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PIERRE-PHILIPPE MARCOU/AFP/Getty Images

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Pablo Casado começou "ontem", mas a polémica do mestrado pode deixá-lo sem "amanhã"

Ainda agora chegou ao topo do PP espanhol e já é investigado pela justiça. Pablo Casado tem um mestrado que quase não fez. Polémicas semelhantes já derrubaram políticos na Europa — Portugal incluído.

Quando em dia de festa já se está a pensar na ressaca que o dia seguinte vai trazer, é sinal de duas coisas: que a festa não está a ser grande coisa e que a ressaca vai ser das grandes. Era mais ou menos esse o ambiente no XIX Congresso do PP espanhol quando, a 22 de julho, Pablo Casado, com 57,2% dos votos no bolso, assumiu a liderança do partido.

Não era um dia fácil — nem os anteriores o foram. No início de junho, depois de várias personalidades destacadas no PP e até o próprio partido terem sido condenados no escândalo de corrupção Gürtel, o Governo de Mariano Rajoy foi afastado por uma moção de censura, que o obrigou a ceder a cadeira de Presidente de Governo ao socialista Pedro Sánchez. Dias depois, o homem que liderou os conservadores espanhóis desde 2004 demitiu-se, abrindo o caminho para eleições internas. Nelas, destacaram-se dois nomes: Soraya Sáenz de Santamaría, a ex-número 2 de Mariano Rajoy, que queria um PP ao centro, liberal e moderado; e Pablo Casado, que defendia um partido mais à direita, conservador e aguerrido. Sem surpresa, a disputa foi acesa.

No discurso de vitória, Casado procurou sarar feridas. “Só vos peço uma coisa: não perguntem a ninguém em quem votou. Votámos todos no Partido Popular e todos vocês ganharam”, disse. Assunto arrumado.

O XIX Congresso do PP, em que Pablo Casado, aconteceu num momento de crise aguda no partido, com o caso Gürtel e a moção de censura que derrubou Mariano Rajoy (PHILIPPE MARCOU/AFP/Getty Images)

PHILIPPE MARCOU/AFP/Getty Images

E, já que dava o assunto por arrumado, o novo líder decidiu arrumar também o seu discurso parafraseando “O Deus Ibero”, de Antonio Machado. Um poema que começa por falar de uma Espanha desesperada, sem norte, para depois terminar a falar com entusiasmo do futuro que se segue. Foi com esse tom que Pablo Casado, já no fim do seu discurso, citou o verso: “Nem o ontem nem o amanhã estão escritos”.

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O problema de Pablo Casado é que o seu “ontem” não só está escrito como pode alterar por completo o texto do seu “amanhã”. O “ontem” que Pablo Casado não referiu no discurso, e cujo assombro terá levado muitos a festejar de sorriso amarelo, por adivinharem a ressaca que viria, começa em 2008: o ano em que, enquanto jovem deputado do PP na assembleia regional de Madrid, se matriculou no mestrado em Direito Autonómico e Local da Universidade Juan Carlos I de Madrid, com privilégios especiais.

O curso que não “pareceu estranho” — mas que a justiça investiga

Fazia todo o sentido: Pablo Casado, um jovem que subia no PP como um meteorito, podia ali aprofundar as suas bases em Direito, área na qual se licenciou, em particular na sua área de intervenção como deputado regional. O que fez menos sentido, porém, foi a maneira como fez o curso: entregou apenas quatro dos 90 trabalhos exigidos e assistiu somente às aulas de quatro das 18 cadeiras previstas naquele curso. Ainda assim, ficou com o título de mestre em Direito Autonómico e Local.

O mestrado fictício que está a criar um problema bem real para o partido de Rajoy

O escândalo rebentou em abril, um mês depois de outro, com Cristina Cifuentes, então presidente do governo regional de Madrid e figura destacada do PP, com contornos em muito semelhantes. Também naquela universidade e naquele mestrado, Cristina Cifuentes recebeu um diploma que agora as autoridades investigam. Isto porque, apesar de não se lhe conhecer nenhum trabalho de fim de curso, Cristina Cifuentes foi aprovada com a assinatura de três professores — entre os quais, duas dizem não ter estado presentes, indiciando que as suas assinaturas foram forjadas pelo terceiro membro do júri, o diretor do mestrado, Enrique Álvarez Conde. Um mês depois de as primeiras notícias saírem, Cristina Cifuentes demitiu-se.

A gota de água que entornou o copo da presidente do governo regional de Madrid não foi o mestrado, mas antes um vídeo onde era apanhada a roubar cremes — mas foi no caso de mestrado que foi constituída arguida, estando agora a aguardar julgamento.

Quando chegou a vez de Pablo Casado responder pela sua polémica, à altura em que as alegadas irregularidades do seu mestrado foram divulgadas, o jovem político disse: “Fiz o que me foi pedido, não me pareceu estranho. Se houve algo que não foi feito de forma correta, desconheço-o”. Na altura, o PP nem sonhava que ia ser empurrado para fora do Governo pelo PSOE, que atravessava um dos seus piores momentos. Mas foi. E, mesmo com este caso a pender-lhe sobre a cabeça, Pablo Casado avançou — e, já sabemos, tornou-se líder do partido.

“Fiz o que me foi pedido, não me pareceu estranho. Se houve algo que não foi feito de forma correta, desconheço-o."
Pablo Casado, a 12 de abril, na primeira vez que reagiu à polémica do mestrado

Durante todo esse tempo, Casado foi investigado. A juíza de instrução responsável pelo caso, Carmen Rodríguez-Medel, por não ter poder de o julgar — ao contrário de Cristina Cifuentes, que se demitiu, Pablo Casado tem imunidade, uma vez que é deputado —, escreveu, ainda assim, uma recomendação ao Tribunal Supremo para que este constituísse Pablo Casado como arguido.

A recomendação foi tudo menos simpática para o líder popular — e, além de não poupar a Universidade Rei Juan Carlos I, fez também uma menção velada ao PP. A magistrada escreveu que Pablo Casado apresentava “indícios de responsabilidade penal” e sublinhou como ficou “indiciariamente demonstrado” que o mestrado era utilizado como “prenda ou benefício”. Tudo para beneficiar alunos “com uma posição relevante no âmbito político, institucional ou que mantinham vínculos estreitos de amizade ou de caráter profissional” com o diretor do curso.

"Se se demonstrar que o PP e a sua cúpula andou a comprar mestrados àquela universidade, o problema é de Casado, sim, mas também de todo o partido.”
Jorge Galindo, politólogo espanhol

O Tribunal Supremo só vai começar a estudar o caso de Pablo Casado em setembro. Até lá, e à medida que os dias passarem, é provável que o tema do mestrado do líder do PP se torne cada vez mais presente. Se for constituído arguido, Pablo Casado será o primeiro líder partidário nessa condição, em Espanha. No entanto, a nódoa não ficará só na sua camisa.

“Isto não diz respeito só a ele, é muito mais complexo do que isso”, sublinha ao Observador o politólogo espanhol Jorge Galindo. “O que está aqui em causa é a relação entre o departamento de direito público da Universidade Rei Juan Carlos I e o PP de Madrid, o que diz respeito, por extensão, ao PP nacional. Se se demonstrar que o PP e a sua cúpula andou a comprar mestrados àquela universidade, o problema é de Casado, sim, mas também de todo o partido.”

Sócrates, Relvas e tutti quanti, ou como os cursos falsos se banalizaram entre os líderes europeus (e lhes trouxeram alguns problemas)

Pablo Casado não é caso único — nem Espanha é o único país a colecionar, nos últimos anos, casos de políticos de topo cujos currículos levantam mais dúvidas do que certezas. No caso específico da Europa, têm até sido vários os casos recentes de detentores de cargos públicos que ora mentiram no seu currículo, ora obtiveram graus académicos de forma pouco clara.

Fora de Espanha, o mais recente pertence ao primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte. Quando o seu nome era ainda apenas uma proposta do Movimento 5 Estrelas, passível de ser aprovada ou rejeitada pelo Presidente, Sergio Mattarella, o currículo de Giuseppe Conte foi posto em causa. Desconhecido dos italianos, aquele homem que lhes foi apresentado como um académico de reputação internacional esticava, afinal, a verdade — e nos piores casos chegava a mentir — sobre a sua passagem como aluno e também professor em sítios como a Universidade de Nova Iorque, a Sorbonne, Cambridge, o International Kultur Institut (Viena) e a Universidade de Malta. Ainda assim, este tropeção não o fez cair e a 1 de junho tornou-se primeiro-ministro de um dos governos mais disruptivos da História recente de Itália.

Entre 2011 e 2015, quatro ministros de Angela Merkel foram acusados de plágio. Karl-Theodor zu Guttenberg, ex-ministro da Defesa, foi o primeiro (JOHN MACDOUGALL/AFP/Getty Images)

JOHN MACDOUGALL/AFP/Getty Images

Na Alemanha, Angela Merkel teve de lidar com vários ministros acusados de plágio em teses académicas — mas as consequências não foram as mesmas para todos.

O primeiro caso a ser exposto foi o de Karl-Theodor zu Guttenberg, ministro da Defesa entre 2009 e 2011, ano em que se demitiu. Aconteceu tudo muito depressa. No dia 15 de fevereiro o ministro foi confrontado pelo Süddeutsche Zeitung com as alegações de plágio na sua tese de doutoramento pela Universidade de Bayreuth. A 16 de fevereiro, apresentou a demissão; Angela Merkel, que inicialmente resistiu em aceitá-la, acabou por ceder a 1 de março, quando a universidade retirou o título académico ao seu ministro.

Depois, em fevereiro de 2013, foi a vez da ministra da Educação, Annette Schavan, a quem a Universidade de Düsseldorf retirou o título de doutora, após ter investigado a sua tese de doutoramento. Entre os 12 membros do painel responsável pela avaliação da tese, datada de 1980, 10 votaram a favor da anulação do título académico, referindo que a ministra recorreu ao plágio “sistemática e intencionalmente”. Annete Schavan, que dois anos antes tinha criticado o seu antigo colega de executivo Karl-Theodor zu Guttenberg, negou as acusações que lhe fizeram. Ainda assim, apresentou a sua demissão.

Mas nem sempre os casos de plágio entre os ministros de Angela Merkel levaram a demissões. Também em 2013, o então ministro dos Negócios Estrangeiros e atual Presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, foi acusado de plágio na sua tese de doutoramento — acusações essas que negou. Mais tarde, a Universidade de Giessen, onde escreveu a tese em 1991, determinou que havia “debilidades técnicas” no seu trabalho de final de curso, mas não encontrou provas de “má conduta académica”. Em 2015, foi a vez da atual ministra da Defesa, Ursula von der Leyen. Confrontada com acusações de plágio na sua tese, pela Universidade Médica de Hanover, a ministra da Defesa rejeitou-as. Um ano depois, sete em oito membros de um painel de peritos reunidos por aquela universidade determinaram que não havia plágio na tese, apesar de lhe apontarem “falhas óbvias”. O reitor argumentou que tudo não passava de “um erro e não de má conduta”.

A primeira grande polémica de Sócrates enquanto primeiro-ministro foi a da licenciatura na Universidade Independente. Em 2015 a licenciatura foi considerada ilegal (NUNO FOX/LUSA)

NUNO FOX/LUSA

Em Portugal, tem havido de tudo um pouco, entre negações rotundas e demissões mais ou menos relutantes.

O primeiro caso de grande destaque diz respeito ao ex-primeiro-ministro José Sócrates. Naquele que, anos mais tarde, viria a ser apenas um entre os vários casos onde constava o nome do político socialista, José Sócrates viu o seu percurso académico ser posto em causa num artigo do Público, em 2007. Aquele jornal referia que o dossier da licenciatura em Engenharia Civil do então primeiro-ministro, na Universidade Independente (para a qual se transferiu depois de estudar no ISEL), tinha “várias falhas”, entre as quais “documentos por assinar ou sem data, timbre ou carimbo”, além de haver “elementos contraditórios” quanto às notas que lhe foram atribuídas. A maior suspeita recaiu sob o exame a Inglês Técnico.

No certificado de habilitações de José Sócrates, a data de conclusão do curso era de 8 de agosto de 1996 — mas a avaliação da disciplina de Inglês Técnico, cuja aprovação seria essencial para terminar a licenciatura, datava de 26 de agosto do mesmo ano. Depois desta revelação, a Universidade Independente referiu que tudo não passava de uma falha administrativa, explicando que a verdadeira data de conclusão do curso não foi 8 de agosto mas sim 8 de setembro. O problema é que esse dia foi um domingo — um dia pouco usual para essa prática administrativa, apesar de a Universidade Independente ter insistido que era “normal”.

Depois de as primeiras suspeitas terem sido levantadas, José Sócrates deu uma entrevista à RTP onde dizia que se sentia “perfeitamente à vontade” na “pele de primeiro-ministro” e que não estava “nada fragilizado” pelo caso da sua licenciatura. Tudo isto porque, como sempre viria a manter, negou haver qualquer irregularidade. “Rejeito todas as insinuações”, disse na altura.

A queda de Sócrates começou aqui. As escutas do curso mal explicado

Vários anos volvidos, porém, e já com José Sócrates como arguido na Operação Marquês, o Ministério Público (MP) determinou que a conclusão do curso de José Sócrates na Universidade Independente era ilegal — numa decisão que abarcava as licenciaturas de oito ex-alunos daquela universidade, que o MP dizia estarem “feridas de nulidade”. Ainda assim, o MP decidiu não pedir a anulação da licenciatura de José Sócrates, alegando que, além de ter passado muito tempo desde os factos, o próprio Governo da altura teve uma “conduta notoriamente omissiva” no que tocava à fiscalização das práticas daquela universidade.

No certificado de habilitações de José Sócrates, lia-se que o ex-primeiro-ministro tinha acabado o curso em 8 de agosto de 1996, mas a avaliação a uma das cadeiras só foi lançada a 26 de agosto. A Universidade Independente disse que era uma falha administrativa e disse que, na verdade, o curso tinha sido terminado a 8 de setembro de 1996 — um domingo.

Ainda em Portugal, o caso de Miguel Relvas também fez estragos. As primeiras notícias foram em julho 2012 e apontavam que Miguel Relvas, à altura ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares do governo de Pedro Passos Coelho, tinha concluído o curso de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Lusófona em apenas um ano, quando o plano de estudos, com 36 cadeiras, apontava para uma duração mínima de três.

Depois, foi noticiado que Miguel Relvas foi avaliado apenas em quatro das 36 cadeiras, tendo recebido equivalências nas restantes 32, depois de o reitor, Fernando Santos Neves, e o professor José Feliciano terem chegado à conclusão que o percurso profissional do ministro valia 160 dos 180 créditos da licenciatura. Entre os elementos apresentados por Miguel Relvas para obter essas equivalências, estava o seu percurso como consultor em empresas, a sua passagem como secretário de Estado no Governo de Durão Barroso ou o seu historial como deputado — mas, mais inesperadamente, Miguel Relvas também beneficiou do facto de ter sido presidente de Associação de Folclore da Região de Turismo dos Templários para obter equivalências académicas. Além disso, na cadeira de Introdução ao Pensamento Político Contemporâneo, a única avaliação que Miguel Relvas teve consistiu na discussão com o reitor de artigos de opinião assinados pelo social-democrata na imprensa.

O ministro negou irregularidades e garantiu que sempre norteou a sua vida “pela simplicidade da procura do conhecimento permanente”.

“O currículo é público. Apresentei essa candidatura, recebi a decisão. Foram estas, poderiam ter sido mais cadeiras. Nunca norteei a minha vida por esse objectivo [de ter uma licenciatura], norteei a minha vida pela simplicidade da procura do conhecimento permanente. Sou uma pessoa mais de fazer do que de falar.”
Miguel Relvas, a 12 de julho de 2012, reagindo pela primeira vez às notícias sobre o seu curso

O caso pesou no Governo de Pedro Passos Coelho, que tinha em Miguel Relvas um compagnon de route de longa data. À altura, começavam a surgir relatos de tensão até dentro do próprio executivo. Pouco depois de o caso ser tornado público, em julho de 2012, o ministro da Educação, Nuno Crato, pediu à Inspeção-Geral de Educação e Ciência (IGEC) que fizesse uma auditoria à Universidade Lusófona — a investigação não foi justificada pelo caso de Miguel Relvas, mas o timing não foi por acaso. Também a própria universidade lançou uma auditoria interna para apurar responsabilidades.

O tempo arrastou-se até 3 abril de 2013, quando Miguel Relvas era um ministro desgastado por várias polémicas. Nesse dia, Nuno Crato criticou a auditoria interna da Universidade Lusófona, referindo que “não se reconhece a existência de um verdadeiro processo de observação independente”. No dia seguinte, a 4 de abril, a IGEC propunha que fosse anulado o grau de licenciatura a Miguel Relvas. No próprio dia, o ministro apresentou demissão. “Saio por entender que já não tenho condições anímicas”, justificou.

O caso não ficaria por aí. No currículo de Miguel Relvas constavam duas cadeiras — Teorias Políticas Contemporâneas I e II — que na verdade tinham sido retiradas do plano de estudos daquela licenciatura antes de o social-democrata se ter matriculado na Universidade de Lusófona. Além disso, o facto de a avaliação da cadeira de Introdução ao Pensamento Político Contemporâneo — a tal que foi feita pela discussão de artigos de opinião de Miguel Relvas — ter sido feita pelo reitor da universidade e não pelo professor responsável pela cadeira também não foi bem vista pela justiça. No final de contas, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa considerou nulo o grau de licenciado do ex-ministro.

A polémica do curso de Miguel Relvas começou em julho de 2012, mas o homem de confiança de Passos Coelho só se demitiu em abril do ano seguinte (PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images)

PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images

Mais recentemente, foi também divulgado o caso de Feliciano Barreiras Duarte, ex-secretário de Estado adjunto de Miguel Relvas e, à altura da polémica, recém-eleito secretário-geral do PSD, na equipa de Rui Rio. Inicialmente, esteve em causa o facto de o social-democrata ter incluído no seu currículo durante vários anos o cargo de “visiting scholar” na Universidade de Berkeley, nos EUA, apesar de não haver registos da sua passagem naquela instituição.

O facto de a sua falsa passagem pela Universidade de Berkeley ter sido usada como justificação para ser dispensado de frequentar as aulas de doutoramento levou a que, na Universidade Autónoma de Lisboa, chegasse a ser ponderada a obrigação de o social-democrata ter, afinal, de cumprir a componente letiva. No entanto, isso não foi necessário, já que Feliciano Barreiras Duarte acabou por desistir do curso.

O caso da fraude no currículo — a acrescer à notícia do Observador, que apurou à altura que apesar de ter casa em Lisboa o deputado social-democrata recebia um subsídio de deslocação como se vivesse no Bombarral — acabou por levar Feliciano Barreiras Duarte a apresentar a sua demissão de secretário-geral do PSD a Rui Rio. “Face à violência inusitada dos ataques e aos efeitos para mim e para a minha família, atingimos o limite”, disse, acrescentando que a sua demissão era “irrevogável”.

Casado pode não perder nos tribunais, mas será difícil ganhar na política

Os ritmos da justiça não coincidem com os da política. Se a primeira não pede licença para se demorar, a segunda avança a um ritmo frenético, dando lugar a uma sucessão de reviravoltas inesperadas. E, quanto a estas, a maior a ter lugar neste momento em Espanha diz respeito à subida em flecha do PSOE nas sondagens, ao mesmo tempo que o PP afunda para aquele que, a confirmar-se nas urnas, seria o seu pior resultado de sempre.

No mais recente barómetro do CIS, publicado a 2 de agosto, quando Pedro Sánchez contava dois meses no poder, o PSOE subiu de terceiro, com 22%, para primeiro, com 29,9%. Em contraste, o PP caiu de primeiro, com 24%, para segundo, com 20,4%.

A sondagem revelava ainda que os espanhóis tinha uma apreciação negativa do desempenho do PP na oposição — ou seja, do papel de Pablo Casado contra Pedro Sánchez. Ao CIS, 31,1% dos inquiridos disse que a oposição do PP era “má” e 23,1% respondeu até que era “muito má”. “Normal” foi a escolha de 22,8% e apenas 6,5% respondeu “boa” ou “muito boa”.

Desde Pedro Sánchez subiu ao poder, o PSOE subiu em flecha para o primeiro lugar nas sondagens com 29,9% — e ao PP prevê-se o pior resultado da sua história: 20,4% (GABRIEL BOUYS/AFP/Getty Images)

GABRIEL BOUYS/AFP/Getty Images

Parece, pois, que o estilo de Pablo Casado não agrada tanto aos espanhóis quanto o próprio desejaria. Preocupado em afastar o PP do centro e em puxá-lo para a direita, o líder dos conservadores espanhóis deixou isso claro quando o governo de Pedro Sánchez decidiu receber em Espanha os navios das ONG Aquarius, Open Arms e Lifeline, que levavam a bordo centenas de refugiados que tinham sido recusados por Itália e Malta. “Não é possível que haja documentos para todos e que Espanha possa absorver milhões de africanos”, disse Pablo Casado, no final de julho. Este ano, que tem sido de queda da entrada de requerentes de asilo na Europa, aumentou, ainda assim, o número de chegadas a Espanha, atualmente perto dos 32 mil.

No El País, uma fonte da direção de Pablo Casado explicou que a guinada à direita deste no PP não surge apenas por razões ideológicas, mas também por ser uma questão de estratégia. A tese é a de que, com um PSOE mais chegado à esquerda e com um PP mais à direita, a mensagem de cada um dos partidos fica mais clara. E, dessa forma, quem sofre é o Ciudadanos, de centro, por enviar sinais mistos ao eleitorado. “Cada um ocupa o seu terreno. Nós temos de nos concentrar no Ciudadanos e nas causas com que eles cresceram. Porque o PP deixou um grande espaço em temas basilares, sobretudo na Catalunha, a unidade de Espanha e a baixa de impostos, que são as nossas marcas de identidade”, disse aquela fonte ao El País.

Neste contexto, o próprio Pablo Casado já fez questão de dizer, sem rodeios, que quer voltar aos dias do bipartidismo. “Eu quero voltar a um modelo bipartidista imperfeito, no qual o PSOE e o PP garantem a alternância e a estabilidade política em Espanha”, disse o novo líder do PP.

O politólogo Jorge Galindo olha para esta pretensão de forma cética. “O que se passou nos últimos quatro anos em Espanha já nos deveria ter ensinado a todos que os votos se fragmentaram de formas diferentes”, diz. “Além das linhas ideológicas, há agora também linhas geracionais, com eleitores que saíram do PSOE fora para o Podemos e outros que foram do PP para o Ciudadanos.”

“No dia em que ele for constituído arguido pelo Tribunal Supremo, se esse dia chegar, rapidamente a oposição interna que ele tem vai montar uma coligação anti-Casado. É evidente que Pablo Casado não conseguiu unir o partido e, por isso, há pessoas dispostas a atacar assim que vejam que a cúpula está débil.”
Jorge Galindo, politólogo espanhol

E continua, referindo que na atual dinâmica política de Espanha “é impossível governar sem ter de negociar” com outros partidos — e que isso só deixaria de ser necessário no caso improvável de esta mesma dinâmica vir a alterar-se. “Temos de assumir, incluindo dentro dos partidos, que vivemos numa Espanha multipartidista, em que as margens em que cada partido se move são menores”, diz Jorge Galindo. Por isso, por mais que prometam resultados “à antiga” ao seu eleitorado, muito dificilmente os terão. “Todos os partidos já prometeram isso e depois falharam. Primeiro foi o Podemos, depois foi o Ciudadanos, a seguir foi o PSOE e agora muito possivelmente vai ser o PP. Primeiro, criaram expectativas e depois veio a desilusão.”

Em 2019, o ciclo eleitoral recomeça em Espanha. Em março, escolhe-se o governo regional da Andaluzia, a região com mais população do país. E a 26 de maio, os espanhóis vão às urnas em dose dupla, votando nas autárquicas e no Parlamento Europeu.

Até lá, Pablo Casado terá muitas dores de cabeça — mas dificilmente alguma lhe causará tanto incómodo, como só acontece nas ressacas mais fortes, como o caso do mestrado. Até porque, garante Jorge Galindo, quando esse dia chegar, o principal desafio não vai ser o de manter o eleitorado do PP (“quem estava disposto a ir-se embora já o fez, com o caso Gürtel”), mas antes de manter a casa em ordem.

“No dia em que ele for constituído arguido pelo Tribunal Supremo, se esse dia chegar, rapidamente a oposição interna que ele tem vai montar uma coligação anti-Casado. É evidente que Pablo Casado não conseguiu unir o partido e, por isso, há pessoas dispostas a atacar assim que virem que a cúpula está débil”, refere o politólogo. Ao contrário do que dizia o poeta Antonio Machado, o “ontem” parece já estar mesmo escrito — e já há quem vá escrevinhando, nas costas de Pablo Casado, o “amanhã”.

Entre as pessoas dispostas a avançar em caso de fracasso de Casado está, muito provavelmente, Soraya Sáenz de Santamaría. “Ainda não demos nada por perdido”, disse uma fonte próxima da ex-vice-Presidente ao El Español. Para já, a mulher que Pablo Casado derrotou em julho está em modo de espera, adiantou a mesma fonte: “Esperar, esperar, sobretudo para ver o que se passa com o mestrado”.

De acordo com o El Español, que falou com fontes próximas a Soraya Sáenz de Santamaría, a ex-vice-Presidente está a "esperar" para ver "o que se passa com o mestrado"(PHILIPPE MARCOU/AFP/Getty Images)

PHILIPPE MARCOU/AFP/Getty Images

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