“É falso”. O Orçamento do Estado para 2024 não aumenta impostos. “Diminui significativamente os impostos pagos pelos portugueses e melhora significativamente o rendimento dos portugueses”. Fernando Medina, ministro das Finanças, ouvido no Parlamento sobre a sua proposta orçamental, levou quase quatro horas para tentar contrariar a ideia de que está a dar com uma mão e a tirar com a outra.
O PSD falou de um orçamento ilusionista que “não está a dar nada aos portugueses”, nas palavras de Hugo Carneiro, deputado social-democrata. Mais verbal, como é costume (prometendo logo “quebrar o ambiente morno” em que Medina foi recebido “com pétalas de rosa e perguntas que poderia responder enquanto toma café ou bebia um chá”), André Ventura, do Chega, apelidou o orçamento de uma “vergonha” que “nos vai por atrás da Roménia” e uma “vigarice”.
Isto porque desagrava o IRS, mas agrava alguns dos impostos indiretos, como o do tabaco e o imposto único de circulação (o IUC dos automóveis). Nas contas referidas por duas vezes, Medina contabiliza em 700 milhões de euros o alívio fiscal para os portugueses. A afirmação muitas vezes difundida de que o Orçamento não melhora a situação fiscal dos portugueses — porque aumenta impostos indiretos — é “falsa”. O orçamento visto por Medina “reduz significativamente os impostos e melhora significativamente os rendimentos”. Desagrava o IRS em 1.682 milhões e o IRC em 305 milhões, ou seja, nos impostos diretos há um alívio de quase dois mil milhões. Os impostos indiretos são agravados (IVA, IUC e outros impostos como tabaco e álcool) em 1.300 milhões. Uma diferença de 700 milhões, que são o desagravamento global de Medina.
Nos rendimentos, as prestações sociais vão ter mais 3.080 milhões — das quais dois mil milhões relativos às pensões — e haverá mais 1.500 milhões em valorizações salariais. A soma do IRS com a subida nas prestações sociais e nos salários resulta em 6.302 milhões, contabiliza Medina, que ao descontar os 1.300 milhões de subida nos impostos indiretos, resultará, ainda assim, numa devolução de mais de 5.000 milhões de euros aos portugueses.
A insistência no IRS acabou por chegar do PSD, que em agosto anunciou o seu choque fiscal e a sua proposta de redução do imposto sobre rendimentos.
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O PSD quis colocar Medina a comentar os dados do Conselho das Finanças Públicas que, no relatório apresentado esta semana, revela que, na análise que fez, “em termos relativos, os maiores beneficiários desta medida serão os decis compreendidos entre o quinto e o nono (sensivelmente -7,5% de receita estimada), atingindo-se um máximo de benefício no oitavo decil (-8,0% de receita estimada). Já o último decil apresentará um benefício mais modesto (-4,5% de receita estimada). Deste modo, e de acordo com as estimativas obtidas com o EUROMOD, constata-se que o desenho da medida aqui em análise beneficiará, sobretudo os contribuintes que se encontram decis de rendimento referidos (que não correspondem aos escalões de IRS)”.
Os decis mais beneficiados são os que compreendem rendimentos entre os 17 mil euros anuais e os 32 mil euros.
A esta acusação, Medina contrapôs que a proposta de descida de IRS social-democrata tinha o pico de benefício nos rendimentos de 3.500 euros mensais, acima do rendimento da classe média que é onde, diz o ministro, se regista o pico da proposta do Governo.
Medina tentou, ao longo da audição no Parlamento, centrar a discussão do Orçamento no alívio fiscal e na prudência futura com o reforço da necessidade de Portugal passar a normalizar os excedentes orçamentais e a redução da dívida pública. Mas não teria muito sucesso. Os deputados atiravam para cima de Medina críticas sobre a subida dos impostos indiretos, em particular o IUC, sobre a possibilidade de subida no IMI ou ainda sobre a consecutiva falha na execução das projeções de investimento público.
E ainda lhes foi tirado o tapete sobre as medidas do Governo para impedir que as rendas em 2024 aumentem ao sabor da inflação 6,94%, depois de, mesmo em cima da audição ao ministro das Finanças, em Algés, Marina Gonçalves, a sua colega da Habitação, anunciar que em Conselho de Ministros tinha sido aprovada a extensão do apoio extraordinário às rendas para que os inquilinos com rendimentos até ao 6.º escalão só tenham uma subida de 2% nas rendas, apoiando o Governo um valor de 4,94%. Acresce a esta medida um aumento das deduções à coleta do IRS com rendas de 502 para 550 euros, mais 48 euros. Medida que tem de ser aprovada em alteração na especialidade e que Medina já disse que o fará com a ajuda do PS, momentos antes de ter sinalizado ao PAN disponibilidade para discutir estas mesmas alterações no processo que se segue à aprovação na generalidade.
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Uma pasta que foi de Pedro Nuno Santos, agora deputado do PS que assistiu a praticamente toda a audição de Fernando Medina na última fila da bancada socialista. O ex-ministro é suplente da comissão de orçamento e finanças. Ouviu falar de habitação e ficou sem ouvir a resposta de Medina (que não a deu porque já não tinha tempo, como aliás aconteceu com muitas outras questões), sobre a projeção de receita da venda da TAP, sobre a qual não há qualquer verba expressa na proposta de Orçamento.
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Já se esperava que depois de tanta polémica à volta do IUC, fosse este um dos temas principais na audição de Fernando Medina. Foi questionado uma vez, outra vez, ainda outra. Só o PS não falou do tema. Da oposição, Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, foi direta: “É uma má ideia. A transição ambiental não pode ser feita à custa dos mais pobres”, considerando ser “um aumento “socialmente injusto”, e, por isso, “espero que tenha percebido que foi uma má ideia que tiveram”. Injustiça social foi outra das acusações ao Governo sobre o aumento do IUC.
Medina esperou pelo final da audição para responder ao tema do IUC para pedir “seriedade” no debate, mas acabou por atacar o PSD dizendo ao deputado Hugo Carneiro que “não vejo nenhuma capacidade para se fazer um debate sério com o PSD sobre o IUC nem uma argumentação séria das oposições”.
O que está inscrito na proposta de lei do Orçamento do Estado, disse o ministro das Finanças, e em todos os textos sobre os quais o PS terá responsabilidade, é um aumento de 25 euros em 2024 no imposto de circulação pago por carros anteriores a 2007 devido à componente ambiental. E, dirigindo-se a Cotrim Figueiredo da Iniciativa Liberal, comentou as simulações apresentadas pelo partido sobre subidas acumuladas de 200%, 400% ou 500% em oito, nove e dez anos.
“Sobre quem escolhe fazer o debate sobre 2032 e não sobre 2024, só posso concluir que não está a fazer um debate sério sobre a proposta”. Em segundo lugar, diz, é porque está rendido ao facto de que o PS vai continuar no Governo até 2032″.
Para Medina, fazer as contas ao aumento anual do IUC a 10, 12 ou até 20 anos de ajustamento (a 25 euros por ano) “demonstra má fé”. A proposta do Governo, repete, “é a do aumento de 25 euros no IUC em 2024 e depois, e os senhores estão a fazer uma paródia para 2032”.
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Fernando Medina atravessou-se pelo aumento do IUC, garantindo que a subida será de 25 euros, dado o travão colocado no Orçamento. E não mostrou abertura para ser revisto em sede de especialidade, ainda que haja já vozes dentro do PS a admitir que isso possa acontecer.
Ainda assim assumiu responsabilidade pelo aumento dos impostos indiretos, quando confrontado por João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, com a entrevista que o ministro das Finanças deu ao Expresso na qual dizia que a proposta de descida maior do IRS tinha sido sua.
É com a mesma convicção que recusa qualquer subida ao nível do Imposto Municipal sobre os Imóveis (IMI).
“Não”. A garantia de Medina sobre o IMI
Foi o seu secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Félix, que revelou que ia ser feita a reavaliação do zonamento do IMI para efeito de apuramento do valor tributário dos imóveis. Uma reavaliação que devia ter acontecido em 2018, que foi adiada e que agora iria avançar. O que logo foi lido como uma futura subida deste imposto.
Mas Fernando Medina garante que o IMI não vai subir e que a sugestão de aumento dos impostos com o anúncio da reavaliação é um “salto quântico”.
“Posso garantir que não aumentarei. Estou a apresentar o Orçamento do Estado para 2024” e reforçou: “Não está previsto qualquer aumento de IMI no OE 2024, nem em nenhum que possa prescrever para o futuro” e até pediu a Ventura que não acredite em tudo o que lê nos jornais.
“Não podem é querer transformar aquilo que é o resultado do trabalho técnico que está a ser desenvolvido relativamente à reavaliação dos fatores do IMI e darem um salto quântico para uma decisão política do governo já não em 2026, 2027 e 2028, mas para agora 2024 ou para 2025. A minha resposta é simples: não [vai aumentar]”.
Ao que Ventura ainda retorquiu “ouvimos o seu secretário de estado numa entrevista, eu sei que também não podemos considerar tudo o que dizem os seus secretários de Estado”. Ficou sem resposta a hipótese de o IMI aumentar por a câmara — que fica com as receitas deste imposto — pedir a reavaliação dos imóveis.
Ficou a promessa de que o IMI não vai aumentar. E até seria irónico, disse Medina, que o Governo aceitasse aumentar o IMT para transações de imóveis de luxo. Mas qualquer sugestão fundamentada receberá um olhar atento das Finanças, garantiu.
Do debate ficou ainda a promessa de que o Governo tudo fará para executar a projeção de investimento público que tem ficado por realizar nos últimos anos. Até porque “acelerar o investimento público é essencial para o sucesso da estratégia económica”, garante Medina. “Não há, não haverá qualquer limitação de natureza orçamental ou procedimental que limite execução do investimento programado. Uma das demonstrações é o facto de termos abdicado do poder das cativações e de estarmos a tentar evitar teia burocrática de projetos de investimentos. E fazemos isto por convicção”. No entanto, admitiu constrangimentos “que não dominamos”, como a atomização da execução dos investimentos no terreno, os longos processos em contencioso, os investimentos privados, etc.
Reconhecendo que muitas vezes havia condicionantes entre as Finanças e outros ministérios para a realização de investimento, Medina garantiu estar a fazer o que pode para “tentar eliminar esse tipo de bloqueios”.
O que é certo, e esse também foi um tema trazido pela oposição, é que as cativações afinal não acabaram. E isso mesmo criticou a UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental).
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