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MANHATTAN, NY - NOVEMBER 13: Comedian Norm MacDonald poses for
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Sem poupar ninguém, famosos ou anónimos, e indo muitas vezes além do politicamente correto, Norm causava gargalhadas e por vezes desconforto até no público

The Washington Post via Getty Im

Sem poupar ninguém, famosos ou anónimos, e indo muitas vezes além do politicamente correto, Norm causava gargalhadas e por vezes desconforto até no público

The Washington Post via Getty Im

Os fãs, os críticos e os outros: ainda vamos todos a tempo de rir de Norm MacDonald

O humorista amado pelos outros humoristas, mas longe de ser uma estrela, fez história na TV americana, construiu um estilo e próprio e fez-se influência. Morreu aos 61 anos, mas (re)vê-lo é uma graça.

Não era o comediante super-estrela de esgotar estádios, fazer tours internacionais e entrar em blockbusters de Hollywood, mas se perguntassem a qualquer humorista americano quais as suas referências e comediantes preferidos, o mais provável era Norm MacDonald aparecer na lista. Morreu em setembro depois de uma batalha de quase uma década contra o cancro que só confidenciou ao seu círculo mais chegado.

Nasceu em outubro de 1959 no Quebéc, Canadá, onde começou a fazer stand-up nos bares e clubes locais. Em 1986 desponta no prestigiado Montreal Just For Laughs Comedy Festival e depois de participar no programa de talentos Star Search, já na televisão americana, é contratado para a equipa de guionistas da sitcom “Roseanne” no início dos anos noventa.

É em 1993 que se junta ao elenco de “Saturday Night Live”, provavelmente o programa de comédia mais importante e icónico da história da televisão e que inicia este outubro a sua quadragésima sétima temporada. Além de participar nos sketches – como este em que imita Burt Reynolds no gameshow Jeopardy e divide o ecrã com Will Ferrell e John Goodman – Norm assumiu, na sua segunda temporada, o papel de pivot do famoso “Weekend Update”, o segmento de notícias falsas e satíricas que é uma das principais marcas do SNL e que já pertenceu a nomes como Chevy Chase, Dennis Miller, Colin Quinn, Jimmy Fallon, Tina Fey, Amy Poehler, Seth Meyers e atualmente está com Colin Jost e Michael Che.

Na segunda temporada no "Saturday Night Live", Norm assumiu o papel de pivot do famoso "Weekend Update", o segmento de notícias falsas e satíricas que é uma das principais marcas do programa

O seu estilo deadpan – a delivery muitas vezes seca e séria de quem entrega a piada quase como se não soubesse que a estava a fazer – e os seus comentários meta sobre as próprias piadas tornaram-se a sua imagem de marca e uma referência para outros timoneiros do “Weekend Update” que se seguiram.

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Sem poupar ninguém, famosos ou anónimos, e indo muitas vezes além do politicamente correto, Norm causava gargalhadas e por vezes desconforto até no público presente das gravações ao vivo do programa, como podemos ver neste compêndio de alguns dos seus melhores momentos na rubrica noticiosa.

Terá sido esta tenacidade que acabaria por levar à sua saída do “Saturday Night Live”. No início de 1998, Norm é afastado do “Weekend Update”, mantendo-se parte do elenco do programa. Os rumores da época diziam que Norm foi posto de parte pelo executivo da NBC Don Ohlmeyer pelas incessantes piadas do comediante dirigidas ao infame OJ Simpson no auge do seu ultra mediático julgamento, visto que OJ e Ohlmeyer eram amigos próximos. O executivo da NBC sempre negou este motivo, justificando a sua decisão com as audiências do segmento.

A expressão “a comic’s comic” (comediante de comediantes) é normalmente aplicada aos humoristas aclamados pelos seus pares sem muitas vezes terem o reconhecimento "mainstream" que talvez merecessem. Não haverá maiores exemplos disso na comédia americana do que Norm MacDonald.

Numa fantástica entrevista de Norm no programa do amigo David Letterman, imediatamente após a sua saída do “Weekend Update” ao ponto de Letterman não ter ainda sequer noção da situação, McDonald conta como soube da notícia, algo abalado pela nova realidade profissional, enquanto o seu visivelmente irritado interlocutor insulta os responsáveis da NBC e praticamente o tenta contratar para a concorrência na CBS.

Norm manteve-se no programa mais algumas semanas, participando do elenco de sketches, coisa que não o entusiasmava particularmente, até acordar a sua saída definitiva. No entanto, cerca de um ano e meio depois, MacDonald regressa para ser o anfitrião do episódio de 23 de outubro de 1999. O cargo de host do “Saturday Night Live” é uma honra concedida semanalmente a um convidado especial que participa nos sketches e faz um monólogo de abertura. Virtualmente qualquer celebridade que o leitor imagine já foi host do programa, com algumas a acumularem múltiplas presenças ao longo dos anos (Alec Baldwin com dezassete e Steve Martin com quinze são os líderes, com cerca de vinte ilustres a pertencerem ao chamado Five Timers Club, para quem anfitriou pelo menos uma mão cheia de vezes).

Num monólogo particularmente ácido, Norm goza com o facto de ter sido convidado tão pouco tempo depois do seu despedimento sob a justificação de não ser engraçado o suficiente, concluindo que não foi ele que ficou mais engraçado desde a sua saída, mas sim que o programa estava agora bastante mau, sendo inclusivamente possível escutar alguns apupos vindos da audiência – reza a lenda que de membros da equipa do programa que não gostaram do tom das críticas.

Comedian Norm MacDonald Performs at The Ice House

O seu estilo "deadpan" – seco e sério, como quem entrega a piada quase como se não soubesse que a estava a fazer – e os seus comentários meta sobre as próprias piadas tornaram-se imagem de marca

WireImage

Este regresso, como “apresentador”, ao SNL esteve ligado aos novos projetos de MacDonald – a sua sitcom na ABC intitulada inicialmente “The Norm Show” e depois abreviada para, simplesmente, “Norm” e o filme “Dirty Work”. A sitcom, criada e desenvolvida pelo próprio em parceria com Bruce Helford, durou três temporadas e 54 episódios e contava com Norm no papel principal, interpretando Norm Henderson, um ex-jogador de hóquei no gelo da NHL que é banido da liga por apostar nos jogos e fugir aos impostos. Para evitar ir para a cadeira, recebe a oportunidade de fazer cinco anos de trabalho comunitário em serviços sociais a troco de manter a pena suspensa. Do elenco da série faziam ainda parte Laurie Metcalf, Nikki Cox e o amigo Artie Lang. A primeira temporada está no Youtube, se procurarem bem (ou vá, se clickarem aqui)

Na mesma altura, Norm tem oportunidade de ser protagonista de cinema pela primeira vez em “Dirty Work”, realizado por Bob Saget (estrela de televisão do final dos anos oitenta e começo de noventa com “Full House” e, mais tarde, voz narradora de “How I Met Your Mother”) e adaptado de um conto do famoso autor inglês Roald Dahl. O filme, que foi uma desilusão de crítica e público mas que se tornou, como tantos outros projetos de Norm, um fenómeno de culto com o passar dos anos, conta a história de dois amigos que abrem um negócio de criação e execução de vinganças para os clientes.

No entanto, o virar do século foi difícil para o humorista, envolvendo-se em diversos projetos sem sucesso. Foram os casos do filme “Screwed” (2000) em que contracenou com Dave Chappelle, John Goodman e Sarah Silverman e que fracassou nas bilheteiras (e tem 10% de aprovação no Rotten Tomatoes), da sitcom da Fox “A Minute with Stan Hopper” de 2003 (que protagonizava e foi cancelada ao fim de apenas seis episódios) e da série de sketches “Back to Norm” (2005), que criou para a Comedy Central e que não passou da fase de piloto. Em 2009 voltou a desenvolver um primeiro episódio para um reality-show falso que se chamaria “The Norm MacDonald Reality Show” para a FX Network, mas também esse foi cancelado ainda durante as filmagens.

Este era o Norm, um dos verdadeiros puristas da arte da comédia, disposto a levar as suas piadas às últimas consequências, quer estas fossem custar o seu próprio emprego ou perder noventa por cento da atenção de uma audiência.

Em 2013, cria o seu podcast Norm MacDonald Live, chamando para co-host o seu amigo e comediante Adam Eget e contando com a produção executiva do lendário David Letterman e distribuído pela Video Podcast Network para o YouTube e Amazon Prime. Com um total de trinta e nove episódios lançados ao longo de quase quatro anos, Norm e Eget usavam o formato de talk-show, com um segmento inicial seguido de uma entrevista com convidado. Pelo podcast passaram nomes como  Jerry Seinfeld, Larry King, Billy Bob Thorton, Adam Sandler ou Mike Tyson.

Cerca de um ano depois do último episódio ser lançado em 2017, a Netflix anunciou o “Norm MacDonald Has a Show”, em tudo idêntico ao seu podcast e mantendo o side-kick Adam Eget. Foi produzida uma temporada de dez episódios disponível na plataforma de streaming, sendo fascinante notar as reações quase sempre confusas de alguns convidados, claramente menos familiarizados com a persona de Norm, às suas disparatas perguntas e devaneios de pendor absurdo (vejam-se os episódios com Jane Fonda ou Drew Barrymore):

Foi também na Netflix que Norm lançou o seu segundo especial de stand up comedy, “Hitler’s Dog, Gossip & Trickery”, tão cáustico como o título sugere (o primeiro “special”, “Me Doing Stand Up” de 2011, foi produzido pela Comedy Central):

A sua morte a 14 de Setembro deste ano chocou o mundo da comédia. Aos 61 anos, Norm sucumbiu a uma luta com a leucemia que durou nove anos e que revelou apenas ao seu círculo mais íntimo, por não querer que a doença afetasse a maneira como as pessoas o olhavam e ao seu trabalho. Foram inúmeros os testemunhos de colegas nos dias seguintes à notícia, incluindo um emocional e tocante discurso partilhado por Bob Saget e um comentário de Seth Meyers no seu programa, mas o tweet de Anthony Jeselnik foi particularmente conciso:

“Battling cancer for 9 years without telling anyone is the most Norm MacDonald shit ever”

A expressão “a comic’s comic” (um comediante de comediantes) é normalmente aplicada aos humoristas que são aclamados pelos seus pares sem muitas vezes terem o reconhecimento mainstream que talvez merecessem. Não haverá maiores exemplos disso na comédia americana do que Norm MacDonald. Um dos seus títulos não oficiais é o de “melhor convidado de talk show de sempre”, tal foi o número – certamente na casa das centenas – de vezes que se sentou nos sofás de todos os programas de late night da América. De David Letterman a Jon Stewart, de Howard Stern a Conan O’Brien, Norm era presença assídua em todos eles, muito provavelmente a pedido dos próprios apresentadores, que se divertiam talvez mais que boa parte do público. Quando a atriz Courtney Thorne-Smith (de “Melrose Place”) foi ao “Late Night with Conan O’Brien”, Norm autenticamente “roubou” a entrevista com as suas constantes interrupções, comentários e piadas. Noutra das suas clássicas participações, conta uma história aparentemente infindável a Conan, para sua confusão, irritação e divertimento.

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"Rest in peace", Norm, o mundo está agora um pouco menos estranho e bastante menos engraçado.

Getty Images

Este era o Norm, um dos verdadeiros puristas da arte da comédia, disposto a levar as suas piadas às últimas consequências, quer estas fossem custar o seu próprio emprego ou perder noventa por cento da atenção de uma audiência. Esta semana, o respeitado autor e ensaísta Malcolm Gladwell publicou na sua newsletter um interessante texto sobre como nunca achara graça a Norm MacDonald e após a sua morte se dedicou a consumir horas de vídeos de sketches, stand up e entrevistas do humorista. Não mudou de opinião, mas o ponto do autor era mesmo esse – como Norm era reverenciado pelos seus pares e insiders da comédia e que a sua opinião como outsider – alguém que não ligava especialmente a este meio de comunicar — deveria ser ignorada. Não diria tanto, não será necessário um mestrado de comédia para compreender o seu trabalho, mas sim, ter aquele tipo vibração que encaixa no comprimento de onda deste peculiar ser humano canadiano.

Rest in peace, Norm, o mundo está agora um pouco menos estranho e bastante menos engraçado.

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