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Nunca enfrentou as urnas, mas recusa o rótulo de “apêndice” do PCP. Para a história do debate político, fica a troca de argumentos entre Heloísa Apolónia e José Sócrates, quando o ex-primeiro-ministro afirmou que o Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) não tinha legitimidade e era um “embuste político“. Não foi a primeira vez que ouviu esse argumento, nem será a última. Nada que preocupe a deputada ecologista: “No debate político, essa crítica surge quando não há argumentos para dizer mais nada“, diz ao Observador. Ao fazerem parte da solução que apoia o Governo, Os Verdes passaram a ter um reconhecimento por parte do poder de que nunca tinham gozado. Foram uma invenção do PCP nos anos 80; já passaram por cisões e crises internas; viram o Tribunal Constitucional pedir-lhes provas de que tinham mais de cinco mil militantes; ouvem adversários chamar-lhes “partido satélite”, “partido melancia” ou “barriga de aluguer do PCP”. E agora têm um concorrente no Parlamento na área ambientalista (o PAN), que recebeu mais de 75 mil votos efetivos. Houve tempos em que metade dos deputados saía da sala para fumar quando Heloíosa Apolónia falava no hemiciclo. Hoje não é assim.
Em conversa com o Observador, Heloísa Apolónia passa em revista aquilo que o PEV alcançou nesta legislatura, assinala o peso reforçado dos ecologistas no novo ciclo político, reconhece que Os Verdes estão a viver um período que nunca viveram “anteriormente” e rejeita a ideia de que o partido Pessoas Animais e Natureza (PAN) esteja de alguma forma a retirar espaço aos Verdes. “Aqui ninguém rouba nada a ninguém“, argumenta. Mas é quando questionam a autonomia do PEV em relação ao PCP que o tom de Heloísa Apolónia se torna mais assertivo: “A CDU mantém-se porque tem sido considerada como positiva para as duas forças partidárias que a compõem. Se não fizéssemos um balanço positivo desta coligação ela já não existia. Nenhum partido está vinculado a ela eternamente“, sublinha.
A deputada ecologista, o rosto mais conhecido da comissão executiva que coordena as ações do partido — não existe formalmente a figura de secretário-geral ou presidente –, garante que, mesmo depois de uma aliança de três décadas, PEV e PCP mantêm a sua identidade. “A nossa conceção de coligação de facto não é que as forças partidárias percam a sua identidade. De maneira nenhuma. Cada uma tem a sua identidade, o seu projeto próprio. Mas conseguem congregar forças para uma transformação que consideram necessária. Juntos temos mais força. A CDU é mais do que a soma dos militantes do PCP e dos militantes d’Os Verdes. Tenho a certeza de que as pessoas votam nesta coligação por entenderem que é um espaço mais alargado à esquerda”, acredita.
E se algum dia se colocar a hipótese de PEV e PCP irem separados às urnas? “Coloca-se“, diz. Essa avaliação, explica, é feita “antes de todos os atos eleitorais” e, até ao momento, não houve nada que justificasse uma cisão. Se algum vez as condições forem diferentes a decisão será tomada com naturalidade, assegura. “Se algum dia algum dos partidos decidir que não concorre na CDU, não há CDU. A CDU é apenas uma coligação eleitoral”.
Apesar das garantias de Heloísa Apolónia, José Sócrates não foi o único a questionar a legitimidade do PEV. Sobre Os Verdes, Paulo Portas, por exemplo, chegou a dizer que era “um bocadinho como a melancia: verde por fora e encarnado por dentro“.
Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, protagonizou o momento de tensão mais recente: no final de 2014, no Parlamento, o social-democrata classificou o partido ecologista de “fraude“. Montenegro atirou ao ponto sensível do partido que tem dois deputados há 30 anos, desde 1987, depois de ter ido a votos sempre coligado com o PCP: “O que fazem [‘Os Verdes’] aqui, com a anuência de todas as bancadas, incluindo as maioritárias, é uma fraude da representatividade democrática“. E lançou a pergunta: são Os Verdes um partido verdadeiro, ou um “partido satélite”? Jorge Paulo Oliveira, também do PSD, daria mais uma estocada: “Todos sabemos como isso aí funciona. É o senhor deputado João Oliveira [líder parlamentar do PCP] a dar a tática”. A discussão tornou-se feia, como se pode ver pelas notícias da época. O deputado José Luís Ferreira responderia assim a Montenegro: “Meta uma coisa dentro dessa sua cabecita: não é o senhor deputado que decide como é que Os Verdes participam nas eleições”.
Estava em causa mais uma vez a legitimidade do PEV para formarem um grupo parlamentar. O regimento da Assembleia da República prevê a criação de grupos parlamentares, mesmo para aqueles que concorrem coligados às eleições. Mas como o PEV é o único partido que nunca foi a eleições numa lista autónoma a discussão ganha sempre uma outra dimensão. Do já referido partido “melancia” a “barriga de aluguer” do PCP — como lhe chegou a chamar o atual ministro Augusto Santos Silva –, Os Verdes foram sendo acusados ao longo dos anos de serem um artifício eleitoral dos comunistas.
O problema dos militantes e a “criatura” do PCP
Há 10 anos, só não houve uma crise institucional por pouco. Em 2007, antes de ter sido revogada a lei que dizia que os partidos com menos de 5 mil militantes podiam ser extintos, o Tribunal Constitucional (TC) exigiu que os partidos dessem provas de que cumpriam os patamares mínimos de militantes. Nessa altura, o PEV foi obrigado a antecipar a atualização dos seus ficheiros para provar ao TC que estava acima do mínimo permitido, com o deputado José Luís Ferreira a garantir que a última atualização – feita em 2005 – apontava para valores situados “entre 5.600 e 6.000 militantes“.
Mas a crítica à alegada falta de autonomia do PEV vem de há muito. No livro de memórias Foi Assim (Aletheia), Zita Seabra, ex-dirigente comunista que saiu do partido em dissidência, conta como, por sugestão de Álvaro Cunhal, ajudou a formar Os Verdes. As considerações estão longe de ser elogiosas: “Os Verdes nunca foram um movimento ou partido capaz de trazer gente diferente e nova para uma aliança com o PCP, nem de enriquecer a esquerda com uma frente de causas ambientais. O PCP tinha medo que lhe fugissem ao controlo, mas se assim não fosse nunca representariam qualquer mais-valia para a esquerda portuguesa”, escreveu Zita Seabra, que depois de deixar o PCP se tornou uma destacada militante do PSD.
As críticas da dissidente comunista vão mais longe. “Não conseguimos implantar Os Verdes como um partido autónomo e verdadeiramente ecologista“, escreveu Zita Seabra. “Mas conseguimos que tivessem na Assembleia da República um grupo parlamentar com dois deputados eleitos nas listas do PCP, que ainda por cima ocupavam um tempo completamente desproporcionado face ao que teriam caso fossem dois deputados comunistas normais. Vinte anos depois de serem criados [o livro foi publicado em 2007] ainda subsistem, praticamente inalterados desde o ano da sua fundação”.
Confrontada com a versão de Zita Seabra, Heloísa Apolónia responde: “Essa pessoa não conhece Os Verdes e decidiu dissertar sobre Os Verdes. Lamento”, dispara, antes de explicar a sua relação com um livro proscrito pelos comunistas. “Devo dizer que li o livro da Zita Seabra quando mo emprestaram — não comprei. Na altura, disseram-me: ‘Devias ler aqui as páginas [onde a formação d’Os Verdes era explicada]’. E eu pensei: ‘Bem, então vou ler este conjunto de páginas’. Depois pensei: ‘Não, devia ler o livro desde o início porque pode haver algum enlace, algum alinhamento que depois me ajude a compreender…’ Mas quando li a parte d’Os Verdes desisti e não li nem mais uma página“, assegura, acusando ainda Zita Seabra de “falta de rigor”.
“Uma pessoa que diz que ajudou a criar Os Verdes em 1983, quando Os Verdes nasceram em 1982, já me deixa a pulga atrás da orelha. Para além disso, essa pessoa, que é tão conhecedora d’Os Verdes, diz nesse livro que Maria Santos foi a primeira deputada d’Os Verdes. Não foi”, remata.
"Essa pessoa não conhece Os Verdes e decidiu dissertar sobre Os Verdes. Lamento", reage Heloísa Apolónia
Quando o PEV discutiu a hipótese de ir às urnas sozinho houve crise
A par de Zita Seabra existe outra personagem incontornável na história da formação d’Os Verdes: José Magalhães, antigo militante e deputado do PCP, que deixaria os comunistas para se juntar ao Partido Socialista. Foi ele, o “homem dos sete ofícios”, “viciado em legislar”, que, no início da atividade do PEV, ajudou a produzir uma parte considerável das iniciativas legislativas, assume ao Observador.
É o mesmo José Magalhães a confirmar que a criação d’Os Verdes foi uma “ideia brilhante” de Álvaro Cunhal, que não só permitiu duplicar o poder de fogo dos comunistas no Parlamento como também “ocupar um nicho político” que, de outra forma, seria invariavelmente ocupado por outros. “Concluiu-se que era melhor nascer em boa companhia do que nas mãos de um bando de anarquistas“, assume.
O cordão umbilical entre PCP e PEV manteve-se durante os primeiros anos de existência do partido ecologista. “Quando se faz nascer uma criatura é preciso educá-la e acompanhá-la“, sublinha. No fundo, era preciso dar-lhe uma “coluna vertebral”, equipá-la de “doutrina” e “estrutura”, nomeadamente “dinheiro”, para poder dar os primeiros passos de forma sustentável.
E assim foi, explica José Magalhães. A “criatura” aprendeu a andar e “conseguiu captar eleitorado para o PCP”, cada vez mais longe da sombra do criador, contrariando as “tendências maniqueístas” alimentadas por uma boa parte da oposição de que Os Verdes são de alguma forma subservientes ao PCP. “Isso são balelas“, acusa José Magalhães. “Ninguém consegue ter um corpo morto ligado à máquina durante estes anos todos”.
Mas houve, de facto, um momento em que uma parte da criatura se quis libertar formalmente do criador. Herculano Pombo, ex-deputado d’Os Verdes que acabou por sair do partido, recorda-se do período em que se discutiu a possibilidade de avançar com uma candidatura autónoma às eleições presidenciais de 1991. A memória está algo esbatida pelo tempo, mas há um aspeto que Herculano Pombo repete sem hesitações ao Observador: “Tínhamos uma estratégia definida. Havia sondagens internas que mostravam que tínhamos hipótese de ter um bom resultado. A ideia era concorrermos autonomamente com a Maria Santos [então eurodeputada d’Os Verdes]. Tínhamos tudo combinado e o apoio de muita malta que veio a fundar o Bloco de Esquerda. Mas depois a Maria Santos chegou a acordo com o Mário Soares e a candidatura falhou. Perdeu-se uma oportunidade”, recorda.
Mas há mais camadas nesta história. Na verdade, o apoio a uma candidatura autónoma não era unânime no partido. Longe disso. Muito longe disso. Pela primeira vez na história — e última até ao momento — houve uma verdadeira cisão n’Os Verdes: de um lado um grupo que defendia uma candidatura própria a Belém e do outro lado uma fação pró-CDU. O caso, ou o “folhetim” como lhe chamava o Diário de Lisboa na edição de 12 de outubro de 1990, ganhou tais proporções que cada grupo decidiu eleger o seu Conselho Nacional e a sua Comissão Executiva.
E tudo começou na reunião do Conselho Nacional do partido de 23 de junho de 1990. A hipótese de uma eventual candidatura autónoma a Belém já vinha sendo assumida publicamente por Maria Santos, o que causara calafrios numa parte importante do partido. A reunião do Conselho Nacional d’Os Verdes “prometia ser marcada pela polémica”, escrevia o Diário de Lisboa:
“Entre as dez da manhã e as seis da tarde, os ecologistas não conseguiram sequer eleger a mesa, em função do aparecimento de eleitos ‘que ninguém conhecia’, segundo um membro da tendência fundamentalista [de Maria Santos]. Os estatutos do partido preveem que, aos 35 membros do Conselho Nacional eleitos em Convenção se associem 16 representantes regionais. Porém, na reunião de sábado, ainda segundo aquele informador, apareceram pessoas supostamente eleitas em regiões onde não existem núcleos do PEV, como Beja, Évora e Mirandela”, relatava então aquele jornal.
Maria Santos e Herculano Pombo acabariam por deixar a reunião do Conselho Nacional do PEV sob protesto. E as duas fações nunca mais se haveriam de encontrar. O braço-de-ferro entre o grupo que dominava a sede e o aparelho partidário, liderado por André Martins, Manuela Cunha e Isabel Cunha e pró-CDU, e o grupo reunido em torno dos deputados e da eurodeputada, liderado por Maria Santos, Herculano Pombo e Valente Fernandes, estender-se-ia por largos meses. Sobre essa reunião do Conselho Nacional, Herculano Pombo chegou a dizer que se tinha aberto a “porta a intrusos”, num “autêntico caso de polícia“. E concretizou as acusações: em algumas assembleias regionais participaram militantes do PCP.
O outro grupo sugeria que Maria Santos e os seus apoiantes tinham sede de protagonismo e obedeciam apenas a projetos pessoais de poder. Feitas as contas, a candidatura de Maria Santos acabou por nunca se concretizar — ela que voltaria à vida política pela mão dos socialistas, como deputada. Herculano Pombo e Valente Fernandes tornaram-se independentes e, até às eleições legislativas de 1991, o PEV esteve formalmente sem grupo parlamentar. Pombo ainda viria a ser vereador na Câmara de Sintra, na equipa da socialista Edite Estrela.
Agora, 25 anos depois desses acontecimentos, Herculano Pombo reconhece que “a coisa foi feia” e admite que houve gente do PCP que deixou de lhe falar. Uma minoria, salvaguarda. Mas há algo que, mesmo assim, deixa claro: nunca se sentiu de alguma forma condicionado pelos comunistas.
Herculano Pombo lembra, de resto, que aprovou um voto de congratulação no Parlamento pela queda do Muro de Berlim, em 1989 — algo impensável para o PCP, que votou contra. “Celebrei efusivamente a queda do Muro de Berlim e fui aplaudido por todas as bancadas, menos pela bancada do meu parceiro de coligação”, nota. Quanto ao resto, só repete: “Perdeu-se uma oportunidade de testar a força d’Os Verdes nas urnas“. Não voltaria a haver outra.
Geringonça deu “mais espaço” ao PEV
A conversa de Heloísa Apolónia com o Observador aconteceu na quarta-feira, dia 21 de dezembro, véspera de debate quinzenal com António Costa e de uma reunião de concertação social que se viria a revelar decisiva. Parece um pormenor sem importância neste contexto. Não é. O PEV protagonizaria, no dia seguinte, um dos momentos parlamentares de maior tensão na chamada “geringonça”.
É a primeira vez que Os Verdes fazem parte do arco da governação com alguma capacidade para influenciar as políticas do Executivo. Heloísa Apolónia reconhece que o partido nunca tinha vivido uma experiência semelhante e celebra a influência reforçada dos ecologistas neste início de legislatura.
“Estamos a viver uma experiência nesta legislatura que nunca vivemos anteriormente, que foi ter reuniões com o Governo antes da própria entrega do Orçamento do Estado. Essa experiência nunca tínhamos vivido. E de facto sinto-a como produtiva porque houve várias vezes coisas que constaram no Orçamento do Estado que já vinham de uma proposta inicial d’Os Verdes e isso permitiu-nos depois trabalhar outras propostas já após a entrega do Orçamento do Estado. Deu-nos de facto mais espaço de propositura e de negociação com o Governo. Isso é uma realidade inegável“, assume.
Uma realidade inegável que não altera o ADN d’Os Verdes, segundo Heloísa Apolónia. “Há uma coisa que para nós é fundamental: a nossa própria coerência e a nossa seriedade para connosco e para com a sociedade. Aquilo que defendemos anteriormente é aquilo que estamos a defender neste momento”, assegura. A deputada haveria de lembrar isso mesmo a António Costa no último debate quinzenal do ano.
A impressão digital do partido ecologista faz-se notar em vários aspetos da governação socialista. Seja na questão da “mobilidade sustentável“, uma prioridade d’Os Verdes, seja na “aprovação de um projeto relativamente à elaboração de um plano ferroviário nacional“, cujo objetivo maior é promover a coesão territorial. Ou ainda na aposta na “mobilidade sustentável dos grandes centros urbanos”, com várias iniciativas nesse sentido. São exemplos disso a “redução em 25% do preço do passe para jovens estudantes universitários e a possibilidade dos passes mensais das famílias poderem ser deduzidos na totalidade do IVA em sede de IRS”, elege a deputada ecologista.
Mas há mais marcas dos ecologistas. Por exemplo, na “criação de um novo paradigma de floresta“, que trave de uma vez por todas a expansão do eucalipto, mas também no combate pela eliminação de produtos com amianto. “Não largámos o anterior Governo e continuaremos a fazer o mesmo com este até vermos as questões resolvidas”, garante.
E há ainda a água. “A reestruturação do setor da água em relação aquilo que o anterior Governo estava a impor, com a lógica de travar qualquer apetite de privatização da água“, foi uma importante conquista do PEV, assinala Heloísa Apolónia. Agora, diz, é preciso ir mais longe. “Queremos que as autarquias tenham um papel fundamental e que não sejam encostadas à parede. Temos procurado garantir essa questão junto do Governo e vamos ser muito assertivos: não aceitamos imposições às autarquias. Cada uma deve constituir o modelo que entende”, afirma a deputada ecologista.
Fundamentalmente, são estas as quatro áreas de intervenção d’Os Verdes: “transportes, florestas, água e amianto“, resume. Uma intervenção que nunca surge isolada das questões económicas, sociais e laborais, garante Heloísa Apolónia.
Nem todos os agentes do setor do ambiente fazem, porém, a mesma leitura do novo ciclo político, que terá, até, “apagado a intervenção ambiental d’Os Verdes”. É isso que sugere João Branco, presidente da Quercus — Associação Nacional de Conservação da Natureza. Reconhecendo que o PEV “tem participado com muito mérito em algumas lutas ambientais”, o ecologista acredita que Os Verdes se têm “apagado desde que entraram no arco de governação”. “Guardaram algumas bandeiras na gaveta“, diz o responsável, em declarações ao Observador.
João Branco escolhe, por exemplo, a falta de intervenção d’Os Verdes na luta contra a construção das barragens de Daivões, Gouvães e Alto Tâmega. “Calaram-se e nunca mais nada sobre isso. Há silêncio a mais“, critica o ecologista.
Mesmo com estes reparos, e lembrando que a Quercus é uma associação apartidária, João Branco faz questão de elogiar as causas que o PEV vai abraçando. Sobre a relação d’Os Verdes, uma ressalva: “Nunca senti que o partido tivesse falta de autonomia em relação [aos comunistas]. De resto, têm divergido do PCP em muitas matérias, como a proibição do glifosato ou na questão das barragens. O PCP é mais planos quinquenais e cimento“, diz.
Ainda assim, fica o desejo de João Branco: “Os Verdes podiam e deviam estar a fazer mais“. Para já, o próximo braço de ferro de Heloísa Apolónia parece ser outro.
As críticas: redução da TSU para as empresas e Almaraz
Menos de 24 horas depois de classificar como “produtiva” a relação entre o PEV e o Governo socialista, Heloísa Apolónia aproveitaria o último debate quinzenal de 2016 para confrontar António Costa com a intenção de reduzir a Taxa Social Única (TSU) paga pelos empregadores. A deputada ecologista sugeriu que o primeiro-ministro estava a violar a posição conjunta celebrada com Os Verdes. Foi o primeiro grande choque frontal entre Heloísa Apolónia e António Costa desde o início da legislatura.
“Os Verdes estão aqui com um problema, senhor primeiro-ministro. Na nossa posição conjunta, assumimos um compromisso de que não haveria lugar a qualquer redução da TSU para as empresas. Assumimos mais: um compromisso de reavaliar as isenções e as reduções da TSU que de exceção se transformaram em regra. Então, senhor primeiro-ministro?”, questionou a deputada, deixando no ar um enorme silêncio. Heloísa Apolónia tinha razão (como pode ver neste fact check feito pelo Observador).
António Costa ainda responderia à parlamentar ecologista, mas as explicações não a convenceram. E voltou à carga: “A redução da TSU como contrapartida não é um mecanismo de criação de emprego. É um mecanismo de financiamento dos patrões e para fazer com que contratem não mais do que o salário mínimo nacional. É importante que o Governo tenha essa consciência. Agora, senhor primeiro-ministro, eu vou pedir-lhe que quando sair deste debate se vá fixar na redação da posição conjunta assinada entre Os Verdes e o PS para que depois possamos conversar ou continuar a conversar”, atirou Heloísa Apolónia.
Mesmo que António Costa se tenha apressado a garantir que esta proposta não violava o acordo com o PEV, o verniz tinha estalado. E Os Verdes ainda nem tinham sido confrontados com a surpresa mais desagradável da tarde para a esquerda.
Durante o debate quinzenal discutia-se uma eventual redução de um ponto percentual na TSU das empresas, que motivou críticas de toda a esquerda. Horas depois do fim do debate, chegava a notícia que os parceiros do PS na “geringonça” preferiam não ter: Governo e parceiros sociais (com exceção da CGTP) tinham chegado a acordo em sede de concertação social, definindo a atualização do salário mínimo nacional para os 557 euros em janeiro de 2017 e a redução da TSU para as empresas em 1,25 pontos percentuais — uma redução superior aquela que já tanta celeuma tinha criado.
Heloísa Apolónia foi a primeira dos três parceiros parlamentares dos socialistas a demonstrar o seu descontentamento. “O acordo de concertação social não é lei. Para que a redução seja feita é preciso que o Governo tome uma iniciativa legislativa. Os Verdes confrontarão o Governo nessa altura”, afirmou, em declarações ao Observador.
O PEV quer agora travar a medida na Assembleia e pediu a apreciação parlamentar do diploma. PCP e Bloco de Esquerda decidiram seguir o exemplo dos ecologistas e avançaram com iniciativas no mesmo sentido. Mais recentemente, o “caso Almaraz” deu força a novas críticas d’Os Verdes à atuação do Governo, com Heloísa Apolónia a questionar a “passividade” do Governo nesta matéria.
A sombra do PAN
Se a relação com os socialistas pode ter conhecido aqui um revés — o tempo dirá se foi o princípio de algo maior ou apenas um acidente de percurso — o surgimento de um partido ambientalista como o PAN, garante Heloísa Apolónia, não preocupa o PEV. “Aqui ninguém rouba nada a ninguém. Sabemos que outros partidos fazem isso. A forma de trabalhar d’Os Verdes não é sentir que os outros nos estão a roubar propostas. Nem nós fazemos das propostas dos outros as nossas. Cada um tem a sua agenda e a sua ideologia”, garante.
Ainda assim, Heloísa Apolónia sublinha as diferenças entre o PEV e o PAN. “Quer queiramos quer não o PAN é um partido muito virado para a causa animal. N’ Os Verdes temos uma perspetiva de facto mais ecologista. O que é ser ecologista na nossa perspetiva? Ser ecologista não pode ser fugir a um debate sobre educação. Ser ecologista não pode ser fugir a um debate sobre matérias sociais. Ser ecologista é ter um projeto de sociedade onde se agrega a componente ambiental, a social e a económica e onde todas, em equilíbrio, devem concorrer para o desenvolvimento sustentável. São projetos diferentes”, explica a deputada.
Com uma diferença substancial: o PAN teve 1,39% nas legislativas de outubro de 2015 e recebeu 75.140 votos dos portugueses para eleger o seu deputado. Quanto ao PEV, apesar de ter aumentado a sua influência junto do poder, continua a não saber-se quanto valeria nas urnas.