Ao primeiro dia de votações da proposta de Orçamento do Estado para 2023, e das mais de 1.800 propostas de alteração, o PS (e o Governo) continuam a mostrar quem são os novos aliados no Parlamento. O PAN está na dianteira e já conseguiu três propostas aprovadas, incluindo um projeto-piloto para a distribuição gratuita de produtos menstruais, um estudo para avaliar os impactos da chamada “taxa rosa” e a criação de um “espaço Gisberta”, de apoio a pessoas LGBTI vítimas de violência. Logo atrás ficou o Livre, que teve ganhos na promessa para ações de formação sobre direitos humanos e nos programas de habitação pública. Já o PSD conseguiu uma vitória e meia. E o Bloco acabou, também ao cair do pano, por conseguir uma proposta. De mãos a abanar, no primeiro dia, ficaram a Iniciativa Liberal e o Chega.
Já durante a manhã, à hora do debate, a ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, tinha assegurado que o PS vai viabilizar algumas propostas de alteração das “várias bancadas do hemiciclo”, apesar da maioria absoluta. As medidas que acabaram por ser aprovadas foram algumas pequenas bandeiras dos partidos que as propuseram, incluindo a “taxa rosa”, o combate à pobreza menstrual ou à violência contra pessoas LGBTI, formação em direitos humanos ou melhorias na acessibilidade.
Nos parceiros do pós-geringonça, as vitórias foram em medidas que não implicam grande despesa. De facto, os mais vitoriosos, pelo menos para já, são o PAN e o Livre. O partido de Inês Sousa Real pôde gritar vitória numa medida de combate à pobreza menstrual, um dos temas que marcou as votações do Orçamento do Estado para este ano, mas amealhou outras como a “taxa rosa” e o “espaço Gisberta”.
Em relação à menstruação, o Governo fica obrigado a desenvolver, em 2023, um projeto-piloto de distribuição gratuita de bens de higiene pessoal feminina, em articulação com as autarquias locais e organizações não governamentais. Esse piloto inclui a divulgação e o esclarecimento sobre tipologias, indicações, contraindicações e condições de utilização. A medida foi aprovada sem votos contra e com a abstenção do PSD, PCP, Chega e IL. O Bloco de Esquerda tinha uma proposta que pretendia a distribuição gratuita de produtos de recolha menstrual em centros de saúde, escolas, instituições de ensino superior, prisões, e junto de populações socialmente excluídas, mas não conseguiu ir avante com a sua sugestão. Medida que tinha sido chumbada no Orçamento para 2022, altura em que avançaram com propostas nesse sentido PAN, Bloco, PCP e Chega.
PAN vê aprovado projeto-piloto para distribuição gratuita de produtos menstruais
E se até quase ao final da votação neste primeiro dia este parecia ser a única vitória do PAN, os socialistas viriam a mudar o sentido de voto em duas propostas, mesmo antes de os trabalhos encerrarem. Uma delas foi um estudo a apresentar à Assembleia da República sobre o impacto da “taxa rosa” em Portugal, para “estimar as diferenças de preço que os compradores masculinos e femininos enfrentam ao comprar produtos com características semelhantes”. Ou seja, para perceber porque é que os produtos destinados a mulheres são mais caros (portanto, sujeitos à tal “taxa rosa”) do que produtos semelhantes para os homens. Já foram feitos estudos no Reino Unido e nos EUA que apontam para esse diferencial.
Taxa rosa existe em Portugal? É o que se vai saber num estudo aprovado pelo PAN
O PAN também conseguiu a aprovação do espaço Gisberta, um local de atendimento e acompanhamento especializado para respostas integradas de apoio, intervenção e resposta para pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo (LGBTI) “vítimas de violência doméstica e/ou de violência de género, com vista à sua replicação, conforme necessidades apuradas”, a todo o território nacional”, dotado de órgãos de polícia criminal e técnicos com formação específica. Esse espaço terá de ser criado em 2023. O Observador pediu ao PAN um balanço sobre os custos que as medidas do partido aprovadas têm, mas não obteve resposta.
Já o Livre, de Rui Tavares, também um dos mais beneficiados no OE para este ano, foi brindado com um plano de formação em direitos humanos para os funcionários públicos que trabalham no atendimento ao público na administração central, regional e local. Mais concretamente, o Governo terá de criar um plano de formação “profissional certificado” em direitos humanos, que terá de ser “interseccional, incluindo nomeadamente conteúdos sobre deficiência, igualdade de género, pertença étnica, multiculturalidade, LGBTI+, migrações e asilo e vulnerabilidade social”. O Chega votou contra, o PSD absteve-se e os restantes partidos, incluindo o PS, aprovaram.
O Livre fez ainda aprovar, parcialmente, a proposta para o Governo adotar medidas para a formação dos recursos humanos existentes e a integrar assim como os intervenientes nos programas de apoio à construção e acesso a habitação pública. A proposta foi aprovada pelo PS, PCP, Livre e Bloco, com a abstenção do PSD. Ficou por aprovar o reforço dos recursos humanos que o partido de Rui Tavares queria.
Anteveem-se mais cedências ao PAN e ao Livre nos próximos dias. Isso mesmo já foi admitido pelo Governo, que assume acompanhar propostas de combate ao abandono animal ou alargar aos jatos privados a taxa de carbono de dois euros.
PCP, o antigo parceiro que só teve meia medida aprovada
Se a preferência tem ido para os novos parceiros, o PS não esqueceu o PCP. Só que apenas numa medida e somente parcialmente. Muito parcialmente, aprovando apenas um número numa proposta comunista. Esse número obriga o Governo, em 2023, a eliminar a tomar “as medidas necessárias e adequadas para que seja cumprida a legislação sobre acessibilidades e para que sejam progressivamente eliminadas as barreiras arquitetónicas e efetuadas as adaptações necessárias a garantir o acesso às pessoas com mobilidade condicionada”. O objetivo é melhorar a mobilidade para quem tem necessidades especiais. O PCP vai, assim, mais embalado para 2023, já que no Orçamento para 2022 só ao terceiro dia de votações conseguiu ver aprovada uma proposta sua — que acabaria por ser a única aprovada pelos comunistas.
A proposta teve a abstenção da Iniciativa Liberal e garantiu os votos favoráveis de todos os restantes partidos. No entanto, tinha mais dois artigos que foram chumbados. Ou seja, sem luz verde ficou a pretensão para que o Governo proceda até 31 de julho do próximo ano à conceção e operacionalização de um programa de financiamento da adaptação e a eliminação de barreiras arquitetónicas em habitações de pessoas com deficiência com mobilidade condicionada, tendo de ser transferidas verbas para o efeito.
Os comunistas viram também rejeitadas uma série de propostas sobre a reposição do poder de compra na função pública ou na extinção do fator de sustentabilidade que atualmente corta as pensões em cerca de 14%, entre muitas outras. De facto, pelo caminho ficaram várias propostas da oposição relacionadas com suplementos remuneratórios para a função pública, incluindo suplementos de risco. Ou ainda uma proposta do Livre para que o complemento excecional de meia pensão (atribuído aos pensionistas) esteja incluído na base do cálculo das pensões para 2024.
O Bloco também viu ser aprovada uma proposta sua, ao cair do pano, e com a mudança de voto do PS no final das votações. Conseguiu ver aceitada avanços para a concretização da Estratégia Nacional de Compras Públicas Ecológicas, que implica a formação dos funcionários públicos com funções nesta área, divulgação, monitorização, avaliação da inclusão de critérios ambientais, criação de um sistema de acompanhamento do cumprimento e implementação de critérios e divulgação de informação.
PSD consegue medidas de combate à violência contra idosos e ao tráfico de seres humanos
Melhor posicionado ficou o PSD, que recebeu do PS a aprovação de duas medidas (ou uma e meia). Uma delas passou mesmo por unanimidade: o desenvolvimento de uma estratégia de prevenção e combate à violência de idosos. Segundo a proposta, no próximo ano, o Governo terá de desenvolver “estratégias de prevenção e combate à violência contra pessoas idosas, de forma a intervir junto dos destinatários, o mais precocemente possível”.
Terá, por isso, de ser elaborado um “plano intersetorial de formação especializada que será objeto de uma avaliação semestral contendo as recomendações que se considerem necessárias, sendo estas remetidas às entidades competentes para a sua implementação”.
A outra cedência está relacionada com o tráfico de seres humanos, com a inclusão de um artigo que prevê o reforço de meios para a prevenção e combate. Só que a aprovação foi parcial, já que uma das alíneas do artigo foi rejeitada.
O que é que ficou aprovado ao certo? Que em 2023, o Governo tem de promover “as diligências necessárias” para esse reforço, incluindo, melhorar os esforços para “identificar proativamente as vítimas no país”, com formação especializada dos envolvidos, como magistrados, elementos das forças e serviços de Segurança e inspetores da Autoridade das Condições do Trabalho (ACT); a promoção de ações de fiscalização e orientações para a supervisão do trabalho de empresas de recrutamento, nomeadamente para explorações agrícolas, ou a promoção de campanhas de informação para cidadãos imigrantes recém-chegados a Portugal para os informar sobre os riscos de exploração de que podem ser vítimas. Ficou rejeitada a pretensão de se promover a coordenação e centralização da recolha dos dados de tráfico de seres humanos.
PS aprova medidas sobre regiões autónomas
A maioria absoluta permitiu que todas as propostas do PS tivessem luz verde, incluindo sobre os aeroportos da Madeira e da Horta ou a prisão de São Miguel.
Quanto ao aeroporto da Madeira, foi aprovada a proposta para, em 2023, o Governo pedir à ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil que faça um estudo “sobre a implementação de um plano de contingência no aeroporto”, incluindo a utilização do aeroporto do Porto Santo e uma ligação marítima para a Madeira, “definindo concretamente as fontes de financiamento e qual a responsabilidade dos intervenientes”. Apenas o PSD se absteve; todos os outros partidos votaram a votar.
Ainda na geografia das regiões autónomas, o programa Regressar vai ser alargado aos Açores e à Madeira, segundo a proposta do PS que teve abstenção do PSD, PCP e Bloco de Esquerda, e o voto contra da deputada social-democrata pela Madeira, Patrícia Dantas. O PS justifica que é necessária uma clarificação já que as medidas de benefício fiscal e a linha de crédito do Regressar foram aplicadas às Regiões Autónomas, “mas tal não acontece com a Medida de Mobilidade – MAREP”, que visa apoiar o regresso de emigrantes a Portugal.
Sobre o aeroporto, desta vez o da Horta, o PS define que a ampliação da pista vai ser antecipada e que a NAV (Navegação Aérea de Portugal) terá de pagar o projeto. Segundo a medida, o Governo tem de “promover os procedimentos necessários” para a antecipação da ampliação da pista, “de modo a garantir a sua certificação enquanto aeroporto internacional, de acordo com as normas da Agência Europeia para a Segurança da Aviação”. PAN absteve-se, tendo os restantes partidos votado favoravelmente.
Governo dos Açores e Câmara da Horta recusam redução da pista do aeroporto
Na mesma linha, a proposta aprovada prevê, por outro lado, que o Governo comparticipa, através da NAV Portugal, “o pagamento do projeto de execução de ampliação”, com vista ao lançamento do respetivo concurso “a executar nos termos definidos pelo Grupo de Trabalho para o Estudo e Avaliação da Melhoria da pista do Aeroporto da Horta”. Este normativo teve o voto contra do PCP. Todos os restantes partidos votaram favoravelmente.
Há também uma medida aprovada para as prisões de São Miguel e da Horta. Em relação à primeira, o Governo terá de iniciar, em 2023, os procedimentos para avançar a segunda fase da construção do novo estabelecimento prisional, perante os “enormes atrasos verificados no início da execução da primeira fase da obra”. Apenas o PSD se absteve. Também foi aprovado, com abstenção do PSD e sob proposta do PS, a determinação para que o “Governo inicie as obras de conservação, manutenção e requalificação do edifício que alberga a Cadeia de Apoio da Horta”.
Sob proposta do PS, o Governo também terá de implementar o contrato-programa com vista à Capacitação Institucional da Universidade dos Açores, acordado com o Governo Regional dos Açores, Fundação Luso Americana e a Universidade dos Açores.
Além disso, os socialistas fizeram aprovar uma proposta para que as regiões autónomas não sejam prejudicadas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), tendo em conta os prazos curtos para utilização dos meios. O PS realça que “devem ser criados mecanismos que facilitem essa utilização, permitindo avisos nacionais que também respondam às especificidades das regiões e que permitam aprovações de acordo com os requisitos regionais”. A ideia é que haja uma conta-corrente para regularização dos pagamentos do IVA por conta das verbas do PRR e que sejam necessários ao cumprimento das suas metas e objetivos.
No balanço do primeiro dia, PAN teve três propostas aprovadas, Livre e PSD duas, PCP e Bloco uma cada. IL e Chega ficaram a zeros. O PS, claro, aprovará tudo o que propuser, e já fez passar oito alterações. As votações seguem terça-feira, 22 de novembro.
(Notícia atualizada com a proposta aprovada do Bloco, corrigindo a informação de que o partido não tinha conseguido fazer aprovar qualquer proposta)