Comentador, cronista, consultor do Presidente da República para a área da Cultura, editor de uma coleção de poesia. Pedro Mexia é tudo isto, mas é poeta. Talvez antes de tudo isto. Tem publicadas duas antologias de poesia em Portugal e uma terceira no Brasil. Foi aos 27 anos que colocou pela primeira vez poemas em livro e lança agora, aos 51, os seus Poemas Reunidos (ed. Tinta da China). Há nestas páginas um pequeno poema que sintetiza em muito o seu trabalho – o tempo e a memória, as referências literárias (Camões, Camilo, Ibsen [dramaturgia], Cesare Pavese, Wallace Stevens, James Joyce), e cinematográficas (A Doce Vida, A Ultrapassagem, Taxi Driver, Fúria de Viver), a experiência e a não-experiência, a carga imagética do não-dito, a necessidade do distanciamento emocional e da postura analítica. Chama-se A Banhista de Pavese:
“A juventude morre
a consciência vivifica
De fora do tempo
vem uma imagem
comum e inatingível:
a entrada da piscina
lá onde uma rapariga é já
E quando ela regressa
à tona, o que vemos?
Que a diverte não a malícia,
mas um frio agradável, fugaz.”
Porquê uma terceira antologia agora, depois de uma segunda publicada em 2021?
Na verdade, os três livros são completamente diferentes. As outras duas são simplesmente antologias, são o resultado do que fui publicando. Publiquei um livro em edição de autor, publiquei três ou quatro em editoras que já acabaram, e, portanto, os livros originais não eram fáceis de encontrar. Por duas vezes foi-me proposto que fizesse antologias – e fiz. Este livro é completamente diferente, é uma antologia no sentido em que é uma escolha. Mas é uma escolha, digamos assim, definitiva. Isto é, os poemas que não estão neste livro estão fora de jogo. O que quis fazer foi um livro de poemas que quero, por agora, que fiquem disponíveis e as pessoas leiam. Mas, ao mesmo tempo, fazendo uma coisa que aprendi a fazer, como digo na nota do final do livro – acho eu, espero que tenha aprendido, mais nas antologias do que nos livros –, que é justamente construir livros.
Não está contente com os livros anteriores que publicou?
Não estou contente com nenhum dos livros enquanto livro. Acho que falharam sempre. E fiquei sempre contente com as antologias: foram duas vezes, e mais uma no Brasil. Achei que nas antologias havia uma estrutura. E agora foi uma possibilidade de fazer um livro onde estão ao mesmo tempo todos os poemas que quero guardar por ora e onde eles têm uma legibilidade, parece-me, maior. Havia poemas que estavam mal organizados, a sequência não lhes dava legibilidade. Acho que agora estão todos ordenados por afinidades. Não diria exatamente temáticas, mas têm afinidades evidentes. Acho que as pessoas, depois de lerem três ou quatro poemas em cada uma das secções, percebem qual é a afinidade dentro de cada uma. Uma das duas dúvidas que tive era se, por exemplo, mantinha ou não poemas de que ainda gosto, mas que já não escreveria hoje. E há vários que não escreveria, de todo. Mas não é por não gostar deles, tanto que os poemas estão aí, é porque eu já não sou essa pessoa. Sou muito diferente hoje do que era aos 20 anos, mesmo muito. Os poemas não têm, na verdade, uma intemporalidade absoluta, nem essa indexação biográfica tem, no fundo, muita importância.
Teve necessidade de dar título a cada capítulo de poemas.
Na verdade, uns tinham título, outros não tinham título, e depois achei que, por uma questão de uniformidade… Encontrei alguns títulos que correspondem a títulos originais dos livros como, por exemplo, Avalanche e Vida Oculta – embora não reúnam necessariamente os poemas que esses títulos continham. Outro é Camões Binocular, de que gosto muito: faz parte de um poema do Vitorino Nemésio [Pedra de Canto].
O seu primeiro livro foi autopublicado. O que é que o levou a querer publicar a poesia que escrevia?
O livro foi enviado para uma editora que acabou por manifestar o interesse em publicá-lo, depois de já estar publicado. Portanto, se eu tivesse sido um pouco mais paciente, não teria sido uma edição de autor, mas tinha bastante pressa em publicá-lo. Foi publicado em ’99. Estava convicto de que tinha ali trabalho publicável.
Não tinha dúvidas sobre o seu trabalho?
Isso tinha imenso. É um livro que tem algumas coisas de que gosto ainda hoje muito, mas tem outras bastante incipientes. Já escrevia havia algum tempo, tinha vontade de publicar um livro. Tinha feito umas edições mais privadas, umas coisas até fotocopiadas, mas tinha interesse em ter um livro. Na verdade, esse primeiro livro esteve em duas livrarias porque eu conhecia os livreiros.
Porquê a pressa de publicar?
Não sei… para ver o olhar de outras pessoas sobre aquilo, para perceber se era por ali. Suponho que era isso. Apesar de tudo, não foi nem muito cedo nem muito tarde. Eu tinha 27 anos. É uma idade mais ou menos dentro do padrão. Em geral, as pessoas estreiam-se tarde. De vez em quando, vejo poetas estangeiros com mais do que um livro publicado e que têm 22 anos. Isso não acontece cá. E eu não escrevia nada que fosse visível com 22 anos, certamente. Mas depois houve um pequeno núcleo – e que são, curiosamente, boa parte dos poemas que estão na primeira parte deste livro – que são os poemas sobre um tema que é estranho interessar-me na altura. Agora é mais normal.
Que é o tempo e a memória.
São temas que me interessavam muito. E que aos 50 anos são temas mais ou menos quase fatais. Mas aos 20 é esquisito. Falar sobre a memória aos 20 anos, sobre o tempo que passou aos 20, pode parecer estranho. Hoje em dia esses poemas têm uma carga diferente porque há uma série de acontecimentos, de pessoas que morreram, de pessoas que envelheceram, eu próprio envelheci, etc. O tempo agora é menos abstrato do que era antes. Quer dizer, o tempo continua a ser abstrato, mas a experiência do tempo é menos abstrata hoje do que era nessa altura.
Vê a memória como uma sombra do tempo ou como um espelho?
É uma pergunta que não sei exatamente responder. Não tinha pensado nessa imagem da sombra, mas é claro que são dois corpos que se movem em relação um com o outro. Com o tempo que passou, fica em nós a memória das coisas… O resto, não é? Portanto, a maioria dos poemas são sobre as duas coisas ao mesmo tempo. Embora haja um ou outro poema só sobre o tempo, e um núcleo pequeno de poemas só sobre a memória, não consigo separá-los, porque os poemas são quase todos escritos muito a posteriori. Falam de coisas que já passaram, que já não existem ou que estão muito diferentes. Há alguns neste livro que são poemas de Lisboa – que falam muito de ruínas, de pedras em ruínas, esse género de coisas. Há a necessidade de deixar pousar durante um tempo alguma experiência, alguma coisa marcante, para depois escrever sobre ela.
Não há poemas escritos na pele dos acontecimentos?
Há dois ou três, são aqueles que têm um referente muito explícito, por exemplo, a morte de alguém. Esses poemas são escritos imediatamente. Aquilo a que se chama “poemas de amor”, raramente é escrito contemporaneamente. Mesmo aqueles que estão escritos no presente do indicativo e parece que estão a acontecer. É como aquela ideia do [poeta inglês William] Wordsworth: a emoção recordada na tranquilidade. Simpatizo com essa ideia. Acho que é preciso que haja alguma coisa que seja mais da ordem da emoção do que da intelectualização. Embora haja poetas que intelectualizam mais do que geram emoções. As experiências inebriantes, como, por exemplo, o momento em que alguém se apaixona por outra pessoa, podem gerar um impulso poético. Mas a minha experiência é que não são esses os poemas mais interessantes.
Porque, se se está a viver o amor, não se está a escrever sobre ele?
Sim, é isso. Acho que, digamos assim, a experiência da escrita tem qualquer coisa de substituto. Seja num momento de grande alegria, seja num de grande tristeza, está-se provavelmente mergulhado nessa experiência. Evidentemente que se pode estar a escrever quando se está a viver esses momentos mais intensos. Mas, em geral, acho que o poema tem mais sentido e coerência quando já temos uma pequena distância. É um pouco como aquelas pessoas que escrevem um poema, deixam-no na gaveta durante uns meses e mais tarde é que voltam a ele.
O Pedro é também assim?
Nunca fui muito metódico desse ponto de vista. Mas acho que há um momento, quando os escrevo, em que os poemas têm quase todos um fundamento biográfico. E depois tem de haver um segundo momento em que o poema é independente da biografia. Nasceu daí, mas tem de se libertar disso. Por exemplo, ao rever estes poemas reparei que há poemas que dizem coisas que não são verdade mas que eram verdade para mim naquela altura. Até factualmente.
São memórias implantadas?
Não tenho a noção de alguma vez ter escrito um poema cuja representação da realidade eu soubesse que era falsa, não tenho mesmo. E não interessa nada, também. Há experiências nos poemas deste livro que pelas quais não passei, histórias que não são minhas. Por exemplo, há uma parte do livro que se chama Academia das Musas, que são poemas de amor, genericamente. São, muitas vezes, baseados em histórias biográficas de escritores. Diria que três quartos não correspondem à minha experiência, mas são experiências em que me reconheço de alguma maneira. Eu podia ser aquela pessoa. Há um poema sobre uma história lancinante de um poeta de que gosto muito, o Thomas Hardy. O Thomas Hardy teve um primeiro casamento muito quezilento. A mulher morreu, ele volta a casar-se. Durante este casamento, apaixona-se pela primeira mulher. Eu, felizmente, nunca passei por uma história tão tétrica, mas achei aquilo fascinante: a ideia de se apaixonar pelo fantasma. A experiência não tinha sido boa mas, a posteriori, ele culpabiliza-se por não ter tentado que fosse melhor. Outra história foi a do poeta espanhol Pedro Salinas. Quando deu aulas nos Estados Unidos, teve um caso com uma americana, ela era professora de literatura hispânica. Ele escreveu três livros de poemas de amor dedicados a ela. O nome dela não aparecia porque ele era casado e ela, na altura, penso que ainda não o era. Mas, entretanto, também se casou e, depois de os livros serem publicados, ela dava os poemas – dele dedicados a ela – aos seus alunos. É fascinante: uma pessoa estar a ensinar poemas, a dizer “aqui, a amada do poeta” e ser ela própria a amada. Não tem, evidentemente, nada a ver comigo, mas são momentos em que me reconheci naquilo que não vivi. De certa forma, a literatura é muito parecida com essa coisa do não acontecido. Toda a gente, para quem a literatura é importante, concordará que aquilo que leu faz parte da sua vida mental, faz parte da sua experiência, num certo sentido.
Lemos este livro e temos a sensação de que o poeta foi alguém que ficou com muitas coisas por viver. Faz sentido?
Faz. Faz ainda mais sentido em alguns poemas, que são poucos neste livro, que foram escritos nos últimos anos. A maioria dos poemas foram escritos com 27, 30, 35 anos. Nesses, não penso que isso seja tão evidente. Mas são poemas em que é inevitável que, com a passagem do tempo, se sinta que há caminhos não percorridos ou que o menino cresceu bem comportado. Isso não me incomoda nada.
Os poetas alimentam-se muito da ideia da falta.
Há experiências, há situações, seja o que for, que eu passei ao lado – de umas, felizmente, de outras, infelizmente. Para outras era bom que tivesse ainda idade, outras felizmente já se foram. Não há uma regra, há, sim, experiências e não-experiências. Há um autor de que gosto muito que é o Adam Phillips. Ele é psicanalista e tem um livro sobre o facto de as coisas não vividas, uma vez que existem na nossa cabeça, fazerem parte da nossa biografia. Pensámos fazê-las e não as fizemos – não tem de ser nada de especial, não tem de ser uma decisão drástica de vida. Por exemplo, houve dois ou três momentos em que pensei ir viver para o estrangeiro. Naquela altura, aquilo foi muito importante para mim, pensei bastante e não o fiz nenhuma das vezes. Lembro-me que escrevi muito sobre isso. Na verdade, não escrevi quase nada de aproveitável. Há, na realidade, um poema, que não está neste livro porque não o encontrei, apenas por isso. Há-de estar num caderno algures.
Não escreve ao computador?
Não, nunca escrevi poemas ao computador, acho que nunca escrevi nenhum, não me lembro… A não ser que o computador esteja aberto e me ocorra qualquer coisa, não sei… Acho antinatura escrever um poema ao computador.
Escreve crónicas, escreve críticas, escreve sobre a atualidade, escreve sobre literatura. Faz comentário televisivo. São muitos campos. O que é que sobra para veicular através da poesia?
Na verdade, só vejo dois campos aí, que é o campo da escrita e o outro – o programa de televisão. É outra coisa. Não o estou a meonsprezar, mas é outra coisa. Não tem para mim a mesma importância. A escrita, tudo o que é escrito. Quanto a tudo o que é escrita, é evidentemente muito diferente escrever, por exemplo, uma crónica ou uma recensão, com que estou contratualmente obrigado e tenho um prazo, um tamanho, do que escrever uma poema. Uma poema escrevo quando quiser, se quiser, se conseguir, com o tamanho e a tonalidade que possa ter. Portanto, são protocolos muito diferentes. Na verdade, tudo o que faço que não seja escrever é para ganhar a vida ou por simpatia. Por exemplo, apresentar livros, esse tipo de coisas a gente faz – e não me custa sequer –, mas não acordo de manhã a dizer quem me dera que alguém me convidasse para apresentar um livro. E muitas vezes é agradável. Descubro autores e gosto de estar com as pessoas. A política que me interessa – não sou um militante, nem um ativista – interessa-me porque estou atento ao que se passa.
Uma questão de cidadania.
Exatamente. Escrever é que é importante.
Organiza também uma coleção de poesia. Edita outros poetas. Não lhe é estranho escrever poesia e escolher obras dos seus pares para editar?
Essas águas são completamente diferentes. É até bastante frequente as pessoas que coordenam coleções de poesia serem autores de poesia. Há muitos tradutores de poesia que são poetas. Acaba por ser natural. A coleção aconteceu de uma forma um pouco inusitada porque não fui eu que a propus. Foi a minha editora que me disse que gostava que a Tinta da China tivesse uma coleção de poesia. E é uma coleção de poesia que tem alguns constrangimentos. São quatro títulos por ano. Portanto, é uma pequena coleção. Para mim foi importante no sentido de, não só estar atento a alguns autores muito novos – não necessariamente novos de idade, mas até publicarem os primeiros livros –, mas também de recuperar alguns autores que não tinham editor e que estavam esquecidos. Superar algumas lacunas em termos do mercado da poesia, da edição de poesia.
Há muita edição de poesia, nomeadamente em editoras ou edições alternativas.
Sim. Na verdade, a poesia mais interessante hoje em dia é a alternativa. Porque as editoras desinvestiram, as editoras clássicas, tirando o caso da Assírio & Alvim, que é a editora mais canónica, ainda – e será –, da poesia portuguesa. A Relógio d’Agua também tem uma coleção de poesia que continua importante. Mas outras coleções de poesia das grandes editoras, sobretudo porque estão já inseridas nos grandes grupos, tendem a ser cada vez mais residuais. Há coleções de poesia em que dá a ideia que, quando morrer o último dos poetas do catálogo, já não entrará mais nenhum. Eu respeito isso, cada um sabe de si. Mas senti que, em alguns casos, já aconteceu num ou noutro autor, de pessoas que eu sabia que não conseguiam editar livros e que conseguiriam noutra altura, em que havia coleções mais pujantes, quando havia a coleção da Presença, quando havia a coleção no tempo da Moraes. Enfim, outras coleções marcantes na história da poesia portuguesa. Portanto, a coleção de poesia não tem, como é muito evidente e procurado, aliás, uma linha programática.
Essas supostas linhas, interessam-lhe?
Nenhum interesse. Basicamente, são todos poetas de que gosto. Não ia publicar um poeta que não me interessasse. Primeiro, começámos por não editar primeiros livros. Acabámos logo por editar um primeiro livro ou segundo título. Depois, decidimos que não íamos publicar traduções, já publicámos algumas, mas não muitas. É uma coleção que se vai fazendo assim um pouco por acaso. A certa altura, tínhamos o ano editorial fechado e o neto do Carlos Drummond de Andrade disse que gostava de publicar um livro do avô na coleção. E nós, com certeza que sim, não é? Portanto, mudou-se o editorial. Publicámos os três volumes do Boitempo num só. E, portanto, é uma coleção que vai sendo feita à base de… não totalmente de acasos. Dos 40 títulos publicados, pouco menos da metade eram livros que eu queria publicar logo, antes do primeiro título ter saído. Mas outros foram coisas que foram aparecendo, ou reuniões de obra completa, ou antologias. Infelizmente, não têm aparecido primeiros livros. Acho que só publicámos três primeiros livros, e eu gostava que tivessem sido mais. Podíamos ter publicado mais um ou dois: foram originais a que não respondi imediatamente e entretanto as pessoas publicaram noutro sítio. Mas não muito mais. Nunca me passaram livros em que dissesse “ah, que pena não ter publicado este”, isso nunca me aconteceu. Aconteceu com três e fiquei contente porque foram todos publicados noutro sítio. Portanto, isso significa que um livro que tenha mérito para ser publicado seja publicado. Também é provável que livros sem mérito sejam publicados, mas isso é outra questão.
Estar tão por dentro do que se faz em termos de poesia permite-lhe identificar correntes atuais, em Portugal?
Acho isso é verdade de formas diferentes nas várias tradições. Mas, no caso português, houve uma legibilidade por correntes que nos últimos 50 anos se foi desmoronando naturalmente. Evidentemente que todo o século XX foi feito à base de revistas, manifestos, grupos, cafés, tertúlias, etc., onde se juntava as estéticas, a política, as amizades pessoais. A partir dos anos 70, dando como movimento uma galáxia com mais ou menos afinidades, os poetas da [edição de poesia coletiva] Cartucho – o Joaquim Manuel Magalhães, o João Miguel Fernandes Jorge, o Hélder Moura Pereira, o António Franco Alexandre. Apesar de tudo, esses poetas trouxeram qualquer coisa para a poesia portuguesa que era nova naquele momento, que teve a ver com um discurso menos textualista, menos hermético – como foi uma parte da poesia portuguesa dos anos 60 –, mais coloquial, em alguns sentidos, às vezes mais quotidiana, etc. Às vezes diz-se, até pejorativamente, que os poetas que apareceram depois não se libertaram dessa matriz.
É verdade?
Não tenho a certeza, não tenho a certeza de que seja verdade para todos, mas, em todo caso, sei que, se é verdade que já não há essas tendências – eu não sinto grande falta disso, não me parece que isso seja particularmente problemático – uma coisa mais importante do que isso é que há em todas as gerações poetas relevantes que não têm nada a ver com tendências. Há um caso flagrantíssimo de um poeta que já morreu, mas que tinha a minha idade, que foi o Daniel Faria. O Daniel Faria é um objeto não identificável que apareceu na poesia portuguesa, que se revela e morre logo. Não faz muito sentido comparar o Daniel Faria. Mesmo a tentação de o compararem com o José Tolentino Mendonça… não têm nada a ver. Não é a pista eclesiástica que os une, certamente. Há autores que, por facilidade, dizemos que eles fazem parte de uma estética, de um grupo, de uma tendência, mas, na verdade, têm tantas características que os singularizam, mesmo dos seus companheiros de geração, que é por comodidade que as inventamos. Portanto, há tendências e há movimentos, mas não é isso que fica. O que fica são o poeta A, o B, o C. Isso é que é importante.
Quando lemos um título como este, de poemas reunidos, dá a ideia de remate. Fechou-se um ciclo?
Não sei se é importante para mim. O que era importante para mim era ter os poemas disponíveis. Muitos desses poemas não tinham voltado a ser publicados desde o lançamento no livro original, que já não está disponível. Era ter os poemas, um núcleo substancial de poemas disponíveis e, ao mesmo tempo, filtrar aquilo que me interessava manter. Reunidos, na verdade, é o que eles são. Parece mais grandioso do que é. Depois, havia essa coisa das datas redondas: 25 anos desde que publiquei o primeiro livro… Não é um acontecimento editorial, como se costuma dizer.
Já escreveu poemas desde que saiu este livro?
Desde que saiu da máquina, não, mas desde que o entreguei para a impressão, sim, já há alguns. São, na verdade, ainda adendas a este. Espero que o que venha a escrever seja diferente do que está aqui, mas há algumas coisas que ainda fazem a ponte. Boa parte dos poemas são poemas de juventude e não vou ficar preso à juventude, que está cada vez mais remota. Vou escrever certamente outros poemas e tenho até ideias já concretas sobre o que quero escrever.