O Chega vai apresentar-se às próximas eleições legislativas com o objetivo de “gerar um governo de direita em Portugal”, sendo esta uma meta que André Ventura coloca “acima de qualquer outro propósito de natureza ideológica”. O programa apresentado, por escrito, é, no entanto, mais moderado do que as medidas apresentadas oralmente por André Ventura, Mithá Ribeiro e Pedro Arroja. Apesar de não estarem escritas, estes responsáveis do Chega defenderam medidas como o fim do IMI, a fiscalização da comunidade cigana ou a redução de ministérios e do número de deputados.

“Temos de afastar António Costa do poder em Portugal. E, para isso, o Chega quer contribuir. O Governo de direita é, portanto, o principal objetivo, mas não o queremos fazer sem qualquer referência ou a qualquer custo”, afirmou o presidente do Chega, deixando claro que o partido não abdica da “referência programática”.

Com um programa de oito páginas e dividido em 14 pontos, Gabriel Mithá Ribeiro — coordenador do gabinete de estudos do Chega e do programa eleitoral, — assegura que o intuito foi fazer um “programa escrito para ser lido”, em que cada área pode ser entendida “em três ou quatro minutos”. Em cada ponto, independentemente da proposta, o partido começa com uma frase: “Contra o socialismo.”

Além do lema adaptado do salazarismo que surge logo no início do programa em letras maiúsculas — Deus, Pátria, Família e Trabalho — Mithá Ribeiro apresentou o documento e, no final, decidiu “arriscar” para trazer uma outra frase do ditador. “Nós vamos para eleições orgulhosamente sós porque estamos solitários no campo político reformista da direita, o único que garante a consolidação e renovação da nossa democracia.”

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Chega quer “aumentar fiscalização” para a etnia cigana

No caso específico do programa não há nenhuma referência à etnia cigana, mas André Ventura falou sobre o tema, justificando-o com uma “ligação às causas históricas” do partido. “A questão das minorias continua a ser relevante, não porque são minorias, mas porque a discriminação positiva tem sido nefasta para a maioria da população”, referiu, frisando que “o Estado se apresenta como um protetor de minorias contra maiorias”.

Para tal, o Chega vai propor na Assembleia da República a “reversão de todas as normas de discriminação positiva que abranjam minorias”. Sobre a etnia cigana em especifico, e reiterando a ideia de que há um “problema estrutural”, o líder do Chega propõe “aumentar significativamente os níveis de fiscalização e de acompanhamento da comunidade cigana”, não tendo especificado o modo como o pretende fazer.

No ponto intitulado “Contra os socialismos, defender a pátria da humilhação histórica, racial e étnica”, o Chega propõe encerrar aquilo a que chama um “longo ciclo histórico de racialização das sociedades pela ‘discriminação negativa‘ (no passado, contra as minorias) e pela ‘discriminação positiva‘ (no presente, contra a maioria)”. Mithá Ribeiro argumentou que é “tão errada” a discriminação negativa como a positiva.

O Chega escreveu que os portugueses são “humilhados” no “seu território ancestral, por um regime político violador do direito inalienável de protegerem a dignidade da sua identidade nacional e da sua história secular”, e insistiu na ideia de que uma “direita de direita” tem de “enfrentar os responsáveis pela degradação das condições de vida que se escudam na alienação racial e étnica”. Na visão do Chega, “‘combater o racismo’ e ‘combater o discurso e práticas da esquerda sobre o racismo’ são uma e mesma coisa”.

A reforma política que fica de fora (mas que está dentro)

Fora dos pontos do programa ficou a reforma do sistema político, mas André Ventura apresentou as linhas da mesma, dizendo que pretende um “governo limitado no número de ministérios”, mas também menos cargos políticos, menos deputados, menos vereadores e menos deputados municipais.

O líder do Chega justificou ainda que o partido insiste na proposta apesar de o Chega — “tendo em conta as sondagens” — estar entre os “mais afetados”, juntamente com o Bloco de Esquerda. Esta reforma, acrescenta Ventura, levaria à diminuição de “45% no número de cargos políticos em Portugal”.

O lema de Salazar adaptado, agora no programa

Além desta, que é uma das bandeiras do Chega, o partido levou para o programa eleitoral o lema de Salazar adaptado por André Ventura: “Deus, Pátria, Família e Trabalho.” A frase, a que o Chega acrescentou trabalho, surge logo no início do documento, onde fica claro que o objetivo é um “novo regime democrático”.

A família é o primeiro ponto do programa, pelo facto de o Chega considerar que existe uma “sobreposição abusiva do Estado sobre a sociedade”. Para o reverter, o ponto de partida do Chega prende-se com a “valorização da família” e com a criação do Ministério da Família, sendo que no programa eleitoral pode ler-se que o partido defende a “família natural, a ‘baseada na relação íntima entre uma mulher e um homem’, sem desrespeitar outros modelos de vida em comum”.

O “cadáver moral da esquerda” que Chega quer combater

Também o combate contra a esquerda, que o Chega descreveu como um “cadáver moral”, é uma das prioridades definidas no programa. No documento estratégico, o partido liderado por Ventura escreve que enfrenta “a causa original do falhanço do regime pela renovação da orientação da moral social”.

A “autorresponsabilidade” é uma das palavras de ordem e o partido considera que os portugueses devem “exigir a si mesmos a partilha do primado moral da autorresponsabilidade, pressuposto do respeito de todos por todos, da justiça e coesão social, da prosperidade coletiva e de relações justas e pacíficas entre os povos”.

Com este pressuposto, o Chega considera que primeiro vem a “autorresponsabilidade” e só depois a “solidariedade, independentemente de concederem ou receberem apoios sociais”. “A ordem moral justa seca a fonte do parasitismo social e, em sentido contrário, promove e dignifica o trabalho”, pode ler-se no documento, com Mithá Ribeiro a propor uma “reforma profunda da moral social”.

IRS é “uma das condições para governo de direita”

No quarto ponto do documento, o Chega enumera dez princípios a serem seguidos pelo partido caso consiga alcançar o poder, desde logo a ideia de governar segundo “princípios utilizados no governo das nossas famílias” e de tornar o “Estado uma pessoa de bem”.

Num desses pontos, a única referência ao IRS e ao IRC, que o Chega propõe reduzir para “estimular o crescimento económico” e com a proposta de que “implementará uma taxa única de IRS“. André Ventura recordou que “tendencialmente” o partido defende essa taxa única, mas na primeira legislatura o Chega pretende apenas “combater a progressividade do imposto sobre os rendimentos”. O IRS, enalteceu ainda, é “uma das condições para um eventual governo de direita”.

Por outro lado, e apesar de não estar escrito no programa, André Ventura antecipou que o Chega propõe pôr fim ao IMI a longo prazo. “Se um dia António Guterres disse que a Sisa era o imposto mais estúpido do mundo, podemos dizer hoje que o IMI é o imposto mais estúpido do mundo“, afirmou, chamando-lhe “imposto tipicamente socialista  contra os proprietários”.

O objetivo “principal” a nível económico prende-se com “pagar a dívida pública” e o partido diz que irá praticar “o princípio do equilíbrio orçamental”, em que “as despesas do Estado nunca serão superiores às receitas, salvo em circunstâncias excecionais”. “O Chega diminuirá o peso do Estado na economia (hoje cerca de 50%), reduzindo os impostos e reduzindo mais do que proporcionalmente a despesa pública”, pode ler-se no documento.

A insistência no aumento da moldura penal

Relativamente à Justiça, o Chega voltou a colocar nas metas do partido um tema que tem sido recorrentemente falado: o agravamento de penas, nomeadamente com “o aumento da moldura penal máxima, designadamente a prisão perpétua para crimes violentos, homicídios, terrorismo e crime organizado, corrupção e crimes sexuais contra menores”.

O Chega pretende “impossibilitar que um arguido indiciado por abuso sexual de menores e reincidente possa aguardar julgamento em liberdade” e que seja aplicada “prisão preventiva a suspeitos de crimes de colarinho branco e criminalidade económico-financeira organizada”.

No ponto dedicado à Justiça, o partido liderado por Ventura escreveu ainda que pretende  revogar “quer o efeito suspensivo de recursos para o Tribunal Constitucional de processos-crime particularmente gravosos, para evitar a fuga de arguidos para o estrangeiro, como aconteceu com João Rendeiro; quer as exceções ao cumprimento da pena de prisão efetiva, como a que permitiu a Armando Vara sair em liberdade”.

A Saúde e as promessas sobre Graça Freitas, caso PSD e Chega sejam governo

Na saúde, o Chega abre a possibilidade à “generalização do modelo da ADSE” e promete “o acesso a médico de família a todos os cidadãos”. Mais do que isso, o partido defende que haja uma “aferição credível” de níveis de safisfação dos cidadãos sobre os serviços de saúde para que se compare “os setores público, privado e social em diferentes valências para passar a ser a sociedade a impor ao Estado”.

Ainda nesta área, André Ventura prometeu que, caso haja um governo de direita com o Chega, “a diretora da DGS será a primeira a ser afastada”. O líder do Chega considera que o primeiro-ministro, a ministra da Saúde e Graça Freitas são os responsáveis pelo “desastre da gestão da Covid” e antecipa que — no caso de ser governo ou sustento de Governo — “Graça Freitas será afastada se PSD e Chega, pelo menos o Chega, chegarem ao Governo”.

O combate intransigente à indisciplina nas escolas

Os professores merecem um lugar de destaque no programa do Chega, depois de o partido já ter admitido que este é um público-alvo. Neste ponto dedicado à educação, e onde o Chega tem um caderno específico, Mithá Ribeiro enalteceu que é preciso repor a “autoridade dos professores” e “combater a doutrinação nas escolas”.

Além da defesa do “combate intransigente à indisciplina”, o Chega defende ainda que os exames nacionais são “pilares insubstituíveis do contrato social entre a escola e a sociedade”, acusando a esquerda de “minar” a “legitimidade dos exames nacionais”.

Chega propõe “reforma profunda” na educação para recuperar “autoridade” do professor e libertar ensino de “doutrinação ideológica”

Os limites à imigração

No ponto dedicado à imigração, o Chega escreve que é preciso “travar o perigo da substituição demográfica dos portugueses”, dizendo ser “contra as nefastas ambições multiculturais e globalistas de socialistas e demais esquerda”.

Recusando a “substituição demográfica dos portugueses por não-portugueses”, o partido considerou no programa que “a solução legítima passa por políticas que impeçam o fluxo migratório inverso”, neste caso a emigração.

“O Chega defende que aqueles que a sociedade portuguesa acolher terão de ser sempre enquadrados numa política de imigração regulada, criteriosa, assente nas qualificações, nas reais necessidades do mercado de trabalho e na mais-valia que os imigrantes poderão trazer ao país”, justificou o partido no documento.

O subsídio “decente” para os polícias e a reversão do SEF

O Chega pretende combater aquilo a que se refere como “uma contracultura de inimigos das forças policiais” e prometeu promover “uma cultura cívica de respeito pela autoridade e dignidade dos agentes das forças e serviços de segurança”.

“A aplicação de um subsídio decente e não fantasioso ou indigno como o que temos hoje e o reforço das autoridades dos polícias é uma das nossas missões fundamentais”, afirmou o líder do partido, enquanto referia que em Portugal tem de deixar de haver cenários “em que um polícia quando atua se torna um criminoso”.

Neste ponto, o partido anunciou ainda que vai apresentar um projeto de resolução para “reverter” a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). “Penso que aí Chega e PSD estão de acordo”, referiu André Ventura, sugerindo que o PSD se poderá posicionar ao lado do partido para aprovar esta alteração caso a direita ganhe as eleições.

Crianças e idosos. Chega apoia quem “não se pode sustentar”

O mundo rural também tem destaque no programa do Chega, com a sugestão de medidas de apoio à agricultura familiar, bem como “o congelamento do agravamento proporcional dos impostos sobre combustíveis destinados à circulação no espaço rural” e a diminuição no acesso à habitação.

Pedro Arroja, mandatário nacional do Chega, assegurou que um governo do Chega dará “atenção” a crianças e idosos porque estes “não se podem sustentar”. O partido disse que “assume o dever da reforma do sistema de segurança social cuja carga moral e cívica impõe a renovação do compromisso entre a autorresponsabilidade de cada cidadão e a solidariedade entre gerações” e encoraja o papel da iniciativa privada na poupança pessoal.

Por outro lado, o partido “rejeita liminarmente cortes nas pensões e reformas” e Pedro Arroja anunciou uma reforma mínima nacional, à imagem do salário mínimo nacional.

Na Defesa, o Chega propõe-se a investir 2% do PIB anual até 2024, cumprindo o acordado com os aliados da NATO, mas promete também “honrar os antigos combatentes do Ultramar e familiares diretos através de medidas concretas que respondam às suas reivindicações”.

O resgate dos jovens da “miséria esquerdista”

No final do programa, o Chega dedicou um ponto aos jovens, dizendo que é preciso resgatar as gerações mais novas da “miséria esquerdista”. Assim, realçou que é preciso haver uma “despolitização dos conteúdos escolares” e sugeriu promover “a cultura cívica do respeito do jovem por si e pelos outros”.

O Chega defende ainda a “atribuição de benefícios fiscais nos primeiros anos de inserção dos jovens no mercado laboral, bem como a empresas que contratem sem termo certo jovens ou jovens que tenham emigrado há pelo menos dois anos” e propõe o “reajustamento dos programas de apoio ao arrendamento jovem”, dando como exemplo o Porta 65.