A direção do Chega quer fazer uma a “reforma profunda” no ensino básico e secundário e vai aproveitar o próximo Conselho Nacional para apresentar àquele órgão uma proposta para educação assente em “seis princípios básicos”, que vão desde reforçar a autoridade do professor até mudar o sistema de atribuição de notas, passando pela defesa intransigente dos exames nacionais. Além disso, o partido de André Ventura quer ainda libertar o sistema de ensino da “doutrinação ideológica”, naquilo que será uma mira apontada à disciplina de Cidadania.

No Conselho Nacional, que se realiza nos dias 3 e 4 de Julho em Sagres, o programa que será apresentado, como noticiou o Observador, é minimal e ainda sem propostas concretas, mas isso não impede que a direção do Chega apresente aos conselheiros uma proposta para reformar a educação, também dirigido aos outros partidos da direita. Isto porque, explica o dirigente Gabriel Mithá Ribeiro, a reforma deve ser entendida como um “contrato social abrangente às direitas” e um “ponto fundamental de federação das direitas”.

Gabriel Mithá Ribeiro, que é coordenador do gabinete de estudos, admite ao Observador que gostava de discutir o tema com o Presidente da República, o Ministério da Educação, o Conselho Nacional, sindicatos de professores, associações e partidos políticos por acreditar que “muita gente não está satisfeita com o atual sistema de ensino”.

O dirigente do Chega esclarece que, no futuro, esta proposta será espelhada no Parlamento através da apresentação de projetos de lei, mas até lá pretende-se que haja um conhecimento geral da ideia estrutural para o sistema de ensino. “A ideia é ir por passos, primeiro os princípios gerais, depois deixar que sociedade discuta e que os professores conheçam e depois avançar com medidas concretas”, explicou, ao realçar que esta reforma será dividida por “várias leis, por fases”.

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Os seis princípios da reforma

Um dos principais objetivos do Chega com a reforma da educação é a existência de um “combate intransigente à indisciplina” para que se possa “restaurar a autoridade moral dos professores pela palavra”. “Ou se resolve o problema das indisciplina ou não há reforma nenhuma”, aponta Mithá Ribeiro, ao revelar ser fundamental apostar na disciplina e na autoridade moral dos professores para a melhoria do ensino em Portugal.

Já no programa político com que o Chega foi a votos em 2019 era realçado este ponto, ao sugerir que os professores de todos os graus de ensino recuperassem “totalmente a autoridade perdida sobre os alunos” e reforçando que seriam “devolvidos todos os meios que lhes permitam manter a disciplina nas aulas”.

Um segundo princípio que o partido quer firmar é resolver o “problema da burocracia nas escolas”, através de um “combate radical à burocracia”. Mithá Ribeiro considera que a burocracia no sistema de ensino é um “expediente quase intolerável de humilhação dos professores pela classe política”. É exatamente neste sentido que o Chega lança o desafio à direita: “Ou se resolve o problema das burocracias nas escolas ou é muito difícil haver uma reforma no ensino, até para defesa da dignidade dos professores.”

Outro dos pontos essenciais na visão do Chega é o sistema de classificação de resultados escolares, pelo facto de o partido considerar que as “avaliações qualitativas e quantitativas que se atropelam umas às outras”. Gabriel Mithá Ribeiro fala numa “espécie de anarquia na avaliação” por haver escalas de 1 a 5, de 0 a 20, avaliações qualitativas e ainda avaliações de professores de 0 a dez. Desta forma, o partido sugere uma “simplificação radical do sistema”, que permita à sociedade perceber as classificações com “clareza” e também “estabilizar” entre alunos e professores “o que se avalia e como”.

Para o Chega há ainda outro ponto fundamental: a “defesa intrasigente” dos tradicionais exames nacionais, que devem existir no fim de cada ciclo de ensino. Para o Chega exames nacionais são um dos “pilares insusbtituíveis” do contrato social entre a escola e a sociedade.

Outros dos pontos mais importantes para o partido prende-se com a simplificação dos currículos e programas. “São estes os núcleos maiores da infiltração no sistema de ensino da doutrinação ideológica”, realça o vice-presidente do Chega, para o qual os programas e os currículos são ainda “uma forma de desperdício grave de recursos públicos”, nos quais o Chega pretende racionalizar os recursos financeiros, humanos e materiais do ensino.

Em maio André Ventura já tinha dito ao Observador, no âmbito de uma peça sobre a Juventude Chega, que era preciso “combater a cultura de imposição de esquerda que acontece em muitas das escolas e universidades”. Agora, na reforma sugerida pelo partido, Mithá Ribeiro enaltece que é preciso haver a “libertação do sistema de ensino do controlo ideológico, dos progressistas”.

Por fim, o Chega pretende ainda trabalhar no princípio da “autonomia institucional”, ao dar “mais liberdade à gestão das escolas”, um dos problemas que o partido aponto ao sistema de ensino ao referir que as escolas não têm liberdade suficiente para tomar decisões. O Chega pretende assim “libertar o ensino, incluindo a formação dos professores, da doutrinação ideológica e do desperdício de recursos públicos.” A ideia aqui é iniciar o ataque à disciplina de Cidadania (houve várias moções temáticas no Congresso a pedi-lo).

O Chega acredita que a discussão sobre o ensino que está a propor nunca foi feita em Portugal e que se trata de um modelo “diferente de tudo o que o partido propõe”, já que, segundo o dirigente do Chega, o modelo de ensino que existe hoje em Portugal “já não é o elevador social que era”.

O que o Chega já propunha para a Educação no programa de 2019

No programa político com que o partido foi a votos — que foi apagado do site para sofrer clarificações e que voltou a ser republicado dias depois — era proposto o fim dos serviços públicos em algumas áreas, nomeadamente na Educação, onde se podia ler que “ao Estado não compete a produção ou distribuição de bens e serviços, sejam esses serviços de Educação ou de Saúde, ou sejam os bens vias de comunicação ou meios de transporte”.

Nesse mesmo documento sugere-se a “extinção do Ministério da Educação”, a passagem das instalações escolares para a Direção-Geral do Património e mais tarde para quem “demonstrasse interesse” nelas, sendo que os professores teriam “prioridade absoluta”. “Os professores que pretendessem assumir a posse do seu estabelecimento de ensino criariam uma empresa ou uma entidade cooperativa para a qual transitaria a propriedade desse estabelecimento. Caso ninguém pretenda assumir a propriedade de um estabelecimento de ensino, esta transitará, no respeito pelo papel do Estado como entidade subsidiária, para a esfera do município”, explica o documento, onde é sugerido que só em último caso é que o local de ensino permanece nas mãos do Estado, o que é visto como uma “poupança anual de dezenas de milhões de euros”.

Entre os vários pontos no âmbito da Educação, no programa que ainda está disponível no site é proposto um cheque-ensino num valor de 350 euros que permitiria a opção por “estabelecimentos de ensino públicos ou privados” e que substituiria aquilo que o Chega descreve como o “financiamento cego de benefícios indiscriminados na Educação”.

O Chega guarda ainda três pontos para alterações no programa de ensino, entre elas “a proibição da propaganda da agenda LGBTI”, uma sugestão próxima da lei húngara que proibiu a “promoção” da homossexualidade para menores e para a qual o Chega propôs um projeto de “voto de congratulação”.

Por outro lado, o partido propõe também “o fim da aplicação das ideologias de inclusão e ideologia de género no sistema nacional de educação”, o que, tal como é referido no programa, põe termo “à aplicação das orientações da ONU relativamente às chamadas ‘questões psicológicas de transtorno de identidade de género’”. O Chega pretende ainda, segundo o programa de 2019, o fim da disciplina “Género e Cidadania” por a considerar “inconstitucional, uma vez que assenta todo o seu conteúdo nas chamadas questões de género, matéria relevando exclusivamente do foro ideológico pois que consabidamente destituída de qualquer fundamentação científica”.