Carlos Galrito segue calado a viagem quase toda, mãos no volante do carro que transporta o ministro da Educação. É motorista de Tiago Brandão Rodrigues desde que o bioquímico chegou ao Governo, ainda em novembro de 2015 — já Galrito lá estava, há vários anos, ao serviço do Ministério.
É já quando estamos quase a deixar o IC19 e a entrar na Segunda Circular, de regresso a Lisboa, que o ministro o puxa para a conversa com o Observador, no banco de trás.
— Nós vamos aqui no carro e eu penso que o Sr. Carlos Galrito estudou na telescola, não foi?
— Estudei, sim — diz, por detrás da máscara e a acenar com a cabeça.
— Porque nós já tivemos esta conversa e o Sr. Carlos Galrito, que vivia no centro de Lisboa e cresceu no centro de Lisboa, estudou…
— … estudei na telescola.
A experiência de infância do motorista de Tiago Brandão Rodrigues não serve apenas para o ministro dar um exemplo concreto do que estava a dizer — que a telescola, no passado, não era usada apenas no mundo rural ou distante —, mas também deu algum jeito para “fugir” à pergunta insistente: quando a pandemia terminar e todas as aulas presenciais puderem ser retomadas, a telescola pode continuar a existir, para os alunos que, em determinados momentos ou por qualquer razão, não possam sair de casa? O ministro elogia “o potencial que revelou esta ferramenta”, lembra que também foi bom para a RTP, com “audiências astronómicas”, e que serviu até para outras faixas etárias, nomeadamente “os pais, os avós, os séniores”, mas só se compromete com a ideia de que seria um recurso “muito valioso na formação e educação dos nossos jovens” — “mesmo existindo ensino presencial” e “mesmo no final da pandemia”.
Já lhe passou pela cabeça a ideia de manter a telescola?
O hashtag #EstudoEmCasa, esta telescola, é muito diferente da telescola do passado. Eu estive muitas vezes numa sala da telescola, a minha mãe chegou a ser monitora da telescola, o meu pai, curiosamente, fez o primeiro e o segundo ano liceal numa telescola. Na altura serviu, acima de tudo, quando fizemos um esforço para passar de quatro anos de escolaridade para seis anos de escolaridade. Então tínhamos um regime semi-presencial: os alunos estavam em sala de aula, tinham um monitor e depois, através da caixinha mágica, chegavam os conteúdos. Obviamente que o que nós temos hoje é muito diferente. Agora, e isto com toda a humildade, não podemos esquecer o potencial que revelou esta ferramenta e as audiências absolutamente astronómicas, que não se limitam única e simplesmente a esta faixa etária. Vemos que os pais, os avós, muitos dos nossos séniores, aproveitaram para reciclar ou para ter novas aprendizagens e, à partida, o estudo em casa era, acima de tudo, para alunos que não tinham meios telemáticos. Por outro lado, também sabemos que o nível de autonomia, muitas vezes — por muito que tenham os meios —, é baixo e a capacidade de concentração é diminuta, principalmente nos mais novos, e nós encontrámos esta solução. Nós sabíamos que ia acontecer, mas foi ainda mais massiva a utilização por parte da maioria dos docentes, independentemente de serem da escola pública, do setor particular e cooperativo, que estão a utilizar as aulas para verem não só na TV, mas através da RTP Play, da app ou mesmo do videoclube que a maior parte das operadoras tem.
Reportagem na nova “telescola”: fomos espreitar como os professores dão aulas pela televisão
E pode ser para manter, mesmo que acabe a pandemia?
Sabemos que, acima de tudo, temos aqui um conjunto de recursos que vão ficar já, estes que estão criados. Obviamente que a evolução da pandemia poderá também ser um detonante positivo para a evolução da telescola.
Portanto, para já, não é para acabar.
Para já, até ao final do ano, teremos. Não nos podemos esquecer de que nós estamos, no melhor sentido da palavra, numa relação simbiótica com a RTP Memória — não é parasitar, é um relação simbiótica, aqui ganham todos. Eu imagino que a RTP Memória nunca tenha sonhado com isto — e eu quero agradecer, por exemplo, ao Júlio Isidro, que agora não tem tanto tempo no canal onde trabalha.
Duas professoras portuguesas até apareceram na Ellen deGeneres…
Sei perfeitamente e esse mesmo vídeo já estava agora com 7 milhões de visualizações no Reino Unido — e isso também mostra muito a força de tudo aquilo. É verdade que temos todos nós um crítico em ação todos os dias, quando vemos algo novo, e as redes sociais nisso têm o rastilho, a pólvora e o fósforo, de certa forma — conseguem fazer as explosões com tudo. Mas o certo é que os outros professores, que são os verdadeiros pares e aqueles que sabem a dificuldade que aquilo implica, têm dito maravilhas do trabalho que tem sido feito na telescola. Se houver necessidade, não vamos interromper, mas obviamente que essa não é a prioridade.
Não falava de necessidade, mas no sentido de, no momento em que voltarmos todos à nossa vida normal, perceber se pode ter alguma utilidade e ser para continuar. Vou reformular a pergunta: essa ideia passa, pelo menos, pela sua cabeça e admite a possibilidade de manter a telescola?
Eu admito que é um recurso que pode ser muito valioso na formação e educação dos nossos jovens, mesmo existindo ensino presencial.
Mesmo no final da pandemia?
Mesmo no final da pandemia, mas vamos lá ver uma coisa — e isto aqui pode ser mesmo um anzol lançado, por exemplo, à nossa televisão pública: os espanhóis têm a CLAN TV, que é um canal que existe em sinal aberto, na TDT. É um canal pedagógico e educativo a funcionar mesmo antes da pandemia. Nós em Portugal temos só sete canais na TDT. Quem sabe, no futuro, também com este detonante impulsionador, não possamos ter, e que a televisão pública possa sentir também um estímulo para termos mais do que temos hoje.
Já falou com a RTP?
A RTP tem valorizado muito este trabalho que temos feito. A RTP e a Fundação Calouste Gulbenkian, que também foi parceiro deste trabalho. Mas os grandes artífices são os professores, aqueles que estão ali e aqueles que estão em casa. O Ministério da Educação acabou por montar toda esta operação, em tempo recorde, também na mesma altura, no início de abril, quando toda a gente queria estar em casa, quando os professores diziam que não queriam sair. Muitos países estão a mimetizar aquilo que nós fizemos e, por outro lado, o facto de termos até momentos caricatos e curiosos demonstra bem que são apelativos, porque, se não fossem, não estariam também a ser reproduzidos ad nauseam nas redes sociais.
Novo ano letivo nas escolas? “Temos de continuar a preparar todos os cenários”
A conversa sobre a telescola acontece já no regresso a Lisboa, depois da visita à Escola Secundária Santa Maria, em Sintra, para acompanhar o primeiro dia de aulas presenciais de alguns alunos do 11.º e 12.º. Duas horas antes, na viagem de ida, o discurso de Tiago Brandão Rodrigues não era muito diferente. Sentado na parte de trás do carro, onde estão pastas do Ministério da Educação e papéis escritos à mão, mas também máscaras e um doseador de gel desinfetante pousado no braço que divide o banco ao meio, o ministro recusa comprometer-se com o que, insiste, ninguém pode prever.
Em direto com as Manhãs 360, da Rádio Observador, a pergunta sobre o futuro até surge quando se fala do presente — dos alunos que receberam indicação para voltar às escolas mas que, por medo, por exemplo, decidiram continuar em casa. Têm as faltas justificadas, mas perdem o direito ao ensino à distância. Brandão Rodrigues diz que, àquela hora, não sabe se há casos desses ou se são muitos. No regresso haveria de confessar que temeu ter-se cruzado com um, numa das aulas que visitou — um aluno de História da Arte que lhe respondeu várias vezes “eu gosto de estar em casa”, quando lhe perguntou se tinha gostado de voltar à escola. O ministro ainda esperou “alguma surpresa”, mas respirou de alívio quando percebeu que não tinha nada a ver com a pandemia. “E eu disse: pronto, agora nos teus tempos de ócio e de lazer podes estar o tempo que quiseres em casa.”
Seja como for, garante, era impossível ser de outra forma, porque, se muitos o fizessem, seria preciso duplicar o número de professores.
Imagine-se uma determinada escola do sistema público, mas também as escolas do ensino particular e cooperativo, em que metade dos alunos decidissem ficar em casa e metade dos alunos decidissem ir à escola. E nós tínhamos de pedir s uma empresa privada, imaginemos, mas também ao nosso sistema público, que duplicassem o número de trabalhadores, só para darem resposta — porque nós não podemos pôr em causa os direitos dos trabalhadores. Nós não podemos, nem no Observador nem eu no Ministério, pedir de repente a cada um dos trabalhadores, em nome da pandemia, para, em vez de trabalhar 35 ou 40 horas semanais, passar a trabalhar o dobro das horas — 70 ou 80 horas semanais, única e simplesmente em nome da pandemia.”
Mas não é isso que se prevê que venha a acontecer no próximo ano? Sem vacina e sem cura, com a pandemia ainda ativa, muitos apontam como inevitável que as aulas em setembro arranquem num modelo misto, com alunos em casa e outros com ensino à distância. Pais, professores e diretores de escola disseram, aliás, ao Observador, que pensar no regresso total dos alunos, mantendo as regras de distanciamento, não é possível, até por uma questão prática: não há salas ou espaço suficientes, nem professores para dividir por todas as turmas, de dimensões mais pequenas. Para Tiago Brandão Rodrigues, porém, essa é ainda “a resposta do milhão”, que todos gostariam de ter, preferindo garantir apenas que todos os cenários estão a ser preparados.
Próximo ano letivo: menos alunos nas escolas e menos matéria
É para isso que apontam vários especialistas e que se prevê noutros países. Aliás, o senhor ministro, na semana passada, em resposta a uma pergunta do Observador, dizia que é preciso desenvolver soluções inovadoras e olhar para outros países.
Os países têm sido menos arrojados do que Portugal na resposta à pandemia. Se bem se recordam, no início desta pandemia, os países foram muito tremendistas nas ações que tomaram. Vimos o Reino Unido a cancelar todo o sistema de exames, tornando o acesso necessariamente menos equitativo e igualitário. Vimos países como Itália e Espanha a fazerem passagens administrativas generalizadas. E nós tivemos o arrojo de parar, pensar, equacionar e tomar as melhores decisões, com a informação que tínhamos no momento. Isso também é outra questão muito importante: vemos como, paulatinamente, os portugueses (e isso acontece também noutras sociedades) vão pedindo respostas diferentes em função do tempo que passa. Dissemos desde o princípio que tínhamos de dar previsibilidade às pessoas e tomámos decisões no dia 5 de abril relativamente ao encerramento ou não encerramento e quais seriam os níveis de ensino que abririam. No dia 5 de abril estávamos, salvo erro, na quinta-feira de Páscoa. Sexta, sábado, domingo e segunda-feira de Páscoa eram momentos em que pedíamos a todos os portugueses para estarem confinados, em que nem do seu município podiam sair. E aí demos um conjunto de informações para que as famílias pudessem ter previsibilidade.
Acredita mesmo que é possível, em setembro, as aulas serem retomadas com todos os alunos nas escolas?
Eu acho que temos de, neste momento, continuar a preparar todos os cenários para a eventualidade de podermos ter aulas em setembro. E, quando falamos em setembro, não falamos necessariamente em novembro e em dezembro, porque sabemos que este coronavírus — aliás, como outros coronavírus ou como um primo do coronavírus, que é o vírus da influenza — tem uma propagação maior se a humidade for maior e a incidência de raios ultravioleta for menor. E nós sabemos bem, e os especialistas também disseram, o que poderia ter sido esta pandemia — ou, pelo menos, o primeiro surto e a primeira onda — se tivesse surgido mais cedo. Obviamente que, no próximo ano, vamos estar preparados de forma diferente, já conhecemos melhor o vírus. Podemos não ter nem a forma de nos imunizar artificialmente, através das vacinas, ou não ter farmacologicamente uma resposta, mas a verdade é que conheceremos muito melhor e saberemos muito melhor como reagir.
Mas há coisas que nós já sabemos. É um vírus que se transmite de uma forma relativamente fácil, pela proximidade de pessoas. E o senhor é um cientista, portanto sabe que dificilmente teremos uma vacina em setembro. Acredita mesmo que é possível termos os alunos todos nas aulas no início do próximo ano letivo ou temos já de assumir que uma das soluções inovadoras é regressarmos a uma forma mista?
Temos de assumir que temos de ter respostas para todas as eventualidades, com algum tempo de preparação que não tivemos agora. E essa também é uma novidade relativamente a outros momentos que aconteceram na nossa história. Temos de nos lembrar que não houve prévio aviso do que aconteceu, deste surto epidemiológico. E, nesse sentido, temos de nos preparar. Muitos países, e Portugal também, estão a trabalhar para, por um lado, intensificar o ensino à distância, para aprender também durante este tempo com o ensino à distância. Poder alicerçar as modalidades mistas, aquilo a que se chama, na palavra inglesa, b-learning, em vez de e-learning, que é uma modalidade mista em que o ensino presencial pode depois ser coadjuvado pelo ensino à distância. Alguns países fizeram-no. Por exemplo, Israel faz com que os alunos tenham o que eles chamam de “4+10” — quatro dias na escola e dez dias fora da escola.
Alunos regressam todos no próximo ano letivo? Ministro da Educação não se compromete
Alguns países têm optado por enviar primeiro as crianças mais pequenas, até porque isso permite às famílias retomar a sua atividade profissional, deixando em casa, se tiver de ser, os alunos mais autónomos. Isso não foi opção neste terceiro período. Admite que poderá ser assim, no caso de ser necessário fazê-lo no próximo ano?
Se me permite, isso não é verdade. Há as creches, mesmo não sendo da tutela do Ministério da Educação — como é sabido, são da tutela do Ministério da Solidariedade, da Segurança Social e do Trabalho, e eu não quero meter aqui foice em seara alheia.
Há crianças muito pequenas que não podem ficar sozinhas em casa e que não vão para creches.
Os jardins de infância, tendencialmente, vão abrir no próximo dia 1 de junho. Poderemos estar a falar aqui da questão do primeiro ciclo do ensino básico, que também são pequenos. As ajudas continuarão até ao dia 26 de junho, para as famílias, sempre que tenham de estar com esses filhos. Perguntam-me muitas vezes “porquê o ensino secundário”. Estes são alunos com grau de autonomia maior, que já conseguem cumprir regras e que entendem também a perigosidade do novo coronavírus. Depois, também é importante saber que estas escolas, do ensino secundário, têm uma rede que está globalmente mais bem preparada para garantir tanto as normas de prevenção como as normas de intervenção. E é preciso falar também das taxas de retenção. Os habituais chumbos e as taxas de abandono escolar são muito maiores neste nível de ensino em concreto, por isso é importante atuar e aumentar a oferta nestes casos. E depois também as eventuais dificuldades de aprendizagem. Em muitos destes casos, quando eles têm exames, não são recuperáveis. Por muito que um aluno do quarto ano possa recuperar no próximo ano, aqui o dano era irreversível. Nós não poderíamos dizer “olha, as tuas aprendizagens em Biologia podem ser reforçadas” se o exame já passou.
Tem números sobre o abandono escolar durante o ensino à distância? Isso era também uma preocupação de várias pessoas, as próprias escolas admitiam comunicar às Comissões de Proteção de Crianças e Jovens [CPCJ], caso isso acontecesse. Tem números sobre se isso aconteceu, de crianças que não participaram ou que não foi possível contactar?
Relativamente a isso, só saberemos no futuro. O que eu posso assegurar é que tudo fizemos, com os instrumentos que temos, para que o abandono escolar não se tornasse uma realidade. Todos os instrumentos de assiduidade e de monitorização continuaram em cima da mesa, com o trabalho das CPCJ e das forças de segurança. E é importante que isso continue a acontecer. Portugal fez um trabalho enorme de luta contra o abandono escolar — tinha cerca de 45% em 2002, quando o resto da Europa tinha 17% e os espanhóis, que estão aqui ao lado, tinham cerca de 35%. Neste momento já temos os números consolidados de 2019, Portugal teve 10,6%. Nós fizemos um grande trabalho e sabemos que, agora, cada meio ou cada ponto percentual é muito mais difícil do que baixar de 30 para 20%, que era com medidas como o aumento da escolaridade obrigatória de 9 anos para 12 anos. Agora é quase um trabalho de pesca à linha, no melhor sentido da palavra, de ir ver cada caso, de entender quem é cada um dos nossos estudantes, quem são os nossos alunos. E eu posso dar uma novidade: soubemos agora o número do abandono escolar precoce do primeiro trimestre de 2020 e Portugal alcançou os 10,0%, que era aquilo a que nos tínhamos comprometido com a Europa. Esta pandemia, este surto epidemiológico, terá, imagino, algumas consequências neste trabalho, mas só poderemos avaliar depois da nova recolha de dados, que é a única coisa fidedigna a que nos podemos agarrar.
Ensino especial. “Resposta nunca será cabal, será sempre de aproximação, mesmo presencialmente”
Os últimos dados apontam para 88 mil alunos em Portugal com necessidades especiais de ensino, 18 mil dos quais com dificuldades severas de aprendizagem. Nós recebemos relatos de pais que se sentiam muito abandonados neste trabalho. O que é possível fazer para tentar ajudar estas famílias?
Nós sabemos que esses são alunos em especial vulnerabilidade sempre, mesmo quando a nossa escola se transformou numa das escolas do mundo com práticas mais entendidas como positivas em termos de inclusão. Aqueles que são da nossa geração, e inclusivamente aqueles que são de uma geração relativamente mais jovem, poderão recordar-se da escola do seu tempo — primeiro ciclo, segundo ciclo, terceiro ciclo e mais ainda o ensino secundário — e dificilmente conseguem visualizar onde é que os alunos com necessidades educativas especiais específicas estavam, porque esses eram alunos potenciais de abandono precoce. Não é sequer aceitável quando tentam comparar o que é a escola, por exemplo, do ensino secundário hoje — onde temos uma escolaridade obrigatória até aos 18 anos, isto é, 12 longos anos de escolaridade obrigatória — com a escola do meu tempo. A minha escolaridade obrigatória foi ainda de 6 anos — o meu irmão, que é ligeiramente mais novo, já teve de 9 anos — e eu recordo que mais de um terço da minha turma, no final do sexto ano, abandonou a escola, muitos deles com necessidades educativas específicas, com dificuldades, e não havia nenhum tipo de acompanhamento. Dito isto, nós temos trabalhado para que essa inclusão aconteça e trabalhámos inclusivamente para que um conjunto de boas práticas pudessem ter sido feitas na interação entre a escola e essas famílias. Quando íamos para a escola, e agora estamos a regressar para Lisboa, eu falei do trabalho que tem que ser feito com as famílias mais vulneráveis, em termos socioeconómicos, porque sabemos bem que uma crise desta natureza agudiza e agoniza mais as diferenças que existem.
Como é que isso vai ser, há algum plano específico, medidas específicas?
Existiam e existiram durante o confinamento e o ensino à distância — cada uma das escolas teve de desenvolver, seguindo também um conjunto de orientações e informações do Ministério da Educação. Quando falamos do trabalho inexcedível dos professores durante este tempo de pandemia, eu tenho de dizer que, muitas vezes, somos injustos, porque falamos dos docentes e não referimos particularmente todos aqueles que estão na peridocência, aqueles que são psicólogos, terapeutas, e que tiveram também aqui um papel muito importante em muitos casos que, muito provavelmente, não vos chegam com a mesma celeridade — porque, quando as coisas correm bem, ninguém dá nota disso e muitas vezes era importante dar nota disso. Estamos a fazer esse trabalho no Ministério da Educação, mas, acima de tudo, em cada uma das nossas escolas, também para que a educação inclusiva continue a ter uma resposta cabal, o mais completa possível e, acima de tudo, para podermos coadjuvar as famílias que durante estes tempos têm tido outras vicissitudes. E se as famílias com os alunos que não têm necessidades educativas específicas já nos reportam todas as dificuldades que têm, também temos muito relatos, mais do que ninguém, das dificuldades, das vicissitudes, dos problemas, até — porque é preciso assim dizê-lo — que muitas vezes estas famílias acabam por enfrentar mais ainda, porque o teletrabalho nos pais fica mais comprometido pelas necessidades que estes alunos enfrentam. Mas depois não nos podemos esquecer, por exemplo, das escolas de referência para os alunos invisuais, para os alunos surdos, que continuaram a funcionar e onde os alunos têm, à partida, um acesso a meios telemáticos que muitos dos outros alunos não têm por defeito. E também não podemos esquecer que, da mesma forma que, quando olhamos para as patologias ou para as necessidades específicas — que muitas vezes não estão associadas sequer a uma patologia —, temos uma gradação. Quando falamos do espectro do autismo, vemos que há verdadeiramente um espectro, em que cada um dos alunos tem uma dificuldade específica diferente e se encaixa nesse espectro. É um bocadinho como quando nós, artificialmente, olhamos para o arco íris e dizemos que são sete cores. Não estão sete cores. Nós podemos dizer que está um milhão, porque aquilo é uma gradação de diferentes tons de todas aquelas cores. Nestas patologias e neste espectros, todas estas gradações têm necessidades diferentes, o que implica uma infinitude de respostas, também elas com gradação. Sabemos que a resposta nunca é cabal. Mais: a resposta nunca será cabal, será sempre de aproximação, mesmo presencialmente. Por muito que tenhamos todos os meios e tenhamos, financeiramente, todos os recursos, todos os terapeutas, é sempre por aproximação. Neste caso, mais difícil é, mas eu queria também dar uma palavra de confiança às nossas comunidades educativas que tudo têm feito para poder chegar a estes alunos.
A área de formação do ministro vai surgindo aqui e ali na conversa, sobretudo no que vai explicando sobre o vírus, mas, no passeio pela Escola Secundária Santa Maria, Tiago Brandão Rodrigues também não perde uma oportunidade para lembrar aos alunos que aquilo que estão a estudar é agora ainda mais importante, por causa da pandemia — mesmo na área das Artes. De pé, em frente às turmas — com, no máximo, 15 alunos e todos em mesas afastadas umas das outras —, o ministro vira professor. Aula de Física e Química do 11.º ano? Pode ser útil para compreender como são feitos os testes ao novo coronavírus, porque “tudo o que vemos aqui está a acontecer”. Aula de Matemática do 12.º ano? É essencial para perceber a evolução do surto e está agora na boca de todos, “médicos, biólogos e políticos” e até do Presidente da República, “que já ouvimos falar de R e de probabilidades”. Na aula seguinte, o desafio foi maior: História da Arte do 11.º ano e uma aluna que quer seguir Design Gráfico. Pareciam terminadas a analogias entre as disciplinas e a pandemia, mas Brandão Rodrigues encontrou mais uma: a sinalética, como o cartaz afixado no fundo da sala com as regras de distanciamento por causa do vírus. “É imprescindível na segurança”, garantiu.
O professor, em frente a um grupo de alunos espalhado pelo auditório transformado em sala, acenava com a cabeça e, depois, confessava: “Para nós, o ensino à distância foi difícil, muito diferente daquilo a que estávamos habituados”. O mesmo já tinha dito o professor de Geometria descritiva, que assumia que a aula desta segunda-feira estava a servir para rever alguns conceitos e recuperar as aprendizagens que se possam ter perdido.
Professores e famílias debatem-se com um modelo de ensino em que os alunos estão longe e, muitas vezes, com menos condições. Alguns, por exemplo, não têm computador ou o que existe lá em casa tem de ser partilhado entre os irmãos. Mas essas falhas também servem para Tiago Brandão Rodrigues sublinhar que o ensino presencial é sempre mais equitativo.
Um computador por aluno já em setembro? Promessa de António Costa será difícil de cumprir
Há uma promessa do primeiro-ministro de que, no próximo ano letivo, todos os alunos vão ter um computador pessoal. Isso vai mesmo acontecer?
O que eu ouvi, e que acho que é importante dizer, é que o Governo vai trabalhar para aumentar a universalização do acesso aos computadores.
“Trabalhar para” não é a mesma coisa que garantir que em setembro todos os alunos vão ter um computador.
Eu estou a dizer que vamos trabalhar para que a universalização aconteça. E não estamos a dizer coisas diferentes.
Mas reconhece que é difícil, a esta distância, sobretudo com a própria indústria tentar recuperar, garantir tantos computadores já para o próximo ano letivo.
O Observador já o escreveu, quem o disse foi o ministro da Educação, portanto isso não é uma novidade. Todos sabemos que estamos, neste momento, sujeitos a uma grande pressão em muitas facetas da nossa sociedade. Temos de dar passos sólidos e temos, acima de tudo, de entender que esse trabalho é em prol das nossas crianças, dos nossos jovens e da educação com mais equidade. Porque não nos enganemos: quando passámos do regime presencial para o regime não presencial, houve um grande clamor de que seria impossível fazer o que quer que seja. Vimos alguns dos diretores das nossas escolas, alguns influentes atores da educação, dizerem que ia ser absolutamente impossível. E eles sabiam que iam fazer tudo para que fosse possível, mas obviamente também tinham alguns temores relativamente à capacidade da sociedade de o fazer. Fomos capazes, entre todos, de o fazer. Eu tenho de dizer que estou muito orgulhoso da resposta do sistema educativo e, em especial, da escola pública. Todos vimos exemplos absolutamente fantásticos e uma progressão nessa densificação das ferramentas, também com muito trabalho de todos aqueles que trabalham no Ministério da Educação. Chegámos agora a um momento em que trabalhámos também no desconfinamento das escolas e há um clamor generalizado, ou houve algum clamor, de que basicamente o ensino à distância era a panaceia absoluta para todos os problemas — ninguém necessitava de voltar à escola daqui até 2030, e sabemos que também não é verdade. Sabemos que, ainda assim, o ensino à distância alicerça e agudiza as diferenças socioeconómicas, culturais, familiares. Só dentro da sala de aula, dentro da escola, podemos, pelo menos, sonhar em minimizar aquilo que é a diferença, o ponto de partida de cada um de nós. É é na escola presencialmente onde se pode fazer melhor trabalho, com todos os condicionalismos que agora sabemos.
Testes a professores. “Não me imponho às autoridades de saúde na definição do que são as prioridades”
Quando termina a passagem pela última aula — que incluiu o momento em que o ministro, para resolver o problema de um vídeo sem som, serviu de voz-off para as imagens —, Tiago Brandão Rodrigues já é esperado pelos jornalistas, à saída do edifício, e com as críticas mais recentes da FENPROF. Mário Nogueira, líder da federação, tinha dito que não havia condições de segurança para o regresso, porque as escolas não tinham recursos humanos suficientes para o assegurar. Brandão Rodrigues respondeu com um convite: “Era importante que a FENPROF fosse às nossas escolas, visse o trabalho dos nossos docentes. Que visse o trabalho das direções das escolas, dos corpos docentes e dos funcionários, a forma como se foram adaptando”.
De volta ao carro, no final da visita, o ministro insistia na ideia de não ter visto ou ouvido medo e insegurança nas conversas que teve com professores. E quanto à exigência da FENPROF, que pediu que todos os professores e funcionários fossem testados — como aconteceu com as creches e em alguns municípios, que decidiram fazê-lo —, disse que essa decisão nunca seria sua, porque “o Ministério da Educação não é autoridade de saúde”: “Eu não me imponho às autoridades de saúde na definição do que são as prioridades da testagem a nível nacional”, repetiu, lembrando que isso poderia até dar uma sensação errada de segurança.
Mas colocou essa questão?
Não, eu esperei para ouvir as autoridades de saúde. Obviamente, todos os caminhos e possibilidades estão sempre em cima da mesa. As autoridades de saúde não disseram a uma empresa como o Observador que, quando voltassem, tinham de ser todos testados. O Ministério da Saúde também não disse ao Ministério da Educação que, para todos os alunos e professores adultos — com as medidas que existem de distanciamento físico, higienização e todas as outras que hoje pudemos ver — seria necessário a testagem. O que se faz nas avaliações das políticas públicas de saúde é uma avaliação de risco e de custo/benefício — e por “custo” não estou a dizer propriamente dinheiro. Fazer testagem para milhares de pessoas, quando nós sabemos que a testagem única e simplesmente define a condição do indivíduo relativamente a uma determinada doença num momento específico, cria também, como é sabido, muitas vezes, confiança excessiva relativamente ao que significa essa mesma testagem. Eu aqui não estou a fazer um juízo de valor, estou a dizer o que, factualmente, dizem os especialistas de saúde. Por outro lado, nós temos uma determinada capacidade de testagem que é muito alicerçada e muito superior a muitos dos nossos congéneres europeus. Houve uma grande onda de participação no país todo, de entidades principalmente públicas e da academia, mas o que disse a Direção-Geral de Saúde, o que têm dito às autoridades, é que a testagem deve ser, acima de tudo, para entender se determinado indivíduo que tenha um conjunto de sintomas ou o que esteve na presença de um indivíduo com essa sintomatologia é ou não positivo. E essa é a prioridade do país. Dito isto, não me sobreponho às prioridades das autoridades de saúde e penso que é assim que tem de continuar a ser. Porque quando cada um de nós tomar as suas prioridades e, de certa forma, colidir até ou se impuser às autoridades de saúde, tenho a certeza de que isto pode correr pior do que tem ocorrido.
Sem testes nem chumbos, mas com mais trabalhos. Avaliação no 3.º período vai ser “um desafio”