposto sobre os produtos petrolíferos que têm duas origens: O agravamento fiscal sobre o gasóleo de aquecimento até nivelar o imposto com o cobrado sobre o gasóleo rodoviário e o adicional cobrado de ISP cobrado sobre os combustíveis rodoviários e que reflete o custo do CO2 no mercado europeu de carbono.

As receitas próprias têm várias fontes, mas a principal que se destaca pelo seu peso é a que resulta da venda em leilão das licenças de CO2 que são compradas pelas indústrias poluidoras e que representaram no ano passado um encaixe para o Estado de 257 milhões de euros. Esta licenças e as verbas que chegam do imposto petrolífero, e que são pagas sobretudo pelos automobilistas, respondem por mais de 90% dos recursos financeiros do Fundo Ambiental.

O Fundo Ambiental nasceu em 2017 com a fusão de três instrumentos tutelados pelo Ministério do Ambiente — Fundo de Carbono, Fundo de Proteção dos Recursos Hídricos e Fundo de Intervenção Ambiental — comandado já na altura por João Pedro Matos Fernandes. Em comum tinham ainda outra marca herdeira da gestão do anterior Governo, uma subutilização das verbas em teoria disponíveis que se avolumavam em saldos de gerência acumulados de centenas de milhões de euros.

O Fundo de Carbono que recebia o produto de venda de licenças de CO2. teve receitas de 172,4 milhões de euros em 2014 e de 238,9 milhões de euros em 2015. Parte substancial resultou de saldos que não foram usados de 77,4 milhões de euros em 2014 e de 103,5 milhões de euros. A dotação orçamental autorizada de 96 milhões em 2014 e de 106,8 milhões em 2015 não foi toda gasta.

A disponibilidade do Fundo estava também condicionada por provisões feitas para perdas potenciais no mercado do carbono face aos investimentos feitos em outros fundos. E houve mesmo uma perda de 16,8 milhões de euros no Luso Carbon Fund, ao contrário das empresas poluidoras que ganharem dinheiro com a venda das suas licenças que receberam em excesso, como contamos aqui.

Auditoria aos negócios do carbono. Empresas “poluidoras” ganharam 387 milhões. Estado perdeu

O diagnóstico repete-se no Fundo de Proteção dos Recursos Hídricos. Em 2014, teve receitas de 53 milhões de euros, dos quais 31 milhões eram saldos de contas passadas. E em 2015, da receita de 62 milhões, 44,9 milhões veio de saldos acumulados. Apesar desta confortável almofada financeira, o fundo só foi autorizado a gastar 12 milhões de euros em 2014 e 14,6 milhões de euros em 2015. Mas apenas usou cerca de nove milhões de euros em cada um dos anos, verbas que foram transferidas para a APA (Agência Portuguesa do Ambiente). O financiamento vem das taxas sobre os recursos hídricos pagas pelas empresas.

A mesma lógica parece ter presidido à gestão do Fundo de Intervenção Ambiental, que recebe o produto das coimas e contraordenações ambientais. Em 2014 tinha 9,1 milhões de euros, incluindo saldos acumulados de 4,9 milhões de euros. Em 2015, tinha 9,6 milhões, incluindo 8,2 milhões de euros de saldos passados. As dotações autorizadas foram de apenas 2,9 milhões em 2014 e de 1,9 milhões no ano seguinte. A execução foi inferior a 50% em 2014 e mais elevada em 2015.

O contraste entre os fundos disponíveis, os gastos autorizados e os valores efetivamente executados sustenta o argumento das dores de cotovelo dos partidos à direita usado várias vezes pelo ministro do Ambiente no debate sobre a proposta orçamental. Matos Fernandes já era o ministro da tutela quando foi criado o Fundo Ambiental a partir da integração destes instrumentos e foi sob o seu comando que o fundo cresceu em receitas, mas sobretudo em despesas.

O superfundo chega para tudo?

O dirigente da Zero alerta ainda para um problema de sustentabilidade de longo prazo que pode resultar da convergência de dois fatores: o aumento consistente da despesa, alguma dela não pontual como é o caso da fatura com os descontos para os passes sociais, e a perspetiva de uma redução da receitas.

Se estamos a combater os combustíveis fósseis com impostos e taxas, o sucesso desta política será a progressiva descarbonização da economia. E à medida que isso acontece, vai recuando o consumo de combustíveis que podem ser taxados e que por essa via constituem as principais fontes de receita do Fundo. Está-se a “criar um bolo de expetativas que dependem em grande medida da cotações no mercado de carbono para se financiar”. O que acontece se o preço do carbono — atualmente atingiu um valor recorde de 35 euros por tonelada — cair, seja por causa da menor necessidade de licenças por parte das indústrias poluentes que se tornam mais verdes, seja por via de uma crise económica como aconteceu no passado recente?

"Não pode ser ignorado o risco de concretização do financiamento pelo Fundo Ambiental, o qual fica dependente das restrições anuais fixadas pelo Orçamento do Estado (acresce que se prevê a redução de uma das fontes de receita do Fundo, associada às receitas com as licenças de emissão de CO2 e do ISP (imposto petrolífero), em virtude da redução expetável da produção de eletricidade com emissões de CO2 — primeiro o carvão que vai desaparecer em 2021 e e o gás natural)".
Parecer da ERSE sobre novas regras para o setor do gás

Uma das novas vagas de despesa anunciada é o projeto do hidrogénio verde, no qual o Fundo Ambiental surge como o financiador dos apoios públicos a este investimento, com valores da ordem dos 500 milhões de euros para subsidiar a produção e garantir preços competitivos face aos gás natural. Foi num parecer sobre as alterações necessárias ao sistema do gás natural que a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) manifestou preocupação.

Depois de a ERSE se pronunciar contra colocar os consumidores a financiar o hidrogénio verde, à semelhança do que sucedeu com o sobrecusto das renováveis no preço da eletricidade, o Governo respondeu transferindo o custos dessa subsidiação ao gás verde para o Fundo Ambiental. Esse caminho já tinha sido seguido na sequência das reservas em relação ao prolongamento até 2023 da política de apoio às tarifas da eletricidade produzida a partir da queima de resíduos (incineração) ou do biogás. Ainda que neste caso estivesse em causa um valor mais reduzido, o Governo transferiu a conta para o Fundo Ambiental.

Governo recua e tira subsídio aos produtores de resíduos da fatura da eletricidade

No caso do hidrogénio, a ERSE sublinha: “Não pode ser ignorado o risco de concretização do financiamento pelo Fundo Ambiental, o qual fica dependente das restrições anuais fixadas pelo Orçamento do Estado (acresce que se prevê a redução de uma das fontes de receita do Fundo, associada às receitas com as licenças de emissão de CO2 e do ISP (imposto petrolífero), em virtude da redução expetável da produção de eletricidade com emissões de CO2 — primeiro o carvão que vai desaparecer em 2021 e e o gás natural)”.

"Face aos compromissos assumidos e aos desafios futuros, o Ministério do Ambiente e Ação Climática considera garantida a sustentabilidade do Fundo Ambiental".

Nas respostas enviadas ao Observador, fonte oficial afasta um cenário de falta de recursos. “Face aos compromissos assumidos e aos desafios futuros, o Ministério do Ambiente e Ação Climática considera garantida a sustentabilidade do Fundo Ambiental”.

Há outras causas de alerta. O sistema elétrico tem sido o principal beneficiário do Fundo Ambiental ao receber os proveitos obtidos no leilão de licenças de CO2. Esta transferência tem sido crucial no esforço de contenção dos preços da eletricidade.

Ora o contributo do Fundo Ambiental para o sistema elétrico vai crescer com a integração em 2021 do Fundo de Sustentabilidade Financeira do Sistema Elétrico cujas verbas também servem para abater à dívida tarifária. Este fundo é o destinatário da parte da contribuição extraordinária sobre o setor energético, a CESE, paga pelas grandes empresas de energia. Ao entrar no grande bolo que é o Fundo Ambiental, há receios de que a multiplicação de destinatários e fins venha a desviar os valores que têm sido mobilizados para o sistema elétrico. Por outro lado, o Governo já sinalizou que pretende baixar a incidência da CESE paga pelas empresas porque a dívida tarifária estava a baixar (na verdade essa trajetória vai parar em 2021) e porque existem alternativas de financiamento como …. o Fundo Ambiental.

A pressão da despesa irá também subir muito do lado dos transportes. Para a expansão e renovação das frotas das empresas públicas, o Governo já comprometeu (via resoluções de Conselho de Ministros) pelo menos 574 milhões de euros, de receitas do Fundo Ambiental para financiar a contrapartida nacional destes investimentos entre 2019 e 2026.

Mais fundos, mais despesas

A partir do próximo ano, o orçamento do Fundo Ambiental vai crescer 20% para quase 600 milhões de euros, com a integração de mais três fundos sob a responsabilidade do Ambiente.

O Fundo Florestal Permanente: Foi criado por Manuela Ferreira Leite quando ocupou a pasta das Finanças entre 2002 e 2004 para financiar a prevenção contra incêndios (e o combate). É financiado por uma pequena contribuição no imposto sobre os combustíveis. A receita prevista no ano passado é de 36,6 milhões de euros e para este ano é de 27,7 milhões de euros.

O Fundo para a Sustentabilidade Financeira do Sistema Elétrico: um mecanismo constituído para transferir as receitas com a contribuição extraordinária sobre as empresas de energia para abater à dívida tarifária da eletricidade. No passado, este fundo tinha uma dotação de 133 milhões que se mantém para este ano.

Fundo de Apoio à Inovação: Foi criado em 2008 pelo Governo de José Sócrates e para receber as contribuições das empresas que venceram os dois grandes concursos para a atribuição de potência eólica cuja finalidade era financiar projetos inovadores na energia. No entanto, da dotação prevista de quase 77 milhões de euros, só chegaram 47,5 milhões de euros porque o consórcio que venceu o segundo concurso, a Ventinveste (então liderado pela Galp) deixou de pagar as prestações previstas entre 2011 e 2013.

Este fundo é gerido pela ADENE e segundo as contas de 2019 consultadas pelo Observador. O Fundo tem ainda aplicações de seis milhões de euro em papel comercial da Espírito Santo Internacional que ainda não conseguiu recuperar. No final de 2019, o fundo patrimonial era de 15 milhões de euros. A mobilidade elétrica com valores acumulados de quatro milhões de euros têm sido uma das áreas que mais apoios teve.

Estes fundos vêm com receitas, mas trazem despesas associadas. E no processo de negociação do Orçamento do Estado, foram transferidas mais responsabilidades financeiras para o Fundo Ambiental sobretudo por iniciativa dos partidos da oposição.  A mais expressiva diz respeito ao programa de descontos nos transportes públicos que tinha já prevista uma transferência de 150 milhões de euros prevista para 2021 de dinheiro do Fundo Ambiental, e que seria financiada por transferências do OE (resultantes da receita do imposto petrolífero), mas também de saldos de gerência da instituição de 60 milhões de euros, para alem de mais 30 milhões de reforço adicional para mais oferta de transportes no próximo ano, igualmente vindos dos saldos transitados.

Ora o PCP, propôs e o PS aprovou, que mais 70 milhões de euros dos saldos de gerência do Fundo para compensar os operadores da perda de receita causada pela pandemia. É certo que os deputados também aprovaram novas receitas para o Fundo como é o caso da taxa de 2 euros por passageiro a cobrar em viagens áreas com saída do território nacional, mas cuja implementação e mesmo encaixe ainda não são conhecidos.

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