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1 de setembro, o dia em que normalmente o mercado de verão já está completamente encerrado e é hora de voltar a olhar para o futebol já com plantéis fechados e sem dança das cadeiras — mas não em 2022. No ano em que nada é normal, muito por culpa do Mundial do Qatar em pleno inverno, as principais ligas europeias decidiram fechar as janelas de transferências apenas do primeiro para o segundo dia de setembro, garantindo mais um dia aos clubes para fechar negócios e resolver problemas.
Assim, esta quinta-feira, o mercado encerrou. E encerrou sem grandes surpresas ou escândalos, já que Cristiano Ronaldo ficou mesmo no Manchester United e nenhum dos clubes portugueses foi para lá daquilo que era expectável. Ao longo do verão, porém, as histórias foram muitas: desde a própria novela de Ronaldo à história de Horta, que ficou mesmo no Sp. Braga, passando pela opção de Mbappé de ficar no PSG e não rumar ao Real Madrid.
Ronaldo. As portas fechadas e o beco sem saída que se tornou inevitabilidade
Depois de ter sido um dos protagonistas do mercado de verão da época passada com um regresso romântico ao Manchester United depois de uma passagem algo agridoce pela Juventus, Cristiano Ronaldo tornou-se novamente um dos principais nomes a ter em conta nesta janela de transferências. O avançado português não se apresentou no recomeço de trabalhos da equipa de Erik ten Hag, falhando depois a digressão pela Tailândia e pela Austrália, e abriu a porta a uma autêntica novela — que acabou por terminar onde começou.
Citando motivos familiares, Ronaldo foi adiando o regresso a Inglaterra e a trama adensou-se. A ideia de que o capitão da Seleção Nacional queria deixar o Manchester United tornou-se evidente, principalmente porque o clube falhou o apuramento para a Liga dos Campeões e vai disputar apenas a Liga Europa nesta temporada, e depressa surgiram várias alternativas para o futuro do avançado. Bayern Munique, Nápoles, Atl. Madrid, Chelsea e até Barcelona foram surgindo na lista de possibilidades, com o Sporting a pairar sempre no horizonte quase como “solução de recurso” se nada resultasse e se Ronaldo não quisesse mesmo continuar na Premier League.
Uma a uma, porém, as hipóteses foram caindo. O Bayern Munique afastou o interesse, o Nápoles nunca foi uma opção concreta, os adeptos do Atl. Madrid rejeitaram a ideia, Thomas Tuchel vetou uma ida para o Chelsea e nem a influência de Jorge Mendes colocou Cristiano Ronaldo no Barcelona. Ficava clara a ideia de que o obstáculo entre o jogador português e um novo passo era o alto e considerável salário que aufere, um valor que não é comportável para a maioria dos clubes — principalmente se tivermos em conta que Ronaldo, atualmente, já não garante o estratosférico rendimento desportivo de outros tempos.
Exemplo 1, o Chelsea. Todd Boehly, novo proprietário dos londrinos após a saída de Roman Abramovich, encontrou-se com Jorge Mendes logo no início do projeto dos blues e, mais tarde, terá tido a autorização de Richard Arnold, CEO do Manchester United, para negociar com o agente a contratação do avançado. Por ele, valia o esforço financeiro até numa perspetiva comercial e de marketing que está sempre presente no pensamento empresarial dos grandes investidores norte-americanos. Problema? As opções desportivas de Thomas Tuchel para o plantel. “Não está excluída a possibilidade de contratar um avançado mas não é uma prioridade neste momento. A prioridade é a defesa, não é segredo nenhum. A partir daí veremos o que é possível”, referiu, sendo que a opção para o ataque chegou mesmo mas mais móvel, com Raheem Sterling.
Exemplo 2, o Bayern Munique. Com a saída de Robert Lewandowski, que não estava confirmada mas que todos sabiam que seria uma realidade, os bávaros começaram por virar atenções para Sadio Mané naquilo que seria uma assumida mudança no modelo de jogo sem mexer com o habitual sistema tático mas admitiram essa hipótese de contratar Ronaldo. “Discutimos a questão. Caso contrário, não estaríamos a fazer o nosso trabalho. Pessoalmente, acho que é um dos melhores jogadores de futebol que já andou pelo planeta mas chegámos à conclusão que, apesar de toda a nossa apreciação, ele não se adequaria à nossa filosofia na situação atual”, comentou o presidente executivo, Oliver Kahn. “Tens de ser capaz de o pagar. Ele não caminha para novo, implica muito dinheiro. Penso que há muitos clubes que o gostariam de ter. Todos os clubes sabem que é um grande jogador, que marcaria muitos golos e venderia muitas camisolas, mas ele traz também uma pressão adicional”, acrescentaria mais recentemente o técnico Julian Nagelsmann.
Exemplo 3, o PSG. Neste caso não chegaram a existir “desmentidos” ou explicações para o não interesse dos franceses na contratação do internacional português mas a conversa de Jorge Mendes com Luís Campos, o conselheiro para o futebol do presidente Nasser Al-Khelaïfi e diretor desportivo, deixou tudo na mesa sobre a indisponibilidade: não há folga financeira a nível de falha salarial tendo em conta o fair-play financeiro e a renovação milionária de Kylian Mbappé, a aposta recai em jovens valores para fazer uma renovação de plantel e Hugo Ekitiké foi o eleito no plano ofensivo para “crescer” esta temporada. Ou seja, se é verdade que um dia Al-Khelaïfi admitiu o sonho de juntar Ronaldo e Messi, o contexto perdeu-se no tempo.
Exemplo 4, o AC Milan e o Inter. Quando as notícias em torno de Ronaldo e de uma possível saída já iam começando a rarear, a imprensa transalpina deu conta de uma investida de Jorge Mendes junto dos dois clubes campeões nas últimas temporadas para poderem garantir o jogador. Nestes caso, a vertente mais desportiva da recusa não foi propriamente abordada mas sim o peso financeiro que a operação de grande envergadura iria arrastar: por ter fechado atividade em Itália depois da saída de Turim no verão passado, perdendo assim aquilo que poderia ainda beneficiar a nível de encargos fiscais, o avançado iria custar cerca de 45 milhões de euros por ano para receber em termos líquidos o que tem em Inglaterra.
Existiram mais clubes falados, entre a milionária proposta que chegou da Arábia Saudita que bateria todos os recordes a nível de prémios e vencimentos mas que não tinha o mínimo interesse no plano competitivo. O Barcelona, que fomentou a paixão de Bernardo Silva sem fazer uma única proposta concreta ao Manchester City e que também em relação a Ronaldo viu Joan Laporta posicionar-se mas apenas para os títulos de jornais. O Real Madrid, com Florentino Pérez a recusar qualquer hipótese de regresso depois da saída. O Atl. Madrid, que poderia ser uma solução apetecível mas que se diluiu na permanência de Griezmann e Morata entre os protestos dos adeptos perante as notícias. A primeira linha europeia fechou-se.
Resumo? Ronaldo não tinha entrada nos principais clubes ou por haver outras prioridades desportivas, ou pelas limitações financeiras na hora de encaixar o seu ordenado na folha salarial ou ainda pela incapacidade de existir um retorno que não o impacto direto no marketing e comercial. Ninguém falou exatamente da parte dos golos que marca e do que oferece à equipa mas, ao contrário do ano passado, isso já não é suficiente.
Assim, com o início da temporada a aproximar-se e ainda sem o futuro definido, Cristiano Ronaldo voltou a Old Trafford. Treinou alguns dias, estreou-se às ordens de Erik ten Hag ao longo de 45 minutos num particular contra o Rayo Vallecano e voltou a causar polémica ao sair do estádio ao intervalo, algo que mereceu uma reprimenda por parte do treinador neerlandês. Na Premier League, só foi titular numa ocasião: entrou na segunda parte da derrota frente ao Brighton, cumpriu os 90 minutos no cataclismo contra o Brentford, entrou a cinco minutos do fim na vitória contra o Liverpool, voltou a entrar no segundo tempo no recente triunfo perante o Southampton e foi novamente suplente com o Leicester. Ainda não fez golos e até, às últimas horas desta quarta-feira, continuava sem o futuro completamente acertado.
As palavras de Erik ten Hag, porém, fecharam todas as possibilidades de especulação. “Cristiano? Está definido, vai ficar. Precisamos de jogadores de qualidade. Temos de ter gente para que haja opções fortes para todos os jogos, temos de ser consistentes”, disse o treinador neerlandês na antevisão da visita ao Leicester, eliminando desde logo a ideia de um último dia de mercado em que Ronaldo seria um dos principais nomes. Surpreendido pelas contratações de Casemiro e Antony e satisfeito com as últimas exibições da equipa, o avançado português terá decidido ficar no Manchester United e cumprir o contrato — ainda que, pelo menos por agora, continue na condição de suplente.
Horta. A questão David Carmo e o resultado do futebol de hoje em dia
Quando ficou claro que o Benfica estava mesmo interessado na contratação de Ricardo Horta, a ideia lógica que pairou nas cabeças de todos aqueles que olham para o panorama do futebol português foi simples: seria um negócio complexo, demorado e detalhado, tal como o Sp. Braga nos habituou na era António Salvador, mas acabaria por fazer-se. Com o passar das semanas, porém, depressa se percebeu que este não era um negócio qualquer.
O problema com Ricardo Horta é que o passe do jogador está espalhado por vários sítios e vários donos. 67% dos direitos desportivos do internacional português pertencem ao Málaga, onde o avançado jogou entre 2014 e 2016, num negócio está muito envolvida a Gestifute de Jorge Mendes. Se o Sp. Braga exigiu desde logo 20 milhões de euros pela transferência de Horta, um valor que o Benfica não pretendia cobrir, a verdade é que o Málaga tem um direito contratual a receber uma indemnização se os minhotos recusarem uma proposta superior a cinco milhões.
Com o aproximar do início da temporada, Ricardo Horta foi aparecendo mais e menos na órbita do Benfica. Roger Schmidt falou do avançado logo na primeira conferência de imprensa que deu como treinador encarnado, João Mário também confirmou o interesse do clube ao garantir que gostaria de partilhar o balneário com o jogador mas o negócio foi-se arrastando, com o Málaga a manter-se irredutível na hora de recordar o direito a 67% da transferência ou a uma indemnização e o Sp. Braga ciente de que teria de encaixar um valor assinalável para ainda ter algum tipo de lucro com o capitão de equipa.
O arranque do Campeonato trouxe um aparente avanço nas negociações — principalmente depois de terem surgido notícias sobre uma eventual queixa do próprio Ricardo Horta à FIFA contra o Málaga e contra o fundo que detém parte dos seus direitos económicos. Tudo parecia acertado na primeira jornada da Liga, quando o avançado se despediu emocionado dos adeptos do Sp. Braga depois da receção ao Sporting, mas o negócio voltou a congelar. Esta quinta-feira, último dia do mercado, não apareceu nenhuma novidade: Ricardo Horta vai ficar no Sp. Braga e o Benfica falhou o alvo prioritário neste verão.
Um falhanço que, apesar de tudo, não está totalmente relacionado com Horta, com Salvador, com o Málaga ou com Jorge Mendes. Também neste mercado, o Sp. Braga vendeu David Carmo, central português, ao FC Porto: a transferência, no valor de 20 milhões de euros fixos mais 2,5 por objetivos, tornou-se a maior de sempre do futebol português, com o jovem jogador a mudar-se para os dragões para suprir a saída de Mbemba. Com esse encaixe significativo, portanto, os minhotos deixaram de estar tão dependentes do valor conquistado com a venda de Ricardo Horta, adquirindo um poder negocial que voltou a subir os números exigidos pelo jogador e que dificultou ainda mais todo o negócio com o Benfica.
Barcelona. O milagre da multiplicação com Lewandowski pelo meio
A forma como o Barcelona atacou este mercado de verão foi uma das principais surpresas dos últimos meses. Depois da saída de Messi há um ano, depois das dificuldades para inscrever os reforços nas competições, depois das negociações para reduções de salários das principais figuras do plantel e ainda depois do caos financeiro e orçamental revelado pelas auditorias realizadas à gestão de Josep Maria Bartomeu, o Barcelona gastou mais de 150 milhões de euros em contratações.
Raphinha custou 58 milhões, Koundé custou outros 50 e Lewandowski deixou 45 nos cofres do Bayern Munique, com Kessié e Christensen a chegarem também a custo zero. Em sentido oposto, com encaixes financeiros efetivos, saíram Philippe Coutinho, Mingueza e Aubameyang, contando-se ainda os três milhões da taxa de empréstimo de Trincão ao Sporting. Mas como é que isto foi possível? Com quatro alavancas, digamos assim.
Comecemos pelo financiamento que foi chegando a Camp Nou nos últimos meses. À beira do início do Campeonato, o Barcelona percebeu que teria de fazer pelo menos mais uma injeção de dinheiro para ver aprovadas as contas na Liga espanhola e inscrever todos os reforços garantidos para a nova temporada – sendo que dois nomes, Kessié e Christensen, corriam o risco de deixar os blaugrana depois de chegarem a custo zero. Assim, e no seguimento de negociações falhadas com a GDA Luma de Gabriel de Alba (proprietário do Cirque du Soleil), Joan Laporta vendeu mais 24,5% da Barça Studios, empresa que concentra tudo o que são produções audiovisuais do clube, por 100 milhões de euros à Orpheus Media, empresa administrada pelo fundador da Mediapro, Jaume Roures.
“A Orphus Media tem uma extensa trajetória de criação de conteúdos audiovisuais. É um acordo que vai acelerar o crescimento de toda a estratégia digital, NFT e Web.3 do nosso clube”, justificou o Barça no comunicado que confirmou o negócio. Com uma nuance: a possibilidade de alienação de 49% do capital da Barça Studios (sem hipótese de recompra) tinha sido autorizada em Assembleia Geral pelos sócios delegados presentes na mesma, sem que fossem conhecidas as entidades que ficariam com essa parte da sociedade. Neste caso, Roures é uma pessoa já conhecido do universo blaugrana, tendo em conta que foi o empresário que deu aval para que Laporta se pudesse assumir como candidato e presidente.
Mas esta foi apenas a última de quatro alavancas acionadas em menos de dois meses que permitiram ao Barcelona garantiu 867 milhões de euros por venda de parte de sociedades ou receitas antecipadas.
Alavanca 1. A 29 de junho, o Barcelona anunciou um acordo com a sociedade de investimento norte-americana Sixth Street Partners para a venda de 10% dos direitos televisivos nos próximos 25 anos a troco de 267 milhões de euros, dos quais 207,5 deram entrada direta para equilibrarem o fecho do exercício de 2021/22. Ou seja, se os catalães receberem 100 milhões de euros de TV por ano (neste caso, valor aleatório meramente figurativo) já sabem que dez milhões ficarão sempre para a Sixth Street Partners até 2047.
Alavanca 2. A 22 de julho, apenas três semanas depois dessa operação, os mesmos dois protagonistas fecharam mais um acordo envolvendo de novo os direitos televisivos do Barcelona, neste caso com mais uma percentagem de 15% a ser alienada por 25 anos a troco de 400 milhões de euros (neste caso pago em tranches separadas). Ou seja, e tendo em conta que a Sixth Street Partners já tinha 10%, isso significa que, até 2047, 25% das receitas televisivas dos catalães vão diretamente para a sociedade norte-americana.
Alavancas 3 e 4. A 1 de agosto, uma semana depois dessa segunda parte do acordo com a Sixth Street Partners, Joan Laporta vendeu a primeira parte da Barça Studios, neste caso à Socios.com, recebendo 100 milhões de euros por 24,5% da sociedade, o mesmo valor que foi agora acordado na alienação dos 24,5% restantes aprovados pela Assembleia Geral de associados à Orphus Media de Jaume Roures. Ou seja, em quatro operações em menos de dois meses, os blaugrana asseguraram mais de 850 milhões de euros. Em paralelo, o Barcelona fechou um acordo com a Spotify para o naming do estádio Camp Nou e o patrocínio dos equipamentos principais e de treino das equipas masculina e feminina de futebol por um valor de 57,5 milhões por temporada ao longo de quatro anos com vários bónus incluídos nesse mesmo negócio.
Mbappé. O futuro do Real Madrid tornou-se o presente do PSG
Assim como acontecia com Cristiano Ronaldo, também já era certo e sabido que Kylian Mbappé seria um dos protagonistas do mercado de verão. Contudo, a larga maioria dos adeptos de futebol acreditava que o avançado francês já não iria passar nem mais uma temporada longe do Real Madrid — algo que depressa se revelou uma mentira. Ainda no final de maio, sem que os merengues tivessem sequer disputado a final da Liga dos Campeões contra o Liverpool, a bom caiu: Mbappé tinha renovado com o PSG e decidido ficar em Paris.
A conversa depressa se centrou nos números. Mbappé renovou para receber 56,4 milhões de euros anualmente. Ou, se preferirmos, renovou para receber 1,94 euros por cada segundo que passa. À margem do salário, garantiu ainda um prémio de assinatura de cerca de 300 milhões de euros, com a imprensa francesa a garantir que o jovem avançado é agora uma figura central em tudo aquilo que acontece no PSG — desde vendas e contratações até à própria escolha do treinador quando se percebeu que Mauricio Pochettino não iria continuar à frente da constelação de estrelas. Mas, afinal, o que é que mudou na cabeça de Mbappé?
Os pormenores de toda a novela foram conhecidos com o passar do tempo, um atrás de outro. Um exemplo prático: Josep Pedrerol, no programa “Chiringuito de Jugones”, garantiu que em setembro, após a recusa de venda do jogador por parte do PSG apesar de pedido expresso do avançado, já havia um acordo não assinado entre Real Madrid e o internacional nos anos de contrato e no salário anual. Mais: Mbappé falava de 15 em 15 dias por Skype com Florentino Pérez. Outras publicações revelaram mais dados que hoje ganham outro relevo, nomeadamente o facto de já ter escolhido a zona para onde iria viver na capital espanhola com a ajuda do companheiro Benzema, com quem foi sempre falando, em La Moraleja.
Poucos antes da decisão, Fayza Lamari, mãe do jogador, admitia em entrevista ao canal árabe Kora Plus que tinha estabelecido dois acordos com Real Madrid e PSG e que seria agora o filho a escolher. “Agora já acabaram as negociações, ele vai decidir”, reforçava. Os sinais de alarme começaram a soar em Espanha para aquilo que no balneário dos merengues era um dado adquirido. Muitas vezes é nos detalhes que estão as maiores certezas e a forma como, poucos minutos depois do anúncio final, Karim Benzema colocou uma imagem sua após marcar um golo a apontar para o céu onde estava o símbolo do Real mostrava algo que era muito mais do que uma publicação no Instagram. Tinha uma mensagem: o clube acima de todos.
Por um lado, Mbappé garantiu após a renovação que será apenas um jogador no PSG. Não vai ser, com os seus poderes reforçados. Por outro, a mãe do jogador garantia que a questão do controlo dos direitos de imagem por parte do avançado estava certa com os espanhóis e era igual aos franceses. Também não era. E foi a última viagem de Fayza Lamari ao Qatar na última semana que mudou tudo e de uma forma radical.
O El País detalha alguns dos capítulos da novela a partir de meio de março, quando o PSG foi eliminado da Liga dos Campeões pelo Real Madrid – um cruzamento que fez com que, durante várias semanas, existisse uma espécie de “pacto de cavalheiros” por respeito de ambas as partes. Aí, Florentino Pérez apresentou à equipa de advogados do jogador aquela que seria a quarta e última proposta formal de acordo com 180 milhões de prémio de assinatura, um salário anual de 40 milhões livres de impostos e 50% sobre todos os direitos de imagem. Foi disso que os representantes do jogador não gostaram, era isso que os dirigentes do clube espanhol faziam desde que começara a era dos “galácticos” com todos os jogadores.
De um lado, Delphine Vertheyden, advogada que é especializada em contratos relacionados com direitos de imagem, defendia, em consonância com os pais do jogador, Fayza e Wilfried, que Mbappé recebia o dobro de acordos de patrocínio do que de ordenado em Paris (uma diferença de 20 para 40 milhões), podendo aumentar mais de 50% num ano com Campeonato do Mundo que colocaria a fasquia no plano desenhado nos 70 milhões que teriam de ser divididos por metade. Do outro, os especialistas do Real Madrid não tinham dúvidas de que existia esse interesse no jogador de 23 anos mas acrescentavam que a sua mudança para o Santiago Bernabéu como bandeira de um novo ciclo iria multiplicar a capacidade de atrair mais marcas com outros argumentos mais aliciantes no plano financeiro. Questão: o assunto não teria sido levantado antes, nas propostas que tinham sido debatidas entre as duas partes.
“Ainda não tomei uma decisão porque existem novos elementos a considerar. O quê? Apenas isso, novos elementos. Estou calmo e vou tomar a melhor decisão possível com a minha família”, disse em abril. Foi um alerta para o Real Madrid, foi um apelo ao PSG. E os franceses ouviram, com vários modelos de propostas patrocinadas pela família real do Qatar que detém a formação parisiense: até 2024, 80 milhões de prémio de assinatura, 40 milhões no primeiro ano, 50 milhões no segundo; até 2025, 130 milhões de prémio, 40 milhões no primeiro ano, 50 milhões nos outros dois; até 2026 ou mais, 200 milhões de prémio, 40 milhões no primeiro ano, 50 milhões nos dois seguintes, 60 milhões a partir daí. Pormenor: além de tudo isso, Mbappé poderia manter a 100% os direitos de imagem e a ganhar mais a nível de salário base.
No final de tudo, o internacional francês ficou com o melhor de dois mundos: manteve a totalidade dos direitos de imagem e viu ainda o PSG aumentar o prémio de assinatura mais possíveis bónus para valores bem mais elevados (caso atinja todas as metas, esse “bolo” pode subir a um total de 300 milhões). E para não haver mesmo dúvidas, recebeu a promessa de que teria todas as condições para poder ser campeão europeu pelo conjunto parisiense tendo palavra sobre as decisões mais importantes ligadas ao plantel. A tudo isso, e confirmado pelo próprio, juntaram-se ainda as conversas com o presidente francês Emmanuel Macron. Se durante largas semanas o Real tinha sido o único comboio, agora estava a perder o comboio. De acordo com a ESPN, houve mais chamadas de pessoas relevantes do país e não só da política.
A cedência das “chaves” do clube, como escreve a publicação, foi o último fator a motivar a surpreendente viragem nas intenções. Por mais do que uma vez, Mbappé garantiu que é apenas mais um jogador do PSG mas são vários os órgãos que avançam com essa garantia: é a cara, a cabeça e o coração de todo o projeto desportivo dos parisienses. E, com isso, espera não só superar Cavani como melhor marcador de sempre da formação do Parque dos Príncipes (está a 29 golos de distância) como ganhar a primeira Champions do clube ou estar no PSG durante os Jogos de Paris – os mais ousados arriscam mesmo colocar em cima da mesa a possibilidade de, além do Europeu na Alemanha, poder ser também um atleta olímpico.
“Não falámos de dinheiro a não ser no final, o mais importante era o projeto desportivo. Só falámos do contrato e dos direitos de imagem no final, por uns minutos. Quero agradecer ao Real Madrid, vesti a sua camisola desde os 14 anos e sempre sonhei com isso. Espero que entendam a minha decisão. Compreendo a sua deceção mas sou francês mas quero continuar e ganhar títulos aqui. Tomei a decisão na semana passada, não disse nada aos meus companheiros e pedi ao PSG que guardasse silêncio. Agradeço o esforço que fizeram por mim, espero que tenha feito a melhor escolha. Vai começar uma nova era, não sei o que será o futuro. Eu não disse ‘não’ ao Real Madrid, eu disse ‘sim’ a França e ao projeto que me foi apresentado pelo PSG”, comentou Mbappé, não fechando as portas aos espanhóis… A partir de 2025.
“Conversas com Macron? Sim, falámos muitas vezes. Queria que ficasse. É uma das várias pessoas com quem fui falando de futebol. É aqui que o futebol tem mudado e ocupa um espaço importante na nossa sociedade”, comentou também o jogador. A permanência de Mbappé em França teve mais fenómenos do que é normal neste tipo de situações mas, como destaca o L’Équipe, houve uma razão de peso na fase mais decisiva das negociações: a promessa de que a “disfuncionalidade” do futebol parisiense iria ser resolvida para ter outras condições para o sucesso. E é aqui que entram dois portugueses na história.
Por um lado, e de forma bem mais discreta, Antero Henrique. Como conta o jornal As, o antigo diretor desportivo do PSG, que é hoje diretor desportivo da Liga Qatar por aprovação do Comité Executivo da Associação de Futebol do país, terá estado em Paris nas últimas três semanas como uma espécie de último interlocutor do clube para chegar à renovação de contrato depois de ter sido uma peça chave na sua vinda em 2017 já depois de ter assegurado a compra de Neymar ao Barcelona por 222 milhões de euros.
Nesse período, e aproveitando a confiança e proximidade que tem com a família e com o jogador, Antero Henrique terá estado diariamente em contacto com todas as partes interessadas para acompanhar aquela que foi uma viragem em relação a uma mudança que parecia certa. Mais: Mbappé acredita que, mesmo não estando ligado ao clube de forma direta, o antigo administrador e CEO do FC Porto é alguém com muito know how a nível de gestão e organização de uma equipa de futebol, o que deixou o jogador mais tranquilo em relação a todas as mudanças que entende serem necessárias a breve prazo no PSG.
Por outro, Luís Campos. O antigo diretor desportivo do Mónaco e do Lille (foi campeão em ambos), que estava agora ligado enquanto conselheiro ao Celta de Vigo – e alguns meios espanhóis asseguram que, se Mbappé tivesse mesmo seguido para o Santiago Bernabéu, o português iria também ter funções no clube merengue, depois da passagem na altura de José Mourinho –, depressa foi apontado ao PSG numa espécie de “dois em um” para agradar a Mbappé, trazendo para dentro do Parque dos Príncipes alguém de quem é amigo e confidente e provocando aquela que foi uma das primeiras saídas nos franceses: Leonardo.
Haaland e Darwin. As soluções de ataque de Guardiola e Klopp
As duas melhores equipas do mundo reforçaram-se com dois avançados, duas referências ofensivas, dois homens de área e com golo. O Manchester City ganhou a corrida por Erling Haaland, movimentando-se logo no início do mercado de verão para garantir a contratação do avançado norueguês ao Borussia Dortmund por uns “parcos” 60 milhões de euros. Já o Liverpool não deu hipótese à concorrência a partir do momento em que decidiu fazer uma proposta por Darwin, tornando o uruguaio na maior compra da história do clube e garantindo ao Benfica um encaixe de 75 milhões de euros fixos mais 25 por objetivos.
É oficial: Manchester City anuncia acordo com o Borussia Dortmund por Haaland
Ainda assim, as duas contratações acabam por ser algo díspares em forma e até em conteúdo. Do lado do Manchester City, Guardiola acaba por contrariar a ideia de jogo que sempre teve em Inglaterra, optando por ter sempre um ataque móvel e com um falso ‘9’ do que propriamente um homem fixo de área. Em Haaland, Guardiola encontrou um verdadeiro ‘9’ e um jogador que está a forçar a equipa a adaptar-se à sua volta ao invés de ser ele a adaptar-se à volta da equipa — algo que, por agora, está a resultar, já que leva dois hat-tricks consecutivos nas duas últimas jornadas da Premier League.
Do lado do Liverpool, Klopp mantém um estilo de jogo que se prende com um trio ofensivo que troca de posições entre si com enorme facilidade e que surpreende as defesas adversárias com movimentações sem bola e passes verticais à procura da profundidade. Com a saída de Mané para o Bayern Munique, o Liverpool viu-se obrigado a encontrar um avançado que combinasse com essa estratégia e que encaixasse facilmente nessa lógica — e a resposta foi Darwin. O avançado uruguaio falhou as últimas três jornadas da Premier League, por ter sido expulso com vermelho direto contra o Crystal Palace, sendo que se tinha estreado a marcar na liga inglesa logo na partida inaugural contra o Fulham.
Os três grandes. A reação dos dragões, as saídas dos leões, a fartura dos encarnados
FC Porto
Os dragões tiveram um verão agitado principalmente no capítulo das saídas, onde Vitinha, Fábio Vieira, Mbemba, Francisco Conceição e ainda Marchesín delapidaram parte do plantel que tinha acabado de se sagrar campeão nacional. O FC Porto demorou a reagir no ataque ao mercado mas estreou-se longo em grande, garantindo a contratação de David Carmo a troco de 20 milhões de euros mais 2,5 em objetivos — ou seja, tornando o central até aí do Sp. Braga na transferência mais cara da história do futebol português.
Seguiu-se Gabriel Veron, médio brasileiro de enorme potencial contratado ao Palmeiras de Abel Ferreira, e também André Franco, jovem centro-campista formado no Sporting que estava no Estoril. Já esta quinta-feira, no último dia da janela de transferências, o FC Porto limitou-se a anunciar Samuel Portugal, guarda-redes brasileiro que estava no Portimonense e que chega para render Marchesín e ser a alternativa a Diogo Costa.
Sporting
Os leões terminaram a temporada já com a certeza de que iriam perder Pablo Sarabia, um dos jogadores mais influentes na época passada, já que o internacional espanhol regressou ao PSG depois do ano de empréstimo. Feddal também saiu, João Palhinha e Matheus Nunes rumaram à Premier League e deixaram órfão um meio-campo que também não conta com Daniel Bragança, que se lesionou gravemente, e Bruno Tabata voou para o Brasil para reforçar o Palmeiras.
Em sentido oposto, o Sporting contratou Jeremiah St. Juste, central que estava no Mainz, Franco Israel, guarda-redes da Juventus, Francisco Trincão, internacional português que representava o Barcelona e chegou por empréstimo e ainda Morita e Rochinha, resgatados ao Santa Clara e ao V. Guimarães no mercado interno. Já esta semana, os leões confirmaram Alexandropoulos, médio internacional grego que atuava no Panathinaikos, e neste último dia de mercado anunciaram Arthur Gomes, avançado que chega do Estoril e que assinou até 2027.
Benfica
Os encarnados acabaram por albergar a maior revolução de plantel dentro dos “três grandes” portugueses. Partindo da ideia do novo treinador, Roger Schmidt, o Benfica surpreendeu ao contratar David Neres ao Shakhtar Donetsk e também Enzo Fernández ao River Plate, sendo que este último esteve quase para chegar apenas em janeiro mas viajou mais cedo depois da eliminação dos argentinos da Libertadores. Ristic foi o escolhido para ser alternativa a Grimaldo na esquerda da defesa, Alexander Bah foi o eleito para ser alternativa a Gilberto na direita da defesa e Musa veio reforçar o ataque, com João Victor a ser mais um central às ordens do treinador alemão.
Em sentido oposto, os encarnados arrumaram a casa e colocaram Vertonghen no Anderlecht, Weigl no Borussia Mönchengladbach, Meïté no Cremonese, Vinícius no Fulham e Gabriel no Botafogo para além das saídas de Darwin para o Liverpool, Yaremchuk para o Club Brugge, Pizzi para o Al-Wahda e ainda Everton para o Flamengo. Fredrik Aursnes chegou nas últimas semanas vindo do Feyenoord e, já no último dia do mercado, o Benfica anunciou o sonante Julian Draxler, que chega a título de empréstimo do PSG, e o central John Brooks, que entrou nas contas após a lesão de Morato contra o P. Ferreira.