Num momento em que a tensão aumenta no leste da Europa e em que o presidente russo, Vladimir Putin, reconheceu os territórios separatistas Donetsk e Lugansk, na região de Donbass, os partidos portugueses começam reagir. Há um grande consenso quanto a condenar a posição russa, com a exceção do PCP e do seu parceiro de CDU, o PEV.

A demonstração de preocupação com um iminente conflito armado é unânime, mas há visões distintas sobre a atual situação: o PCP é o único partido com assento parlamentar na nova Assembleia da República que culpa diretamente os EUA e a NATO por promoverem uma “perigosa estratégia de tensão” que pode provocar um conflito de larga escala. Já o Bloco de Esquerda — que tem uma divergência pública sobre a integração de Portugal na NATO — tem em conta que a história não começa agora, mas condena a posição de Putin e apela a soluções diplomáticas.

Outra das grandes dúvidas estava no posicionamento do Chega perante a situação. Sabe-se que a Rússia apoia vários partidos de extrema-direita na Europa, nomeadamente forças políticas que pertencem ao Partido Identidade e Democracia (ID) — a família europeia de que o partido de André Ventura faz parte — mas esta proximidade ao regime russo não é consensual. O líder do Chega aproximou-se dos partidos que defendem o bloco ocidental, ao pedir uma “posição firme e conjunta” à União Europeia para resolver o conflito.

É tradição que os partidos se pronunciem na Assembleia da República nestas circunstâncias, nomeadamente com votos de condenação e/ou de louvor, mas o facto de o Parlamento estar dissolvido e de ainda não ter havido tomada de posse dos novos deputados — devido à necessidade de repetição das eleições no círculo da Europa — atrasará essa votação, provavelmente, para uma das primeiras sessões.

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O dia em que Vladimir Putin matou os Acordos de Minsk — e abriu a porta a uma possível guerra

Apesar de o PS ainda não ter feito nenhuma comunicação oficial sobre o conflito, António Costa utilizou o Twitter, pouco depois da comunicação de Vladimir Putin e na qualidade de primeiro-ministro, para condenar “veementemente” a reconhecimento russo das duas regiões separatistas, dizendo que este “viola claramente os acordos de Minsk e põe em causa a integridade territorial da Ucrânia”.

A posição Bloco de Esquerda sobre a NATO é a mesma há muito tempo, mas Catarina Martins fez questão de a sublinhar à saída da reunião com António Costa, na reunião em que o primeiro-ministro ouviu os partidos com assento parlamentar (à exceção do Chega): “É conhecida e é pública a divergência que o Bloco de Esquerda tem sobre a integração [de Portugal] na NATO.”

A coordenadora do BE opôs-se à presença de tropas portuguesas nos contingente da NATO que sejam envolvidos no conflito entre a Rússia e a Ucrânia e, ainda antes da decisão de Putin sobre os territórios separatistas, apontou para a necessidade de resolver a situação através da “via diplomática“, com Portugal a “não dever participar numa escalada de guerra na região”.

No dia em que Vladimir Putin fez uma declaração pública que abriu espaço ao avançar de tropas para o território ucraniano, Mariana Mortágua, no programa Linhas Vermelhas da SIC Notícias, admitiu que se trata de uma “ação agressiva que revela o pendor imperialista e expansionista” do presidente russo, mas recusou ‘fechar os olhos’ à história: “O que eu não faço é achar que a história começa ontem. Não começa, é longa, tem causas e vários capítulos para resolver.”

A deputada bloquista considera importante “perceber o que as potências europeias ou americanas poderiam ter feito para que este conflito não pudesse acontecer”, bem como perceber “se a atitude dos EUA ou da NATO foi ou não responsável para escalar este conflito”.

Sem uma reação oficial, o Bloco de Esquerda remeteu uma reação para as declarações de Luís Fazenda à TSF, em que o dirigente condena a “onda imperialista da Rússia” e a atitude de Vladimir Putin sobre os territórios imperialistas.

“Nós só podemos condenar o reconhecimento da independência das repúblicas separatistas na Ucrânia. O processo de paz obrigaria a uma via diplomática, um diálogo político, real e concreto, e não propriamente extremar as posições. A Rússia fê-lo. Isso é absolutamente condenável e esperamos que esta escalada não continue. Há que encontrar o espaço para a via diplomática e para minimizar aquilo que possam ser escaladas de guerra”, referiu.

Por outro lado, o Bloco considera ainda fundamental que “a Europa ganhe o seu espaço neste contexto” por acreditar que este “está a ser um teste”, ao sublinhar que “quer a França, quer a Alemanha, quer outros países estão a tentar essa via diplomática, de modo a amortecer esta escalada de tensões que pode ter um desfecho muito negativo”.

Joana Mortágua, no Twitter, sugeriu que a posição do Bloco de Esquerda é “clarinha como água”, mas insistiu que “o imperialismo norte-americano e outras potências europeias enveredaram por políticas belicistas através da sua mão armada, a NATO, que pretende alargar-se cada vez mais à escala global”, ao realçar que “o cerco à Rússia faz parte dessa estratégia de domínio global”. Ainda assim, ressalvou, o país presido por este Putin “deve respeitar a integridade territorial da Ucrânia”.

PCP culpa EUA, NATO e Ucrânia por “perigosa estratégia de tensão”

O PCP mantém-se como o partido português mais distante da posição do bloco ocidental (e da UE), ao culpar os EUA e a NATO pela “escalada” do conflito. As ligações ao regime russo são conhecidas — ainda que o partido comunista russo já esteja na oposição — mas o partido liderado por Jerónimo de Sousa responsabiliza os norte-americanos e a NATO pela “perigosa estratégia de tensão e propaganda belicista”.

Para o Comité Central, a explicação para a tensão recente são “décadas de política de tensão e crescente confrontação dos EUA e da NATO contra a Federação Russa, nos planos militar, económico e político, em que avulta o contínuo alargamento da NATO” e a proximidade dos seus meios e contingentes militares das fronteiras russas.

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O PCP puxa aliás o filme atrás, até 2014, para classificar a deposição do então presidente ucraniano, pró-Rússia, como um “golpe de Estado” promovido pelos EUA, a NATO e a UE, “protagonizado por grupos fascistas e que levou à imposição de um regime xenófobo e belicista, cuja violenta ação é responsável pelo agravamento de fraturas e divisões, pela discriminação e negação de direitos fundamentais
e de cidadania da população, e pela deflagração da guerra naquele país”.

Acusando a Ucrânia de nunca ter cumprido os acordos de Minsk — os mesmos que Putin rasgou agora, com a declaração de independência sobre as duas “repúblicas populares” — o PCP responsabiliza a Ucrânia por “constantes violações do cessar-fogo”, “sucessivas provocações” e por “uma massiva concentração de forças militares junto à linha de demarcação”, garantindo que é a Ucrânia, e não a Rússia, que ameaça “lançar uma ação militar em larga escala nessa região”.

“A decisão agora assumida pela Federação Russa não pode ser olhada à margem desta conjuntura e dos seus desenvolvimentos”, justifica o PCP, enquanto apela ao “desanuviamento” e ao “processo de diálogo com vista a uma solução pacífica para o conflito”, associando aos EUA, NATO e UE a tal “perigosa estratégia de tensão e propaganda belicista”.

O PEV posiciona-se ao lado do PCP e culpa a NATO de ser um “promotor da guerra e da indústria militar servindo os princípios expansionistas e imperialistas dos EUA” e de procurar a “existência permanente de conflitos numa lógica de guerra interminável“.

“Desde a dissolução da União Soviética que a NATO, liderada pelos EUA, tem encontrado espaço para expandir os seus territórios, aumentar o número de membros e apertar cada vez mais o cerco à Rússia”, acusam Os Verdes, ao referir que a Ucrânia vive no “limiar de um conflito de interesses económicos, militares e territoriais entre EUA, NATO e União Europeia de um lado e a Rússia do outro”.

Em comunicado, o PEV condenou ainda o Governo português por aquilo a que chama “alinhamento com as políticas belicistas e expansionistas da NATO e dos EUA”.

PSD, Chega e IL condenam Rússia e pedem clareza na resposta

Ainda a tensão não tinha tomado as proporções que são conhecidas ao dia de hoje quando Rui Rio se colocou ao lado de António Guterres. No Twitter, o líder social-democrata considerou que “não pode haver outra via que não a diplomática, para lá do respeito pela integridade territorial de todos os países”.

Já esta terça-feira, Rui Rio voltou às redes sociais para deixar claro que “a Rússia tem de ser condenada”. O presidente do PSD recordou que faz parte de uma geração que “viveu a Guerra Fria e o pesadelo da Destruição Mútua Assegurada, uma geração que sonhou no dia da queda do muro de Berlim”. “Esta é a hora em que a Rússia tem de decidir ser quer regressar ao pesadelo ou abraçar a paz”, concluiu.

Esta manhã, em comunicado, o PSD condenou a decisão da Rússia em reconhecer a independência das autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk. O partido liderado por Rui Rio disse tratar-se de uma “violação do direito internacional, dos acordos de Minsk e do princípio do respeito pela integridade territorial dos Estados”.

“Nenhuma ordem internacional pode subsistir quando os Estados se sentem livres para colocar em causa a soberania de outros Estados e para alterar as fronteiras pela força”, pode ler-se na nota, em que o PSD realçou também a defesa da diplomacia e a “solução pacífica dos conflitos”.

“É preciso evitar uma ainda maior escalada da situação, mas a comunidade internacional tem de deixar bem claro que há punições para que quem não cumpre as normas e as leis internacionais”, referiu ainda o PSD, concordando com a decisão da UE de “impor novas sanções à Rússia”.

Para a Iniciativa Liberal está em causa um “momento em que não podem existir hesitações” pelo facto de a Rússia estar a procurar “uma agressão territorial imperialista de grande escala com justificações étnicas/racistas”.

“Os governantes russos têm medo da democracia liberal a crescer às suas portas. (…) A agressão expansionista é uma tentativa desesperada dos governantes de um Estado em declínio manterem-se no poder. A agressão russa é um ataque aos valores da democracia liberal”, escreveu o partido liderado por João Cotrim Figueiredo.

Condenando “as mais recentes violações do Direito Internacional e da soberania da Ucrânia por parte da Rússia” e manifestando “total solidariedade” ao povo ucraniano e aos “40 mil cidadãos ucranianos que residem atualmente em Portugal”, a IL exortou o Governo e todos os partidos a assumirem “uma posição igualmente clara nesta matéria”.

Uma posição idêntica, com um pedido de clareza, tomou o Chega — o partido português que faz parte da família europeia do Partido Identidade e Democracia (ID), em que estão integradas forças políticas alegadamente apoiadas financeiramente pelo regime russo e com ligações a Vladimir Putin, como é o caso da Frente Nacional, de Marine Le Pen, ou da Liga, de Matteo Salvini.

André Ventura, numa declaração enviada aos jornalistas, falou pela primeira vez sobre o conflito e mostrou estar ao lado do bloco ocidental que se tem posicionado a favor da Ucrânia. O líder do Chega pediu que os políticos portugueses apresentem uma “posição clara” relativamente ao conflito e que a União Europeia tome uma “posição firme, conjunta e forte”, considerando que “a atitude da maior parte dos países europeus, incluindo Portugal, tem sido fraca e frouxa”.

“As atitudes da Rússia, que ontem se materializaram em atos concretos de natureza militar e na criação de uma nova narrativa que viola claramente o direito internacional e a soberania de um território, não devem ficar impunes nem devem ser ignorados pelos políticos em toda a Europa”, alertou o líder do Chega, que insta a Rússia a “resolver diplomaticamente a questão com a Ucrânia e parceiros europeus”.

“Não é assim que vamos conseguir resolver o conflito na Ucrânia. Se não conseguirmos transmitir uma mensagem de força, determinação e firmeza por parte da UE este conflito pode escalar e não ter um fim à vista”, acrescentou André Ventura.